13 agosto 2012

um domingo em Berlim


O Verão tem andado esquisito, mas ontem estava um dia lindo e resolvemos ir até ao Mauerpark ver o Karaoke. Levámos o Fox - porque, como diz o ditado que acabo de inventar, de pequenino se faz um berlino.


O anfiteatro estava cheio, a abarrotar. Um amigo, habitué destas tardes de domingo, comentava que nunca o vira com tanta gente. Contou também que a autarquia andou a criar problemas àquele festival espontâneo. Queriam pôr regras: o artista só podia fazer no máximo doze Karaokes por temporada, com datas fixas, e tinha de impedir o comércio de bebidas por vendedores ambulantes. O problema principal, diziam eles, é que aquele festival provoca muito lixo, que fica muito caro limpar o parque todas as semanas, e seria preferível usar esse dinheiro em infantários, por exemplo. Compreendo o argumento, claro, mas algo me diz que os autarcas não lêem os guias turísticos de Berlim, e não sabem o valor do que acontece no seu bairro. Não tardou muito, porém, e ficaram a saber: houve uma vaga internacional de protestos, tão abrangente (desde os blogues aos jornais) e com tal força que as autoridades cederam. O Karaoke voltou ao Mauerpark no formato inicial: de Abril a Outubro, aos domingos a partir das três da tarde, se estiver bom tempo.
Uma das coisas de que gosto mais na Alemanha é que o poder tem ouvidos para ouvir, e sensatez para repensar as suas decisões.

Estes fenómenos muito especiais de Berlim - o Karaoke do irlandês Gareth Lennon, a Russendisko do russo Wladimir Kaminer, por exemplo - dão-me simultaneamente uma sensação de segurança (a segurança que nasce dos rituais) e insegurança. Tudo isto faz parte do quotidiano berlinense, e tudo pode terminar de um momento para o outro. Portanto: carpe diem.

Foi o que fizemos ontem. Agarrámos no Fox e lá fomos nós assistir ao Karaoke. Teve momentos muito divertidos: cantores horríveis, muito aplaudidos pelo público; cantores muito bem-dispostos, autênticos entertainers; um grupo de mascarados que veio cantar uma palermice para filmar e passar no casamento da irmã de um deles, daqui a duas semanas; um rapaz vestido de tigre que cantou um tema do Lion King enquanto ia tirando a roupa (quando pensámos que tinha chegado ao fim, porque já estava em cuecas, ele começou a tirar as cuecas - "isto só mesmo em Berlim!", pensámos nós entre gargalhadas - mas afinal tinha outras cuecas por baixo).


O parque estava cheio de artistas, em performances várias. Sabia que estava lá um grupo excelente da escola de circo de San Francisco, porque tinha convidado um deles para almoçar connosco, e ele recusou dizendo que ia para o Mauerpark fazer as suas acrobacias. Óptimo!, pensei eu. Mas não me lembrei do tamanho do parque, e da dificuldade em encontrar um grupo no meio daquela imensidão de gente. E assim perdemos um grande show gratuito de circo, para o qual noutras alturas já pagámos bilhetes a preços chorudos.

Acontece-me várias vezes nas ruas de Berlim parar em frente a um grupo pensando que da próxima vez que os vir vou ter de pagar dezenas de euros pelo bilhete. É aproveitar, é aproveitar enquanto só custam 1 ou 2 euros, às vezes 5, largados na caixa da guitarra. Carpe diem, lá está.
Esta miúda, por exemplo, que cantava lindamente e juntou muito público à sua volta. Será que conseguirá dar o salto para as salas de espectáculos?




No Mauerpark há uma "feira da ladra" cheia de velharias e quase-antiguidades, muitas relíquias da RDA e da guerra. Pergunto-me quanto daquilo será roubado, e que tipo de pessoas comprará material do exército alemão da II GM. Numa das extremidades da feira, do lado da rua, há um Biergarten simpático. Tem lá uma tabuleta enorme avisando que é self-service, "Selbstbedienung".
"Selbstbedienungsladen" é uma expressão alemã engraçada para descrever a atitude de alguém que se serve de algo segundo os seus interesses, à revelia das regras. "Das ist kein Selbstbedienungsladen!" ("Isto não é uma loja de self-service!") é o que dizem os alemães, furiosos, quando alguém começa a atropelar as regras e os princípios para ter algum ganho pessoal.



Saímos do Mauerpark, e fomos para o carro, estacionado num terreno baldio onde antes fora o corredor da morte. Havia lá uma casa que nos deixou intrigados: será que as vedações do rés-do-chão foram feitas na altura da guerra fria? A casa teria estado vazia durante as três décadas do muro? Quanta História haverá numa casa semi-arruinada banhada pelo sol de um domingo de Verão?


