(A sério: não há um jornal português que me queira pagar para eu fazer isto?)
Verificação de factos: a Europa está a salvar a Grécia, ou apenas a salvar os bancos?
Hauke Janssen
Filial bancária em Atenas: a ajuda da UE não foi um acto de solidariedade?
Varoufakis, o ministro das Finanças grego, diz: "os alemães têm de saber que com o seu dinheiro não salvaram a Grécia, salvaram os bancos". A secção Spiegel-Dokumentation verifica os dados. Para onde foram os milhares de milhões?
Para muitos alemães, não há dúvidas sobre o que aconteceu na Grécia: viveram durante anos acima das suas possibilidades e concederam-se todo o tipo de benesses sociais sem receberem a contrapartida em impostos. A mistura entre corrupção e desperdício não poderia funcionar a longo prazo. A miséria económica em que se encontram é da sua responsabilidade. Os gregos podem dar-se por satisfeitos por terem parceiros fortes que os safaram da bancarrota, continua o argumento. Tendo em conta que uma bancarrota descontrolada da Grécia podia ser perigosa para toda a Eurozona, a troika constituída pela UE, o BCE e o FMI autorizou dois enormes pacotes de ajuda internacional, em 2010 e 2012, com um volume total de 240 mil milhões de euros.
Se o governo grego se rebela agora contra o que foi acordado sobre as medidas de austeridade, isso parece um sinal de ingratidão. Mas muitos gregos não estão a ver de que modo é que a redução das reformas e o despedimento dos funcionários públicos os podem ajudar. Enquanto na Europa o desemprego continua a baixar (em média para 11%) na Grécia já chegou aos 26%, o maior em toda a zona Euro.
Também por esse motivo o governo de Alexis Tsipras não quer continuar a negociar em posição de humilde pedinte. Quer-se libertar e afrouxar as medidas de austeridade.
Será que Varoufakis tem razão?
Não nos é possível analisar aqui todos os aspectos da crise grega, mas podemos, para variar, usar um exemplo com uma perspectiva que vai contra a leitura alemã.
O ministro das Finanças grego compara as regras da troika às torturas da CIA, a imposição das medidas de austeridade a um waterboarding fiscal.
Compreensivelmente, esta frase choca a Alemanha, que lhe responde: "a Grécia não está a ser afundada em água, mas em dinheiro".
Varoufakis responde ao Spiegel: "os alemães têm de saber que com o seu dinheiro não salvaram a Grécia, salvaram os bancos. O dinheiro foi utilizado para impedir que os bancos, especialmente os franceses e os alemães, sofressem ainda mais prejuízos".
No seu livro (*) continua:
"Com a desculpa de salvar a Grécia, os prejuízos astronómicos nas contas dos bancos foram passados para os ombros frágeis dos contribuintes gregos, sabendo de antemão que esses custos acabariam por passar para os ombros da Alemanha, da Eslováquia, da Finlândia e de Portugal.
É óbvio que não houve qualquer salvamento da Grécia e qualquer solidariedade com os gregos gastadores. O Estado grego recebeu créditos no valor de 240 mil milhões de euros, para que mais de 200 mil milhões fluíssem para os bancos e hedge fonds. Este dinheiro foi entregue à Grécia com a contrapartida de medidas de austeridade drásticas que reduziram os rendimentos privados em 25%, pelo que o serviço da dívida, tanto pública como do sector privado, se tornou impossível."
O jornal Handelsblatt, que tem uma posição muito crítica em relação a Atenas, já se referiu aos "verdadeiros motivos da tragédia grega" nestes modos: ao fim e ao cabo, as acções de salvamento do sector financeiro, levadas a cabo pelos Estados, significam que os riscos dos balanços dos bancos são transferidos para o Estado.
A base para esta conclusão foi dada por um estudo do BCE, "The Janus-Headed Salvation", no qual Jacob Ejsing e Wolfgang Lemke mostram que o que pôs a Grécia em dificuldades foi a ajuda aos bancos e as suas consequências.
O Attac também fez revelações importantes sobre o uso das ajudas da troika.
77% das ajudas foram para o sector financeiro
O resultado: dos 207 mil milhares de milhões que foram entregues à Grécia até meados de 2013, 77% foram entregues directamente (58,2 mil milhões para recapitalização dos bancos) ou indirectamente (101,3 para credores do Estado grego) ao sector financeiro. Para o orçamento do Estado sobrou menos de um quarto do volume total.
O professor Michael Hüther, director do Instituto da Economia Alemã, instituição próxima dos empresários, reconhece este facto, mas lembra que "com esse créditos evitou-se que os bancos caíssem numa crise funcional ainda mais funda. Portanto, podemos numa primeira abordagem dizer que se tratou apenas de ajudar os bancos. Mas no fundo tratou-se de assegurar a infraestrutura."
Resta uma questão: se o que está em causa não são bem os gregos, mas o sistema financeiro europeu, porque é que a troika não parece preocupada com o fracasso das negociações?
O motivo é muito simples: muitos institutos de crédito europeus já não têm papéis da dívida grega. Em vez dos 272 mil milhões de então, são apenas 34 mil milhões. Os bancos na Alemanha e na França não correm grandes riscos de desequilíbrio caso a situação na Grécia se agudize.
Fazit: segundo a tese de Varoufakis, as ajudas da troika não foram um acto de solidariedade de cidadãos e contribuintes europeus para com o povo grego, mas um acto de auto-ajuda do sistema financeiro europeu às custas dos cidadãos europeus. Esta tese não se deixa refutar facilmente. O que é já motivo bastante para refutar as acusações dos cidadãos alemães irados.
(*) Yanis Varoufakis com Stuart Holland e James Galbraith: "Bescheidener Weg zur Lösung der Eurokrise" - sai a 25.02.2015 na Alemanha
Zum Autor
Hauke Janssen (Jahrgang 1958) leitet seit 1998 die Abteilung für Dokumentation beim SPIEGEL. Er ist Sachbuchautor, insbesondere veröffentlichte er Werke zum Themenkomplex der Volkswirtschaft im Deutschland der Dreißigerjahre.
2 comentários:
Não direi o contrário, mas "os bancos" não serão as poupanças de todos nós?
Pergunto só.
Também são. E também são negócios completemente irresponsáveis, e lucros de milhares de milhões, e uma grande perversão: os lucros são do banco, os prejuízos são dos contribuintes.
E outra perversão: os bancos fizeram negócios absolutamente irresponsáveis com a Grécia, e agora só uma das partes do negócio irresponsável é que é chamada à responsabilidade.
Já estive mais longe de pegar no (pouco) dinheiro que tenho e pô-lo num banco cristão que faz questão de ter aplicações éticas.
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