19 abril 2014

a gente de Karabakh

A gente de Karabakh deixa-me desconcertada - e mais ainda a de Shushi. Vivem no meio de ruínas, a poucos quilómetros de uma fronteira frágil, partilham o espaço com milhares de refugiados vindos do Azerbaijão, pouco têm para viver, e no entanto mostram uma tranquilidade - e até uma alegria - que me surpreendem. Vinda de um país com as fronteiras mais antigas da Europa, criada longe das guerras e habituada à abundância, não entendo o segredo desta serenidade. Tanto mais que sei que muitos destes que se cruzam comigo no caminho, e me sorriem com naturalidade, são pessoas que fugiram do Azerbaijão porque as queriam matar, pessoas que lutaram arduamente para conquistar a independência do território dos seus ancestrais, sabendo que em qualquer momento poderão ser chamadas a pegar de novo nas poucas armas que têm, para se protegerem - e às suas famílias. 

Assusta-me o fosso e a injustiça desta diferença: por capricho da sorte nasci num dos territórios mais seguros do planeta, enquanto estas pessoas têm a vida a saldo por motivos étnicos. Vivem na condição de perseguidos há mais tempo do que o meu país existe. Mil anos de ataques, massacres, expulsões e fugas. O episódio mais recente aconteceu em 1988, não é certo que tenha sido o último. Eles permanecem: não desistem da sua identidade e da sua dignidade. Talvez seja esse, afinal, o segredo da sua serenidade.

(A gente de Karabakh faz-me sentir uma burguesa pequena e cobarde.)



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