Ia fazer mais uma fotografia - provavelmente a melhor da minha vida, mostrando a casa antiga, o lugar do muro, a casa nova construída sobre o corredor da morte - quando o Matthias gritou que o Fox ia a correr na direcção da rua, e eu me baixei para o apanhar, de modo que a fotografia saiu assim:


(eu quando me distraio até me acontecem umas fotografias muito giras)

No regresso a casa parámos para apreciar a luz do fim da tarde no edifício do Parlamento Alemão:


Na rotunda Großer Stern o sol batia em cheio na "Elsa Dourada". Os berlinenses são uns brincalhões, inventam nomes malucos e carinhosos para os seus edifícios mais importantes.


Depois do jantar fomos outra vez para a zona de Prenzlauer Berg, para uma "Wellness Performance". Outra maluquice, como só se imagina em Berlim. Mas isso conto noutro post, porque este já vai longo, e além disso tenho aí um trabalhinho à minha espera.

Melhor seria eu fazer um cartaz para pôr atrás do meu monitor, com os dizeres:

Vai trabalhar, Helena!




15 comentários:

sem-se-ver disse...

girissimo!

mdsol disse...

Helena, Heleninha é que é. O post está um must! Fez-me começar melhor esta semana. Parabéns e festinhas para o Fox.

:)))

Helena Araújo disse...

:-)

"Deixem-me trabalhar!" (hihihi)

Carla R. disse...

A ideias que este post me deu... estou mortinha por chegar a Paris, nunca mais me acabam estas férias...

E aproveito para ir avisando que estou com saudades do Parque do muro, olha, e de ti, por isso, vai-te preparando, qualquer dia estou aqui, estou ai. Isto é uma ameaça.

Paulo disse...

RNCRQNUP
(Rebolando No Chão Rindo Que Nem Um Perdido)

Eduardo Pitta disse...

Muito bom, Helena!

Helena Araújo disse...

Carla,
adoro ameaças dessas.
E sim: estou mortinha por ver o que vais fazer em Paris quando essas intermináveis férias chegarem ao fim. E anda cá, era giro andarmos a passear o meu cartaz por aí.

Paulo,
ri-te, ri-te! Dizem que é o melhor remédio...

Eduardo,
obrigada. Mas devo confessar que a ideia não partiu inteiramente da minha cabeça. Uma turista portuguesa fez uma foto destas em frente à porta de Brandenburgo, e desafiaram-me para fazer o mesmo.

bettips disse...

Sempre (guiada pela mão do Paulo) que aqui passo, pelas cerejas, encontro coisas que me abrem os olhos, me divertem e me educam. Poderemos ser armas contra os poderes e interesses instalados, com esta franqueza, de palavras e atitudes, uma corrente de um rio de informação alternativa - alternativa aos índices das bolsas, alternativa aos crimes, às armas e aos "media" completamente subjugados ao lucro. Com esta visão abrangente. E há outros mundos.
Gostei de ver e saber.
Além de mandar o "inefável" estudar também será preciso mandar o "feirante" submergir.
Obrigada!

snowgaze disse...

está demais :)
genial.

Helena Araújo disse...

Obrigada!

Bettips, eu não dou vazão a tantos pedidos! Se começo a ter de espalhar cartazes por Berlim com recados para os políticos portugueses, nunca mais faço outra coisa.

Snowgaze, será que vamos ter fotos semelhantes feitas em Munique? Aceitas encomendas? Eu queria uma no Englischer Garten, com os nudistas... (hihihi)

bettips disse...

eh eh eh... só os emergentes!
A rebaldaria é tanta que imagino nem desse tempo para trabalhar, respirar e ver coisas lindas.
Mas lembrei-me do cartaz que passou na tv na volta à França ao ver o teu post.

Dado que só passeio por "cá", saem-me mais pedras e bois e montes!
Abçs

Helena Araújo disse...

Pois, penso que o cartaz que passou na tv na volta à França é que deu origem a esta onda. Era giro se outros agarrassem. Mesmo que seja pregar às pedras, aos bois e aos montes... ;-)

Gi disse...

Helena, gostei muito do teu dia e estou aqui com uma tentação de levar um cartaz semelhante para férias... Assim uma espécie de Flat Stanley :-)

Gi disse...

Paulo, adoro a tua versão de ROTFLMAO :-)

Helena Araújo disse...

Gi, boa ideia!