27 março 2015

caminhar na neve



Tenho de me organizar melhor, porque não estou a conseguir viver e descrever ao mesmo tempo.
Por exemplo: já comecei a fazer as malas para irmos visitar o Matthias ao outro lado do mundo, e ainda não contei como foram as férias nas Dolomitas, na semana passada (há uma eternidade, aliás).
Ontem uma amiga protestou (os meus amigos vêm ao blogue saber da minha vida para pouparmos tempo, depois quando nos encontramos metade da conversa já está feita) (então devíamos ficar metade do tempo em silêncio, não é?) (não sei porquê, não ficamos) (tanto melhor) e portanto cá vamos nós a isto.

Ora bem: o ponto mais alto da minha semana nas Dolomitas, à parte
- termos ficado num hotel italiano com meia pensão (aaaah, meia pensão! haverá lá coisa melhor para uma mulher que anda há quase 40 anos a sofrer a dúvida existencial e recorrente sobre o que é que vai cozinhar hoje?),
- o jantar ter 4 pratos (de comida italiana, hmmmm, anunciada com pompa, a "carne salada del Trentino", os "brócolos de Torbole", o "milho de Storo", a "polenta do Valle del Chiese", e assim, e eu a pensar como seria um menu de um restaurante português que anunciasse orgulhosamente a origem dos produtos, "presunto de Matancinha de Baixo", "azeite de Freixo-de-Espada-à-Cinta, "tomates de Alfarim", "salsa de Sarilhos Grandes", "coentros de Sarilhos Pequenos", etc.),
- o hotel ter uma piscina e um espaço de sauna e banho turco que era de suar e chorar por mais,
- estar numa cidadezinha engraçada, Maddona di Campiglio, rodeada de florestas onde dei belos passeios com o Fox,
o ponto mais alto, dizia eu, foi a caminhada na neve.
(Pensando bem, o ponto mais alto foi o livro Mar, do Afonso Cruz, que li e logo a seguir reli, mas adiante.)

A verdade é que, ao fim de vinte anos a fazer cursos de ski para principiantes, e de chegar ao fim da semana sempre muito aliviada por não ter caído nem partido bocado nenhum de mim, resolvi mudar de vida. No ano passado descobri o prazer das caminhadas na neve, e agarrem-me, que um dia destes compro um par de raquetes, saio por aí e só paro quando encontrar o abominável homem das neves.

A caminhada: subimos nas cabines, chegámos a uma pista cheia de gente que lembrava um quadro de Brueghel, começámos a andar tap-tap-tap naquela paisagem imaculada, eu ia fotografando isto e aquilo, maravilhada com tudo e em especial com os poços de neve que guardavam a luz. Os outros também paravam e fotografavam, e foi muito esquisito porque toda a gente estava deliciada, mas ninguém dizia nada a ninguém. Custava alguma coisa trocar sorrisos e dizer "que maravilha"?

Andámos por ali três horas, solitários em grupo, e depois descemos uma pista negra a pique para regressar à aldeia. Cada um por si, de novo. Consegui chegar ao fundo sem cair, e sem trocar um único olhar de pânico com alguém ao meu lado. Nunca pensei, durante aqueles vinte anos de curso de principiantes, que algum dia desceria uma pista negra a pique e não ia largar olhares de pânico em todas as direcções.

O que correu um bocadinho mal: saí do hotel a correr, e foi uma sorte ter-me lembrado do gorro e das luvas. Esqueci-me dos óculos de sol e do protector solar, pelo que andei umas quatro horas à neve e ao sol, com o gorro metido no bolso.

O que correu ainda pior: quando cheguei ao fim, com a cara e os olhos muito vermelhos, não encontrei por ali nenhum casting para um filme de terror. Davam-me logo o papel principal, ia ser um sucesso. Hollywood tem andado a dormir, é o que vos digo.




 




4 comentários:

Gi disse...

Aaaaahh Helena, eu tenho terror de esqui, fiz só duas aulas ou três para principiantes mesmo mesmo no princípio e prefiro, se me deixarem, ficar no hotel a ler, na companhia de uma bebida quente.

Paulo disse...

Como é que consegues esquiar e fotografar ao mesmo tempo?

Helena Araújo disse...

Ia dizer que são vinte anos a virar frangos, mas é mentira. Isto não é esquiar, é andar na neve com "raquetes de neve". Para fotografar o grupo saía do caminho que íamos todos abrindo na neve, tirava a fotografia e entrava de novo. As raquetes não deixam que os pés se enterrem na neve fofa.

Paulo disse...

Ah, fazes batota, portanto.