18 março 2013

mais um artigo alemão sobre a crise do Chipre

Traduzo mais um artigo, desta vez do Deutsche Wirtschafts Nachrichten (um site informativo organizado por Michael Maier, bastante crítico em relação ao euro), sobre a posição do governo alemão em relação às medidas propostas para o Chipre:


Merkel: cobrança imposta no Chipre é um "bom passo"
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A chanceler alemã Angela Merkel entende que a cobrança forçada a todos o cipriotas é uma condição para que "não sejam apenas os contribuintes dos outros países" a salvar o euro no Chipre.

Na conferência de delegados da CDU em Grimmen, Angela Merkel foi eleita por unanimidade para cabeça de lista de Mecklenburg-Vorpommern para as próximas eleições legislativas. 
Merkel aproveitou a oportunidade para exprimir a sua posição perante a ajuda ao Chipre. Afirmou que é positivo que todos os que têm uma conta bancária no Chipre sejam chamados a contribuir para a resolução do problema. Desse modo, "os responsáveis são parcialmente envolvidos, e não apenas os contribuintes dos outros países". Merkel: "É um bom passo, que com certeza nos facilita a decisão de ajudar o Chipre."
Não comentou o facto de estar a identificar os pequenos aforradores cipriotas como "responsáveis" pela crise do euro no Chipre.
Numa entrevista à ARD, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, defendeu a participação de todos os clientes dos bancos. Durante as negociações em Bruxelas, a Alemanha e o FMI deixaram ao critério dos cipriotas a decisão sobre a repartição dessa cobrança. Os cipriotas terão feito questão de cobrar também aos pequenos aforradores, para evitar que a economia começasse a vacilar. O presidente cipriota tinha dito no Sábado que a delegação tinha sido posta perante factos consumados.
As afirmações de Merkel e Schäuble revelam que eles estão dispostos a jogar a carta do nacionalismo nas próximas eleições legislativas: acreditam que o que mais irrita os alemães no processo de salvação do euro é os alegadamente preguiçosos do Sul estarem a ser salvos pelos alegadamente laboriosos alemães.
Os dirigentes da CDU estão a esquecer que os alemães sabem muito bem que esta permanente salvação do euro se destina a salvar os bancos e o sector financeiro. Na Grécia, mais de 80% dos "pacotes de ajuda" destinam-se ao serviço da dívida dos credores internacionais. 
Os políticos precisam mais dos bancos do que os seus eleitores: os bancos ganham com a política europeia de dívidas. Apesar dos "programas de poupança" que duram já há vários anos, as dívidas dos Estados cresceram em vez de diminuir. 
Neste programa de salvação do Chipre, contudo, desiste-se de todos os princípios básicos de um Estado de Direito.
Estas medidas provocaram na Alemanha uma forte insegurança. Círculos governamentais confirmaram ao Deutsche Wirtschafts Nachrichten que os alemães não precisam de temer pelos depósitos com as suas poupanças.
No idílio de Grimmen não foi ainda necessário que Angela Merkel desse tais garantias.
Na segunda-feira o euro estava a dar sinais claros de perda de valor na Ásia.

***

Traduzi este texto porque me pareceu interessante mostrar que na Alemanha também se encontra um discurso muito crítico em relação aos passos para salvar o euro.

Quanto ao conteúdo:

- Chamar "responsáveis" aos pequenos aforradores cipriotas é tão absurdo, que me pergunto se foi um lapso. É simplesmente inadmissível. Imagino que a Angela Merkel quisesse dizer "beneficiários" do programa de ajuda, e não "responsáveis da crise". Vou estar atenta a reacções a esta frase. Por enquanto, não encontrei nenhuma.
- Não tive ainda notícias dessa "forte insegurança" na Alemanha. Nem de uma corrida aos bancos, nem nada. Vou estar atenta. Na realidade, muito mais insegurança provoca o que tem acontecido nos últimos anos com frequência: mal o Parlamento autoriza um novo pacote de ajuda a um país em crise, surge uma crise noutro país, ou o que acabou de ser ajudado descobre que afinal precisa de ainda mais dinheiro, ou um país em crise vai a eleições e opta por votos de protesto que provocam um impasse político, etc. Tudo isto é muito mais assustador do que saber que em qualquer momento nos podem tirar parte dos depósitos bancários. Afinal de contas, já sabemos há anos que o euro corre o risco de desaparecer, com ele o sistema bancário, e com ambos todas as nossas poupanças e o bem-estar generalizado que temos gozado há muitos anos.

