17 fevereiro 2012

um pequeno contributo para reescrever a História e alterar retroactivamente o Direito Internacional

Sem-se-ver,

Ia fazer um comentário no teu post, a propósito deste artigo, que é um resumo deste (em alemão), mas ficou demasiado grande, e por isso escrevo aqui.

Antes de mais: dou-me mal com chantagens. Aquela história de "se os países exigirem à Alemanha que pague reparações da segunda guerra mundial" dá vontade de voltar ao princípio e passar tudo a limpo: sim senhor, a Alemanha paga isso, mas as contas são para fazer bem feitas, e vamos ao deve e haver, com apuramento das responsabilidades de cada um (sim, se os alemães têm de pagar os erros do Hitler, porque é que os outros países se podem demarcar dos seus governos colaboracionistas e fantoches, e do modo como as populações contribuíram para a perseguição aos judeus e do que com ela lucraram?), descontando da dívida tudo o que a Alemanha já pagou nas últimas sete décadas, nomeadamente para os fundos comunitários de apoio ao desenvolvimento dos países mais pobres como a Grécia. Vá, toca a fazer tabula rasa de toda a História do último século, toca a esquecer o que aprendemos, toca a anular todos os tratados internacionais assinados nos últimos setenta anos, porque nada disso tem valor e o que interessa agora é que afinal parece que a Grécia tem direito a receber reparações e juros da segunda guerra mundial. 
Se é para usar o argumento das dívidas antigas (que por acaso foram consideradas nulas em tratados assinados pelos países envolvidos, e muito gostaria de saber como é que os políticos gregos explicam este querer dar o assinado por não assinado, como se a sua palavra não valesse absolutamente nada, e - já agora - porque é que na altura assinaram), acho melhor fazê-las bem feitas e resolver o assunto de uma vez por todas, em vez deste jogo de má-consciência e chantagem, este "mais vale fazer um saneamento de luxo à Grécia, porque se eles se decidem a exigir o pagamento do que lhes devem, levam-nos até a camisa". É um daqueles momentos em que me salta a tampa, saco da carteira e pergunto: "quanto lhe devo? leve a camisa, mas encerremos este assunto definitivamente."

Também é um argumento sem memória histórica: pensava que todos sabíamos que a segunda guerra mundial foi consequência das reparações da primeira, e que os países acordaram em não exigir reparações à Alemanha para não criarem de novo uma situação perigosa que acabaria por se virar também contra eles. Pensava que a Alemanha tem andado há sessenta anos a saber ser merecedora deste avanço civilizacional no direito internacional (é verdade que ultimamente a Merkel anda a derrapar muito).
E se vamos decidir setenta ou vinte anos mais tarde algo diferente do que foi acordado e assinado na altura, aproveitamos e obrigamos também os franceses a pagar todos os estragos das invasões napoleónicas? Vamos refazer as contas todas entre todos os países e todos os povos até ao momento anterior ao pecado original? Vamos mudar as regras do jogo para todos, ou esta história é mesmo só uma questão demagógica para chatear a Alemanha e de caminho promover a paz e o entendimento entre os povos?
Já agora: se, como se tem sugerido para o caso português, um país pode fazer uma auditoria à sua dívida pública, e rejeitar parte dela por ter surgido em situações de ilegalidade (governo ditatorial ou corrupto, por exemplo), poderá do mesmo modo a Alemanha rejeitar a dívida criada pelo delírio nazi? É que a moralidade é para distribuir de modo igual por todos... 

