14 novembro 2015

Paris na manhã seguinte

Depois da tragédia, o regresso ao quotidiano: baguette fresca pela manhã.
Também fomos. Na padaria, o pão e os bolos alinhavam-se alegremente, nos seus tons quentes, como todos os dias. As pessoas esperavam a sua vez na fila, calmas, em silêncio, e com cara de quem não quer falar com desconhecidos. Não se trocavam olhares de empatia, comentários, nada.
As baguettes alinhadas davam-me uma sensação de consolo e segurança. Se me pedissem um símbolo da resistência aos ataques de ontem, era uma imagem daquelas baguettes, ou de um parisiense levando uma dessas pela rua.
Paris continua.

Claro que há conversas sobre encher a casa de comida, ou sobre as estações de metro que melhor seria evitar. Mas a cidade pareceu-me muito calma.

Em compensação, o facebook hoje causou-me estranheza. Que agitação!
Não me sinto tentada a embarcar na onda "Je suis Paris". Parece-me algo irreal, muito distante do que vivi. Além do mais, não precisamos de repetir uma evidência. "Paris" pode ser em todo o sítio: é contra nós todos, e estes ataques são relativamente fáceis de levar a cabo.

Perante esta certeza de que ninguém está seguro, que fazer? Por enquanto, ocorrem-me apenas duas ideias:
 - vamos ter de decidir se aceitamos que as polícias secretas devassem a nossa privacidade e desrespeitem os nossos direitos em nome da nossa segurança;
 - tenho de organizar melhor os meus pelouros (burocratices, projectos, coisas várias), para não dar demasiado trabalho a quem fica, caso seja apanhada numa tragédia destas.

Entretanto, espero que amanhã haja baguette fresca.









7 comentários:

mcst disse...

Leio-te e fico contente por ti e pelos que continuam connosco.
Ouço as notícias e fico em silêncio.

Há um sentido misterioso em termos escolhido estes versos para apresentar o teu blogue:

"Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco".
(Sophia de Mello Breyner)

Os poetas são também profetas?
E tu estás sempre na linha da frente da História?
Um abraço!

calita disse...

Estou perplexa. Fico aliviada que estejam bem.
(que tendência a tua para estar presente quando acontecem tragédias!)

Helena Araújo disse...

Céu,
há poetas que são profetas - sem dúvida.

Sobre mim e as linhas da História: psssiu, vai ser o nosso segredinho... ;)

(Desde que fui a Roma na altura em que o João Paulo II estava já bastante doente, e ele não morreu, achei que este meu lado Calamity Jane da História tinha morrido. Afinal, só estava adormecido...)

(Agora, num registo sério: não tenho dúvidas que um dia destes vai ser Berlim. E nem por isso deixo de fazer a minha vida normalmente. Enquanto estou viva, trato de viver.)

Júlio de Matos disse...



É uma grande tristeza este Mundo de violência que deixámos criar.


Não somos todos Paris, somos é (uns - muito - mais do que outros) todos culpados.

Júlio de Matos disse...




"Nesta data querida, muitas Felicidades, muitos anos de vida!"

(...)

Cantam as nossas (4) almas...

Domadora de Camaleões disse...

"Enquanto estou viva, trato de viver". Magnífico.

Helena Araújo disse...

Júlio de Matos,
obrigada!
(bem me queria parecer que estava a esquecer aqui uma resposta importante! :) )