Neste momento, o capital que a Alemanha aplicou para ajudar os países da crise do euro já ultrapassa o total dos impostos federais num ano. O que aqui se diz é que até pode ser um bom negócio, se os países que receberam o dinheiro pagarem, devido aos juros. Mas se não pagarem...
O governo diz que o volume total envolvido (pelo qual os contribuintes alemães terão de responder) é 310 mil milhões de euros. Mas há quem faça outras contas, e diga que pode ir aos 771 mil milhões, ou até mais. (aqui, em alemão)
Estamos nisto. 


8 comentários:

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...


Helena,

só não percebo é por que carga de água o sistema bancário teria de desaparecer se o Euro desaparecesse. O sistema bancário tem quase mil anos, o Euro tem... doze!

Não posso aceitar o discurso da Merkel. Nem aceitaria, mesmo que fosse alemão! Ou que vivesse na Alemanha...

Violar as expectativas de legalidade num Estado de Direito é abrir uma caixa de Pândora. É como violar a Constituição e encolher os ombros. Não fiques à espera de reacções à palavra da Merkel. Vai haver tantas reacções como houve na Europa quando o primeiro Judeu (ou Cigano, ou Comunista, ou Homo-sexual) foi preso ou maltratado pelos nazis.

Este tipo de discurso imoral é inadmissível. Se Chipre está à beira da bancarrota, decrete o Estado de Sítio e confisque a propriedade dos seus Cidadãos, mas puna os respopnsáveis pela situação e, sobretudo, PREVINA A SUA REPETIÇÃO!

É só para isso que se invantaram os Estados, não para fazer legalmente o que sempre fizeram na estrada os bandoleiros de todos os tempos!

Gi disse...

Li com muito interesse. Obrigada, Helena.

Helena Araújo disse...

Tens razão, a ordem é a inversa: primeiro vão os bancos à falência, e depois morre o euro.

Estás a falar da estupidez da escolha da palavra "responsáveis", ou da Merkel dizer que isto é um passo positivo?
Sobre "responsáveis", já disse o que penso (de facto, até pensei que seria erro de tradução, porque é simplesmente absurdo). Mas, se ela quisesse dizer "é positivo envolver os beneficiários no esforço de resolução dos problemas", já achavas bem? Ou parece-te que os contribuintes europeus devem realmente meter o dinheiro dos seus impostos no Chipre, para garantir que nenhum depositante perca um euro que seja do dinheiro que lá depositou? Mais (e penso que este é um aspecto muito importante da questão): os contribuintes europeus devem meter o dinheiro dos seus impostos no Chipre para assegurar que nenhum mafioso perca um euro que seja do dinheiro que lá depositou para lavagem?
E se o governo cipriota tivesse poupado as pequenas poupanças, e só cobrasse acima de 100.000 euros - achavas mal?
Ainda não vi reacções a esta palavra "responsáveis". Mas já vi muitas reacções negativas à imposição desta medida de envolver os beneficiários.

Quanto ao Chipre decretar o estado de sítio, confiscar as propriedades e punir os responsáveis: não será mais fácil deixar a vida continuar, confiscar apenas 10% dos depósitos, e punir os responsáveis?

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Não aceito os confiscos, ponto final. Ninguém aceita, nem pode aceitar! Acima de tudo, porque não é legal - viola uma Norma comunitária. Ninguém ainda falou disso na Alemanha?

Nem quero as coisas feitas pelo "fácil", porque quando se opta pelo "facilitismo" a vida não continua, fica como que suspensa, como quando fazes uma grande maldade até se descobrir, não vives!

Não posso aceitar que me digam, há bandidos no teu Bairro, a Câmara vai demoli-lo e tu, que perdes a tua casa, deves ficar contente por não seres morto pelos bandidos. É isto que estão a dizer aos cipriotas honestos!

O Ministro Schäuble é um irresponsável! A Merkel alinhar com ele é de uma irresponsabilidade atroz! E o Gaspar dizer ámen a isto tudo é imperdoável!!!

Sim, eu estou de acordo em financiar a salvação dos Bancos cipriotas, como estive de acordo com a salvação do BPN. Mas exijo que a União Europeia faça cumprir as suas normas em todas as circunstâncias!

E que saiba punir os responsáveis! E, mais do que isso, repito, PREVENIR EFICAZMENTE estas ocorrências!

Que a U.E. só não previne porque não quer. Porque quando lhes dá jeito o dinheiro sujo dos russos não o evitam! E olha que não são só russos os que enfiavam dinheiro em Chipre, são também os ingleses (que têm quase tanto como os russos!)!

Não posso aceitar o desmantelamento da Europa feito a frio pelos próprios europeus, é uma loucura...

Helena Araújo disse...

Se estamos a falar de normas comunitárias, lembremos então as normas basilares do tratado do euro: cada país é responsável pelas suas escolhas e respectivas consequências; a taxa de juro dos empréstimos que pede é o factor de controle do volume de endividamento - se começa a endividar-se demasiado, a taxa sobe; se um país ficar em situação de dificuldades financeiras, os outros estão proibidos de o ajudar.
Se estas normas não são respeitadas, porque é que as outras têm de ser?
Tu chamas confisco. Eu também, mas é aos impostos dos franceses e dos alemães. O parlamento cipriota vai votar contra o envolvimento dos beneficiários do programa de ajuda. É uma vitória da democracia, não é?
Mas se o parlamento alemão decidir que não há razão para usar dinheiro dos contribuintes alemães para salvar os bancos cipriotas, aí vai ser uma vitória do nazismo, não é?

Enquanto os bancos cipriotas andaram a emprestar dinheiro à Grécia a taxas de juro de agiotas, tudo bem, não é? Para ganhar dinheiro com negócios de risco, está bem. Mas para ir à falência por terem andado metidos em negócios de risco, aí já é preciso que os do costume acudam, e sem impor condições.
Afinal de contas, diz-me lá: porque é que os bancos cipriotas não podem ir à falência, como aconteceu com os bancos islandeses?

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Helena,

há várias questões distintas que não me parece conveniente baralhar.

Deixemos por favor de lado a Islândia, que não está no Euro. E também porque no fundo não passa de uma cidadezinha europeia média (pouco maior do que o Porto). Não tem escala de País para entrar nesta discussão.

Deixemos também de lado juízos de valor alheios - eu nunca me refiro à Merkel, muito menos aos alemães como "nazis" e abomino, a sério, as simplificações históricas grosseiras (infelizmente tão comuns, mas não as propaguemos) e os insultos gratuitos entre pessoas, quanto mais entre Povos e entre Culturas.

Os Bancos cipriotas podem ir à falência, claro, mas isso é um sinal de fraqueza para toda a Europa, para além de ser uma violência para com os cipriotas honestos e crédulos.

É claro que o Parlamento alemão pode estar contra o uso dos dinheiros honestos dos alemães para salvar os cipriotas corruptos, está óbviamente no seu direito.

O problema está no tratado do Euro, todos o sabemos. Nunca deveríamos ter tornado comum uma coisa tão preciosa como a Moeda entre comproprietários tão díspares como a Alemanha e Portugal, ou como a França e a Grécia, ou como a Holanda e Chipre. Foi gula a mais e agora há que assumir esse erro!

Pois se o cipriota comum é "culpado" das loucuras do seu Governo, tanto como o português ou o grego médios são "culpados" das dos seus, ou das incompetências dos seus sistemas judiciais e bancários que permitiram as roubalheiras generalizadas na Finança QUE DEPAUPERARAM DESCOMUNALMENTE OS ERÁRIOS PÚBLICOS, igualmente o europeu médio - alemão, holandês, francês, italiano, etc. - é "culpado" por os seus Governos terem imaginado que era possível irem todos viver como numa Família de três Filhos em que cada membro tivesse um voto.

Isso provou-se erradíssimo e agora é também responsabilidade de todos os europeus, de todos os que fecharam os ouvidos aos "Nãos" que se foram gritando nos (poucos) referendos realizados!

(continua)

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...


(cont.)


Como já uma vez resumi: se os europeus do Centro e do Norte não confiavam suficientemente nos do Sul, deveriam ter pensado duas vezes antes de lhes vender Audis, Peugeots, Lamborghinis e... Submarinos.


Mas os erros servem sempre para se aprender alguma coisa. Estarão os europeus dispostos a tirar ilações de tudo isto?

Helena Araújo disse...

"É claro que o Parlamento alemão pode estar contra o uso dos dinheiros honestos dos alemães para salvar os cipriotas corruptos, está óbviamente no seu direito."

Atenção: nunca nenhum político falou em "cipriotas corruptos". Falou em usar dinheiro da Europa para salvar dinheiro sujo russo, e em meter dinheiro da Europa num modelo de bem-estar económico que já se provou que não funciona.

Quanto ao resto: tu não me digas que estamos de acordo?! ;-)
Sim, isto tem de levar uma volta enorme. Mas desconfio que a volta que vai dar vai ser no sentido da desagregação. Olha, se os povos acharem que ficam melhor assim, por mim já estou por tudo...

E agora vou responder-te a duas mensagens privadas que tenho na caixa postal.