07 junho 2016

70x7, as pombas e as serpentes, o facebook

Quando, há cerca de cinco anos, comecei a estar mais activa no facebook, decidi manter a cronologia aberta a todos, e aceitar todos os pedidos de amizade - excepto os que eram spam óbvio.

Entretanto, dei-me conta de que não tenho jeito nenhum para o cristianismo. Estando escrito "Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas." (Mt. 10:16), aqui a artista não consegue levar a sério a parte dos lobos (e fica inteiramente desconcertada sempre que se depara com um), e não tem muito jeito para a prudência da serpente.

Andar no facebook partindo do princípio de que do lado de lá é tudo gente boa até prova em contrário pode parecer um cheque em branco, mas tem o seu preço: quando me aparece uma prova em contrário, raramente dou segunda oportunidade. Não há cá "perdoar 70 x 7 vezes" - excepto quando se trata de amigos da vida real.

Bem sei que seria mais avisado partir do princípio de que o facebook está cheio de lobos. Mas não consigo olhar para um desconhecido através dos óculos de "o que tu queres sei eu". Antes de as conhecer, não sei o que as pessoas querem (e mesmo depois de as conhecer melhor...). Elas que vão revelando ao que vêm, e em função disso decido se me apetece continuar a cruzar-me com elas no facebook, ou se desapareço do seu raio de observação e acção.

A este propósito, lembro uma frase que vinha numa carta que a polícia californiana nos mandou, por causa de uma infracção de trânsito: "está prestes a perder o privilégio de conduzir". O facebook seria um lugar muito mais respirável se as pessoas tivessem consciência que os murais alheios e a atenção do seu proprietário não são um direito inalienável seu, mas um privilégio que têm de saber merecer.

(Depois, no dia do Juízo Final, hei-de ter uma conversinha sobre essa história dos lobos e do 70x7. Talvez me safe, como naquela oral de Contabilidade de Custos, quando respondi "ora ainda bem que me fala nisso, porque tenho dúvidas sobre este ponto e sobre aquele", e o temido catedrático, atónito, "como é que vem para a oral sem saber isso?", mas explicou-me, e deixou-me passar.)

(Por falar nisso, e agora vou mudar completamente de assunto, o Juízo Final bem podia ser uma explicação da nossa vida à luz de um amor infinito por cada um de nós e pelo mundo.) (E o inferno seria, nesse caso, atravessar a eternidade com a consciência de termos vivido na terra muito aquém da plenitude a que podíamos aspirar.) (Espero que nos seja então descontada a ansiedade que já vamos experimentando à medida que os anos passam e nos damos conta da finitude do corpo e da incompletude do ser.) (Descontada com juros, por favorzinho, que isto não é fácil.) (Se calhar tratava de terminar o que já devia estar pronto há 3 dias, em vez de estar aqui a alinhavar pensamentos em público.)


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