29 novembro 2017

o mais importante dos últimos cem anos



Por recomendação - e presente - de uma amiga, estou a ler um livro que conta a história de três irmãs por altura do 100º aniversário da mais velha, e a relação destas com a história da Alemanha desde a monarquia até aos anos noventa do século passado.

Chama-se "Wir sind doch Schwestern", e a autora é Anne Gesthuysen.


O livro não é o melhor dos que li este ano, mas é suficientemente bom para me agarrar e levar até à última página. E tem uma passagem que me chamou mais a atenção. Trata-se de um jornalista que vem entrevistar a quase centenária, e a encontra rodeada por amigas igualmente idosas, a beber o copinho de aguardente do meio da manhã. A conversa, em - já se sabe! -tradução rapidíssima:

O jornalista bebeu mais um copo de aguardente, e a seguir pegou na folha de papel e na caneta:

"Então, que inovação, que invenção foi a melhor da sua vida?", e corrigiu, "quero dizer, foi a melhor do seu primeiro século?" - sublinhando "primeiro" de forma exagerada. "O que é que a marcou mais?"
Wollentarski parecia contente com o elogio bem conseguido, e foi recompensado com gargalhadas alegres à volta da mesa.
"Você entendeu o mais importante, meu jovem", felicitou-o Gertrud, "não se deve louvar o dia antes do anoitecer. Sabe-se lá quantas surpresas me prepara ainda a vida!"
Wollentarski riu-se. "Com certeza, com certeza. Mas antes de olharmos para o futuro, deixe-nos fazer uma retrospectiva. O que foi que a marcou mais?"
"A pílula!", atirou uma vizinha, na brincadeira, e todas desataram a gritar:
"A chegada à lua!"
"Telefone!"
"Emancipação!"
"O automóvel!"
"Café forte!" - "Hã, café forte? Isso já havia antes, ó pateta!" - "Ah, tens razão..."
"Antibióticos!"
"Rádio!"
"Isso mesmo, e depois o cinema e a televisão! Os media, em suma.", louvou Kitty, tentando captar a atenção do jornalista. Mas Gertrud não estava disposta a abrir mão do seu lugar na conversa. Tossicou alto, e disse:
"Acalmem-se, raparigas. O senhor Wollentarski fez uma pergunta séria e merece uma resposta séria. Sabe, nasci num tempo a que se chamava Belle Époque. Albert Einstein desenvolveu a sua teoria da relatividade, a Arte Nova embelezava a vida, e então veio a primeira guerra mundial. No entanto, a vida continuou a partir de 1918, fez o seu caminho pelo meio das campas e dos hospitais militares. Recomeçaram as festas, inventaram a telefonia, havia filmes, luz eléctrica para todos. E a Democracia. Foi assim até à segunda guerra mundial, que destruiu todo o progresso e provocou ainda mais destruição e devastação que a primeira. Agora estamos de novo numa fase de construção. Inventámos computadores, a televisão e os foguetões, temos a liberdade e a União Europeia. Alegro-me com cada passo no sentido do progresso, mas temo o próximo retrocesso. A humanidade lembra-me uma criança a fazer uma torre de blocos, cada vez mais alta, cada vez mais alta, e que a meio do processo sente o prazer incontrolável de destruir tudo o que fez. E quanto mais alta faz a torre, mais se aplica a destruí-la. Desejaria um pai severo para esta criança. Talvez mais confiança em Deus, mais fé, para evitar as guerras. Em suma: a maior invenção da humanidade, senhor Wollentarski, é a paz. Mas não sei se já a inventaram realmente."


Sem comentários: