Chipre: A culpa é de Merkel, claro!
19 março 2013
El Mundo
Madrid
19 março 2013
El Mundo
Madrid
O plano de ajuda lançado pelo Eurogrupo, tendo como
contrapartida um imposto sobre os depósitos bancários em Chipre,
suscitou violentas reações. A Alemanha é frequentemente acusada de ter
querido castigar um país em dificuldades. No entanto, não é a chanceler a
responsável pelos erros da ilha, recorda um economista.
A culpa por esta última crise do euro não é dos cipriotas, é
de Angela Merkel e do seu Governo, e não percam tempo à procura de
explicações. A culpa não é de um setor bancário hipertrofiado que chegou
a deter 128 mil milhões em ativos, num país com um PIB de 17 mil
milhões: é de Merkel.
A culpa não é dos bancos que não hesitaram em aceitar 21 mil milhões de oligarcas russos e outro tanto de milionários árabes (de difícil justificação), sem fazer perguntas, como chamaram a atenção, em novembro de 2012, os serviços secretos alemães. Estavam a praticar o International Personal Banking e a "otimização fiscal" e Merkel, em contrapartida, é de moral protestante.
A culpa não é sequer dos gestores que, por patriotismo (Chipre é metade grego), investiram 50% – sim, 50% – em obrigações gregas, apesar de saberem que corriam o risco de perder tudo. Não: é de Merkel.
A culpa não é de Sigmar Gabriel, o simpático líder social-democrata alemão, que retirou à chanceler todas as hipóteses de bater em retirada: "Não posso imaginar os contribuintes alemães a salvarem bancos cipriotas, cujo modelo de negócio se baseia na ajuda à evasão fiscal”. Não: a culpa toda é de Merkel, claro.
Também apoiou o presidente de um dos grandes bancos, o Marfin Laiki, quando este transferiu a sua sede para a Grécia, apesar da oposição do Banco Central. A sua última parvoíce foi não negociar a integração da sua banca com a banca grega, quando foi decidido o famoso cancelamento parcial. Aí, este génio da economia, afundou o país. Mas não: a culpa é de Merkel.
Tão-pouco parece que a responsabilidade seja do brilhante sucessor, Nicos Anastasiades, um dirigente fraco que aposta na cartada de "culpar a Europa por tudo o que tenho de fazer". Anastasiades apoia-se em meias verdades para depauperar os depósitos do seu povo, em vez de começar por apresentar a fatura aos acionistas e aos credores dos bancos. Mas, claro, isso implicaria acabar com a mama do sistema financeiro que criaram e do qual esperam continuar a viver. Schäuble recordou ontem que o assalto aos depositantes não é uma ideia alemã. Mas não: a culpa é de Merkel.
E é também de Merkel, por permitir que o tal Anastasiades jogue agora com o prestígio da zona euro, como antes fez Papandreu. E porque, há quatro anos, não foi firme e não vetou a entrada de Chipre na moeda única. Porque se deixou enganar pela certificação da OCDE de que eram cumpridas 40 normas antibranqueamento. E, já agora, de Christine Lagarde, do FMI, que a apoiou. Recordam-se de quem entregou ao ministro grego a lista de evasores fiscais, aquela que se perdeu? O que não saberá Lagarde sobre a banca cipriota! Mas não: a culpa é de Merkel. E é melhor que seja, porque qualquer outra consideração deixar-nos-ia desprotegidos perante a nossa própria ignorância.
A culpa não é dos bancos que não hesitaram em aceitar 21 mil milhões de oligarcas russos e outro tanto de milionários árabes (de difícil justificação), sem fazer perguntas, como chamaram a atenção, em novembro de 2012, os serviços secretos alemães. Estavam a praticar o International Personal Banking e a "otimização fiscal" e Merkel, em contrapartida, é de moral protestante.
A culpa não é sequer dos gestores que, por patriotismo (Chipre é metade grego), investiram 50% – sim, 50% – em obrigações gregas, apesar de saberem que corriam o risco de perder tudo. Não: é de Merkel.
A culpa não é de Sigmar Gabriel, o simpático líder social-democrata alemão, que retirou à chanceler todas as hipóteses de bater em retirada: "Não posso imaginar os contribuintes alemães a salvarem bancos cipriotas, cujo modelo de negócio se baseia na ajuda à evasão fiscal”. Não: a culpa toda é de Merkel, claro.
Acabar com a mama do sistema financeiro
Tão-pouco é do patético ex-Presidente cipriota, o comunista Dimitris Christofias, um autocrata formado no Komsomol soviético (daí, talvez, tantas contas russas), que nem sequer consultava os seus ministros, o parlamento ou o Banco Central. The Guardian, um diário insuspeito de animosidade, acusou-o, em dezembro, de conduzir o país "para uma situação lamentável". Foi Christofias quem teimou em manter no porto o barco com armas para o Hezbollah, que explodiu em 2011 e levou pelos ares a única central elétrica do país.Também apoiou o presidente de um dos grandes bancos, o Marfin Laiki, quando este transferiu a sua sede para a Grécia, apesar da oposição do Banco Central. A sua última parvoíce foi não negociar a integração da sua banca com a banca grega, quando foi decidido o famoso cancelamento parcial. Aí, este génio da economia, afundou o país. Mas não: a culpa é de Merkel.
Tão-pouco parece que a responsabilidade seja do brilhante sucessor, Nicos Anastasiades, um dirigente fraco que aposta na cartada de "culpar a Europa por tudo o que tenho de fazer". Anastasiades apoia-se em meias verdades para depauperar os depósitos do seu povo, em vez de começar por apresentar a fatura aos acionistas e aos credores dos bancos. Mas, claro, isso implicaria acabar com a mama do sistema financeiro que criaram e do qual esperam continuar a viver. Schäuble recordou ontem que o assalto aos depositantes não é uma ideia alemã. Mas não: a culpa é de Merkel.
E é também de Merkel, por permitir que o tal Anastasiades jogue agora com o prestígio da zona euro, como antes fez Papandreu. E porque, há quatro anos, não foi firme e não vetou a entrada de Chipre na moeda única. Porque se deixou enganar pela certificação da OCDE de que eram cumpridas 40 normas antibranqueamento. E, já agora, de Christine Lagarde, do FMI, que a apoiou. Recordam-se de quem entregou ao ministro grego a lista de evasores fiscais, aquela que se perdeu? O que não saberá Lagarde sobre a banca cipriota! Mas não: a culpa é de Merkel. E é melhor que seja, porque qualquer outra consideração deixar-nos-ia desprotegidos perante a nossa própria ignorância.
4 comentários:
Se tal acontecer aos alemães eu também estarei contra, como é lógico! Mas não creio que vá acontecer.
A culpa não é da Merkel, claro, é do Eurogrupo, ou seja, do holandês impronunciável, do Schäuble, do Gaspar e dos restantes imorais alucinados.
Ainda bem que o Parlamento de Nicósia recusou o resgate. Assim, não, obrigado! O passo seguinte deveria ser, óbviamente, a (auto-?)exclusão do Euro. Serviria de exemplo a outros Estados e fortaleceria o abalado prestígio da Europa.
E se a Grécia, Portugal, a Irlanda, a Espanha e a Itália voltassem a cometer loucuras e ilegalidades, saberiam bem o que lhes aconteceria. Ou há moralidade, ou comemos todos....
Outra coisa: se expropriar as poupanças e a propriedade é assim tão banal para certos senhores da finança, que tal começarem eles próprios a dar o exemplo, que a Igreja Ortodoxa de Chipre hoje já deu?
Por mim, sou contra a expropriação e a extorsão, seja de bens, seja de salários e pensões, mas quem a defende pois deve começar por dar o exemplo. Que tal, amigos banqueiros portugueses? Que tal, senhores Belmiro e Soares dos Santos - alegadamente um dos homens mais ricos do Mundo (mas que usa um "pace-maker" pago integralmente pelo SNS)?
10% da vossa riqueza não me parece nada mal, para início de uma convincente lição de Moral...
Quando isso acontecer, ninguém te vai perguntar a opinião... ;-)
Desconfio que já nos andam a preparar para essa eventualidade. E em parte já cá está. Por exemplo: acima de um determinado valor, os nossos filhos vão ter de pagar forte e feio para herdar a nossa casa.
Não tenho opinião sobre o Chipre sair do euro. Não me parece que o euro seja a causa desta crise - penso que foi um sector financeiro extremamente sobredimensionado e a fazer negócios arriscados.
O gesto da Igreja Ortodoxa do Chipre é admirável. (E pergunto-me se entretanto a Igreja grega já aceitou começar a pagar impostos...)
Quanto ao exemplo dos portugueses mais ricos: espero que tenhas uma cadeira confortável para te sentares enquanto esperas. ;-)
Podem não perguntar nada, mas é bom que fique claro, quanto ao primeiro assunto, que há uma corrente de opinião europeísta, também no Sul, que não vê o Povo alemão como carrasco, nem merecedor de castigo, mas sim como irmãos europeus, como todos os outros, dentro do mesmo "barco" e sofrendo as mesmas angústias da incerteza atual sobre o nosso destino comum.
Parece-me que está a faltar a componente do velho internacionalismo militante, à Esquerda europeia "mainstream", e isso é profundamente lamentável.
Obrigada por essa menção.
Temos andado caídos na armadilha das trincheiras.
Em compensação, há muitos alemães que dizem que a Alemanha tem muitas culpas no cartório, no que diz respeito à situação que se criou.
Para além da questão mais importante e acima da culpa, que é a do rumo que queremos dar à Europa - a Alemanha, devido à sua História, tem de querer dar um rumo de paz e unidade. É verdade que ultimamente se tem esquecido muito disto... Mas também é verdade que está a ser permanentemente sujeita a pressões e chantagens.
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