Voltando ao artigo:
Não percebi muito bem essa história de os EUA terem arcado com os custos das reparações da primeira guerra. Tanto quanto sei, vinte anos após a reunificação, a Alemanha pagou a última tranche dessa dívida, uns duzentos milhões de euros correspondentes a juros da dívida que tinham deixado de ser pagos pelos nazis. Sim, houve cortes na dívida. Mas isso foi decidido de comum acordo com os credores, e aquilo que se combinou pagar foi pago. Se bem me lembro, também se tem andado a falar em perdoar parte da dívida da Grécia.
Quanto às reparações da segunda guerra mundial: o título "A Guerra Fria cancela a dívida alemã" está errado. A Guerra Fria adiou temporariamente a discussão sobre a dívida (note-se que a Alemanha era um país ocupado e dividido: nem sequer haveria interlocutor legal para negociar esta questão) e o tratado dois+quatro, que substituiu um tratado de paz, encerrou essa discussão, com o acordo de todos os países envolvidos.
O jornalista português acrescenta que "no caso da Grécia, essa renúncia foi imposta por uma sangrenta guerra civil, ganha pelas forças pró-ocidentais já no contexto da Guerra Fria. Por muito que a Alemanha de Konrad Adenauer e Ludwig Ehrard tivesse recusado pagar indemnizações à Grécia, teria sempre à perna a reivindicação desse pagamento se não fosse por a esquerda grega ficar silenciada na sequência da guerra civil." Não encontrei nenhuma referência a isso na entrevista ao historiador, em alemão. A renúncia oficial foi assinada pela Grécia nos anos noventa, tal como por outros países ainda com governos comunistas ou socialistas.

O historiador Ritschl está a olhar de forma enviesada para a história europeia, esquecendo-se de referir o processo democrático e perfeitamente legal que levou a esta situação de não exigência de pagamento das dívidas e, mais grave ainda, dando a entender que os tratados assinados não valem absolutamente nada.
Há tempos o Helmut Schmidt falou do mesmo, mas com muito mais elegância: lembrou a enorme generosidade e solidariedade com que a Alemanha foi tratada no fim da guerra (ele tem mesmo grandeza: nem falou do parque industrial que foi levado quase por inteiro para a União Soviética, nem das violações, nem dos saques aos museus, nem nada disso) e de como isso a obriga a ser um bom vizinho na Europa.  

Finalmente: parece-me que estamos a esquecer um elemento importante. Estas dívidas alemãs surgiram num terrível contexto de ditadura e guerra - uma situação de absoluta excepção. As dívidas gregas (e portuguesas) surgiram num contexto de normal funcionamento democrático. O país andou a endividar-se sem travões enquanto teve acesso a dinheiro barato, até que chegou a um ponto insustentável de endividamento sem que se visse nas suas infra-estruturas ou no seu tecido económico uma mudança estrutural que justificasse o esforço financeiro. Porque é que não travou a tempo? Porque é que nenhum dos seus governos disse em tempo útil que é impossível continuar a viver desta maneira, e que o Euro foi uma péssima opção porque está a asfixiar a economia? Porque é que não tentaram resolver o problema antes de lhes rebentar assim nas mãos? (Os alemães fazem isso: quando vêem que as coisas estão a começar a correr mal, congelam salários, reduzem contribuições sociais, põem taxas moderadoras no SNS, aumentam a idade da reforma para os 67 ou até os 69 anos, avisam as pessoas para que façam seguros privados de reforma porque o mais certo é não terem uma reforma boa quando chegarem a essa idade, etc.)
É isto que me irrita mais: a profunda desresponsabilização de cada país. A culpa é dos alemães, claro. É muito mais fácil: os alemães que paguem. Assim como assim a guerra, e o euro demasiado caro, e eles a encherem-se de dinheiro à custa dos outros, e os submarinos, e além disso no fundo no fundo continuam a ser uns grandes nazis...
Isto é pura e simplesmente imbecil. Lembra aqueles adolescentes que exigem que os (odiados) pais lhes resolvam todos os problemas.


***

E não estou a dizer que concordo com as soluções e sobretudo com a fina retórica da Angela Merkel.
Também não sei como é que este problema se pode resolver. Só sei que não é com argumentos destes que vamos longe.  

44 comentários:

jmnpm disse...

Adorei este post. Concordo em absoluto com tudo o que foi dito.

João Moreira - residente em Berlim desde Outubro de 2011

Helena Araújo disse...

Saia um par de tomates podres também ali para a mesa do canto, onde está o João Moreira!
;-)

(Obrigada, João. Às vezes pergunto-me se sou aquele magala que era o único que ia a marchar direito no desfile)

Cristina Gomes da Silva disse...

Arre, que fiquei sem fôlego! Belo esclarecimento, grande clarividência, ovários bem no sítio. Beijos com sol

CGS

wapy disse...

É agora a parte dos aplausos? É que eu aplaudo :D

Izzie disse...

Vou meter uma colherada tuga, mas sem malícia. O que acho é que esta grande embrulhada não se resolve com argumentos de 'nós contra eles', venham estes da nossa parte ou dos alemães (que também vêm). Ir buscar a questão das indemnizações de guerra, é contraproducente: resultou muito mal em 1918, não vamos por aí.

Há que reconhecer que desde 2005 (acho eu) que os alemães tiveram o bom senso de encarar a crise mundial de frente, sem ilusões, e se prepararam para ela; ao mesmo tempo, por aqui andávamos na lua e à espera da boa providência, sabe-se lá de quem. Lamento que os contribuintes alemães se sintam defraudados ou roubados, mas a verdade é que estamos numa comunidade económica e também financeira que falhou, principalmente na questão da supervisão, e aí temos todos que assumir a respectiva quota parte de culpa. Também temos de assumir que é verdade, que a economia alemã depende muito das exportações para os países pobres da união, sem encargos aduaneiros; que os bancos alemães sofrerão amargamente se as economias sulistas caírem. E aqui há que questionar o que ganhou a alemanha com todo este processo, que ganhou. Não sei se agora lhes interessa largar-nos porque têm mercados mais apetecíveis a leste, mas sinto-me, enquanto contribuinte portuguesa, que não gasta mais do que tem e paga tudo e mais um par de botas, muito desiludida com o meu país, mas também com os dirigentes europeus. Uns pecaram por acção, os outros por omissão, e agora é impossível deter a marcha para uma Europa a duas velocidades.

Finalmente, não sei qual a solução, na brincadeira muitas vezes digo que Portugal devia dar-se em leasing aos noruegueses, por um valor simbólico. Mas, lá está, sei bem que em termos de cultura democrática estamos a anos luz dos alemães, mas por outro lado também me sinto num país colonizado, que foi injectado de riqueza sem qualquer cuidado de verificar como ela estava a ser aplicada, de assegurar efectivo desenvolvimento, e agora querem cobrar a factura por inteiro e de uma só vez. E atirar-nos com culpas, como se as tivéssemos todas.

Em resumo, o que me cansa é a clivagem, o discurso a extremar-se e a entrar pelo ódio irracional, e a sensação que nos estamos a perder do essencial.

Helena Araújo disse...

Izzie, grande colherada.
O "nós contra eles" é um erro gravíssimo, de parte a parte. Porque isto é em parte um "nós contra um sistema de especulação financeira que está a dar cabo de nós" e um "nós a bater em nós próprios por nos termos deixado arrastar alegremente para este beco sem saída".
Não me parece que a Alemanha esteja a pensar largar os países do sul só porque agora tem outros mercados. Se um cair, caem todos, e a Alemanha sabe isso. Aliás, acho que é por isso mesmo que tem andado tão empenhada a resolver isto. É a sua própria pele que está em jogo.

Não concordo é com essa história da injecção de riqueza sem controle da aplicação. E então a soberania nacional? Já dizia isso ontem (se me lembrasse onde..., ah, já sei, foi aqui: http://barbearialnt.blogspot.com/2012/02/desfrizantes.html): se Bruxelas tivesse vindo dizer a Portugal que estava a gastar demais, e que estava proibido de pedir mais um empréstimo que fosse, caía o Carmo e a Trindade.

No fundo, é uma questão de equilíbrio no debate, e de honestidade na busca de uma solução: nem é eles atirarem-nos as culpas como se as tivéssemos todas, nem é nós dizer que a culpa é da Alemanha, que nem paga o que deve, nem controlou o que gastávamos. Somos um país independente e de gente adulta, ou quê?

Rita Maria disse...

Eu concordo contigo quando dizes que toda esta discussão é demagógica, também me mete nojo há vários meses, mas essa do descontando o que a Alemanha pagou para os cofres comunitários é a sério?! Devíamos urgentemente parar de falar como se os fundos comunitários de apoio ao desenvolvimento dos países mais pobres tivessem sido uma obra de caridade. Houve inclusivamente uma altura em que, considerando a percentagem do PIB e o nível populacional, o contribuinte português pagava bastante mais para os cofres comunitários que o contribuinte alemão.

O combate ao anti-germanismo primário, que eu tendencialmente aplaudo não pode significar a oposição a todo e qualquer "nós/eles" que esconda o facto de que existem na Europa governos diferentes com interesses diferentes. Especialmente tendo em conta que a maior parte das decisões europeias são tomadas em resultado de negociações diretas entre países e não em comunidade, mais ainda desde o apagamento da Comissão.

PS: Já sobre a necessidade histórica de não por países numa situação de miséria, de os humilhar e de os fazer sentir que perderam toda a sua soberania, estamos totalmente de acordo.

Helena Araújo disse...

Não, Rita, não era a sério. Era apenas uma redução ao absurdo: se é para voltar a 1945 e fazer tabula rasa dos últimos sessenta anos, vamos também retroceder no esforço de construir uma Europa mais homogénea, que era afinal um belíssimo virar da página da segunda guerra mundial.

Izzie disse...

Helena, quanto à questão da soberania, temos de discordar. A partir do momento em que há uma união monetária, perdemos (todos os países da zona euro) parte da soberania nacional, a de cunhar moeda. Decorrendo disto, não podendo o governo do país 'quebrar moeda', o que é uma medida tradicional de política financeira historicamente usada por países de moeda fraca para fazer face ao desiquilíbrio no confronto com países de moeda forte. Ora sem possibilidade de proteccionismo e eleger os seus parceiros comerciais internacionais com taxas aduaneiras diferenciadas, sem possibilidade de desvalorizar moeda para melhor escoar a nossa produção, temos já uma valente perda de soberania, não temos mão no governo financeiro. E aqui a Europa falhou, por não haver uma política financeira comum séria. E sim, falhou a fiscalização, que não cabia à Alemanha, mas à UE.

Por outro lado, também perdemos soberania no que respeita a política económica. Foi a UE que decidiu o que produzíamos e não produzíamos. Foram arrancadas oliveiras, desmanteladas frotas pesqueiras e por aí fora. Tudo em nome de um interesse comunitário que agora se esfumou. Os fundos comunitários não foram uma caridade, e também serviram os interesses dos países mais fortes. Hoje em dia, com as novas facilidades, uma peça para o meu carro (exemplo recente) chegou da Alemanha em dois dias... E muito provavelmente por metade do preço que há 25 anos atrás.

Andamos todos ligados, quer queiramos quer não. Se acho errado cobrar à Alemanha o que se fez entre 1933 e 1945 (prefiro considerar que não era uma Alemanha normal, aquela, nem a da UE), a verdade é que aqui se sente esta nova onda de arrogância alemã de forma muito dolorosa. Sim senhora, nós somos o ratinho do campo; seremos talvez o parente pobre e chato, mas quem tem telhados de vidro não atire pedras ao do vizinho. É isso que nós sentimos. Agora somos nós os humilhados e desprezados, os apelidados de escória da Europa.

Lamento profundamente que Merkozy se tenham esquecido do ideal europeu que levou à criação da CECA e da UE, que visava uma união para evitar conflitos que poderiam levar a uma nova guerra. Todos ganhámos com isso. Todos nos devíamos apoiar, principalmente quando se pode bem suspeitar que este ataque financeiro vem do dólar - onde estão todas as empresas financeiras que nos querem qualificar de lixo. Porquê e para quê?

A Europa continua dividida por questiúnculas e divisões internas, discussões de orgulho e raça (sim!), quem paga a quem, e perde-se na big picture. Os alemães estão a cair que nem patinhos, nós também vamos a caminho, e sem darmos por isso qualquer dia está aí outro maluquinho de bigode ridículo a mandar nisto tudo.

Helena Araújo disse...

Izzie,
mas quando há tempos se falou em enviar funcionários da UE para a Grécia, para os ajudarem a montar um sistema eficiente de recolha de impostos, a vender o património estatal de forma transparente, etc. foi um "acudam que estes arrogantes nos estão a roubar a soberania".
Se nem nesta fase dos acontecimentos isso é aceite, quanto mais antes, quando se partia do princípio que os governos tinham a situação perfeitamente controlada.

O problema é que a Europa é realmente uma fraude. Não há união, há um magote de países a tentar defender cada um o seu o melhor que puderem.

Nunca ouvi alemão nenhum falar dos portugueses em tom de desprezo, e muito menos chamar-lhes escória da Europa. Nunca.
De facto, nem dos gregos. O que se diz cada vez mais é que é complicado manter no mesmo barco um país que funciona de modo tão diferente, e que faz questão de continuar assim.

Izzie disse...

Ora aí é que está uma grande verdade, esta Europa é uma fraude. E tenho pena.

(já o sentimento dos 'alemões', enfim, dispensava que verbalizassem que vivemos acima das nossas possibilidades. ninguém gosta de ser pobrezinho, e se nos dão dinheiro sem contrapartidas é claro que há abusos. mas eu cá não devo nada que não possa pagar, e é só a prestação da casa.)

sem-se-ver disse...

oh que cena marada. comentei este post prai ha 2 h, e era grande o coment, e nao ficou?

:(((

sem-se-ver disse...

bong. nao tentarei refaze-lo (falta de pachorra :D , mas em síntese era:

- moi-meme não tem nada nadinha a perspectiva de nós contra eles; a merkel é que sim;

- moi-meme num sabia que o sr schauble tinha aquele problema (ganda gaffe, que motivou que imediatamente me retratasse assim que cheguei a casa) que é talvez a causa daqueles ares carrancudos; mas tem munnta raiva contra a atitude subserviente do gasparzinho naquela conversa;

- moi-meme incomoda-se todinha, não com que sejam captados sons e imagens pré-início de uma cimeira ou lá o que era quando a imprensa tinha sido autorizada a tal, mas sim que, a pretexto de os gregos serem todos uns malandros, andarmos alegremente a destruir, seja o espirito que devia presidir à ue (quem foi que falou de kohl, quem foi? a mim cheira-me que a atitude dele seria BEM diferente da de merkel), seja um país, ou 2 ou 3, que tratamos como atrasado mental, lunático, preguiçoso, irresponsável, por o submetermos a condiçoes de USURA a que NENHUM país seria capaz de sobreviver e nos acharmos no direito de, nao só mandarmos bitaites, mas de interferir e colocar em causa n/a soberania do dito cujo.

- moi-meme comicha-se toda não por a grecia nao pagar o que é impossivel que pague, mas que a memoria seja curta e esqueça que também a alemanha nem sempre pagou, tambem à alemanha se perdoaram dividas (e este era o meu ponto, e unico ponto, cara helena, para a inclusao daquele link...)

-moi-meme fica a atirar pro histerica de preocupaçao quando se trata assim a grecia, seja pela ingratidao historica demonstrada seja pelo alarme democratico que a todos devia mobilizar no presente momento.

momento que, para moi-meme, é de solidariedade com a grécia e nao com as praticas usurárias sobre ela.

(nota: os primeiros emprestimos serviram para a banca alema, e nao só, recuperar o dinheiro que tinha investido na divida publica grega, nao para ajudar o país a melhorar as suas contas publicas)

helena, ah pois, claro que sim e tens toda a razao, nous-memes haviamos de pedir imensas contas aos nossos politicos (o caso de hoje do presidente alemao é exemplar, e exemplo de quanto a alemanha é um país estratosfericamente distante, por civilizado, do nosso); agora: deve o pobinho sofrer desta maneira por causa dos dislates dos seus politicos, da inoperancia da justiça nacional e da corrupçao que como cancro alastrou até se tornar letal e incurável?

sem-se-ver disse...

a talhe de foice (no meu ponto de vista) : o caso da islandia, exemplar a todos os níveis (cf o meu sublinhado).

«Quase quatro anos depois da Islândia ter entrado em bancarrota, o país recuperou o estatuto de grau de investimento para a Fitch. A agência melhorou hoje a classificação da dívida islandesa de BB+ para BBB-, deixando de avaliar o país num nível considerado lixo.

"A restauração do ‘rating' da Islândia para grau de investimento reflecte os progressos que foram feitos na restauração da estabilidade macroeconómica através do avanço de reformas estruturais e na reconstrução da qualidade de crédito desde a crise bancária e cambial de 2008", referiu o director da Fitch, Paul Rawkins.

(...)

Além disso, países como o Reino Unido e a Holanda exigiram à Islândia que assumisse as responsabilidades financeiras dos seus bancos. A exigência foi rejeitada pelos islandeses num referendo, abrindo uma disputa legal entre os países que ainda está por resolver.

(...)

A Fitch diz ainda que a crise de dívida na Europa não está a ser sentida no país e que a economia islandesa deverá crescer entre os 2% e os 2,5% e acredita que o país apresente excedentes orçamentais.»

diário económico

Helena Araújo disse...

sem-se-ver,

Quem te disse que a Merkel tem a perspectiva de nós contra eles? É isso que me está a chatear mais: confundem a sua inaptidão para gerir esta crise com mau carácter e até intenções maléficas e imperialistas.

Quanto às dívidas: estamos a falar de coisas diferentes. Estamos a comparar a decisão de não reabrir o dossier "segunda guerra mundial" com a pretensão de um país que entende que lhe devem perdoar as dívidas resultantes da pura má-gestão das contas correntes.
Perdoa-se a dívida apenas porque não pode pagar? E quem a paga, já agora?

Visto daqui, as coisas também não são bonitas. Alguém vai ter de pagar esse dinheiro, e se não for a Grécia vai ser a Alemanha. Mas não chegam aqui sinais de que a Grécia está realmente a querer reorganizar-se para pôr cobro à corrupção, às fugas aos impostos e às fugas de capitais. E se alguém diz que é preciso mudar isso, é uma gritaria de "eles são arrogantes, eles humilham-nos, eles são nazis".
Visto daqui, e dito de uma maneira muito simplista: parece que a Alemanha pode pagar cheques em branco, mas não pode perguntar "então como é que é?"

Essa história dos povos serem vítimas dos seus governos é um bocadinho, digamos, piegas. Se não é o próprio povo que tem mão no seu governo, e exige responsabilidades aos seus políticos, é quem? Não me digas que estás à espera que seja a Merkel a ir aí dizer que o Cavaco Silva já devia estar na rua há muito?! Ou que o Jardim fez auto-estradas desnecessárias?!
Desculpa, mas até me irrita. Deixámos os nossos governos fazer trinta por uma linha, todos nós assistimos a exemplos terríveis de má gestão dos fundos públicos, mas não era nada connosco. Agora temos uma dívida que não sabemos como pagar, aparece aí a troika a impor condições, e em vez de batermos em nós próprios por termos deixado a coisa ir tão longe dizemos que os outros é que são maus e nazis. E ainda vimos dizer que o pobre do povo não tem culpa.

Que isto nos sirva ao menos para acordarmos todos: se não formos nós a mudar o nosso sistema, outros o farão de um modo que não nos agrada.

Quanto à Islândia: houve cortes grandes nos salários, houve aumentos brutais de impostos, houve muita gente a ir para a rua. Mas a diferença é que a Islândia tem infra-estruturas, tem bons sectores produtivos, tem uma rede económica estável. Tem por onde recomeçar a andar, depois de ter visto afundar o sector financeiro que lhe dera a riqueza nos últimos anos. A austeridade que esse país escolheu e aceitou (pois!) está a dar bons frutos.
Essa recusa de pagar as dívidas dos bancos nacionalizados é um caso interessante. Se a Islândia não pagar, pagam a Holanda e o Reino Unido.
Eles estão a endossar o problema para outros países e outros povos.

sem-se-ver disse...

bem, parece-me que chegámos a uma encruzilhada. eu nao me devo estar a conseguir fazer entender, nem creio que estejas a conseguir entender-me a mim.

fico com mais uma citação, a bem de um esclarecimento extra:

««É difícil, por um lado, não compreender a atitude alemã face à grécia. os alemãos não perdoam que os gregos tenham passado anos a fazer batota com as contas e com os dinheiros europeus e que, depois disso e depois da ajuda recebida para tentar sair do sarilho em que se meteram, não tenham cumprido o caderno de encargos negociado com a troika. nenhum político alemão é capaz ou tem vontade de tentar convencer os seus eleitores e contribuintes de que devem continuar a emprestar dinheiro a um país que desperdiçou tantas ajudas, falsificou as contas do dinheiro recebido, inventou investimentos que não fez e não cumpriu as condições de emprestimo que pediu. ao ponto a que as coisas chegaram, os alemaes perderam a vontade de salvar a grécia.

Mas, por outro lado, é difícil também não entender a revolta dos gregos. a operação montada para os 'salvar' apenas os afundou: multiplicou por três o desemprego, as falências e a queda do pib. e agora impoem-lhes mais do mesmo, ainda mais agravado: já não se sabe se o objectivo é salvar a grécia ou castigar a grécia. nenhum economista é capaz de explicar que a receita da troika para a grécia (e para portugal) pode dar certo, como e quando. tambem já nao se sabe se acreditam mesmo num milagre que não vem nos livros e nunca aconteceu na história, ou se querem apenas ganhar tempo para se livrarem da grécia com o mínimo de custos e danos internos. (...) »
miguel sousa tavares, expresso

diria que, segundo me parece, tu só estás a ver o 1º 'por um lado' e a mim me impressiona bem mais o 2º 'por outro lado', por mais que entenda o outro. por 2 razoes:
- não se trata nenhum país como se está a tratar a grécia (uma questao de principio);
- não se agride nenhum povo assim, condenando-o à miséria (outra questao de principio).

a izzie, muito melhor do que eu, rebateu os teus argumentos.

eu fico-me por aqui, pois se tanto te amofinaste com a acusação de que há uma arrogancia imperialista da parte da alemanha (merkel não tem o discurso do nós contra eles? claro que não.... devo estar com aluncinações quando leio certas declarações dela, bem como quando ouço schauble a falar com o gaspar), dizia, se tanto te amofinaste com aquilo, mais me amofinei eu com a tua acusação de que eu, ao lamentar as dificuldades que os povos estao a atravessar pelas más políticas de quem os governa, não estava senão a usar um argumento piegas.

helena, se começamos a adjectivar desta forma, superficial e muito pouco objectiva, seja os argumentos, seja os povos que estão a ser massacrados e sem quaisquer hipoteses de mudar uma situação que está muito para além das suas efectivas capacidades, receio que estejamos a entrar num tipo de discussao que nao interessa a ninguem - nem a ti, nem a mim.

«bereite dich zu leben» - espero que o tenham cantado com o lamento que mahler lhe emprestou, tao adequado aos tempos conturbados que estamos a viver.

Helena Araújo disse...

Sem-se-ver,
é verdade. Estamos a olhar para lados diferentes da questão. E talvez seja boa ideia parar aqui mesmo o debate.

Só um último comentário: retiro a gracinha parva do "piegas", mas mantenho que dizer que os povos são vítimas dos seus governos e não têm culpa nenhuma na situação a que o país chegou é uma perspectiva infantilizante e desresponsabilizante.

Anónimo disse...

Muito bom, Helena. Curiosa a desonestidade de Rietschl!!
A responsabilidade é o aspecto decisivo da argumentação. Os estados mantiveram soberania orçamental e política económica própria. O que perderam foi a política cambial e monetária e o grau de integração aconómica também aumentou A responsabilidade pelas más políticas não pode ser diluída.
No caso da Grécia só a saída do euro pode devolver a responsabilidade que uma adesão infeliz suprimiu.


Pedro

Helena Araújo disse...

Pedro,
parece-me que é preciso repensar uma série de coisas. Isto não é apenas uma crise do capitalismo (a exigir um repensar do envolvimento pornográfico entre os bancos e o sector de especulação financeira), nem uma crise da Europa (a exigir um repensar do que queremos, do que é possível, e do modo como lá chegar), mas também das Democracias: cada vez ouço mais argumentos desresponsabilizantes para os povos, como se a existência de uma União - que, como todos sabem, funciona muito mal e cada vez pior - a tornasse numa espécie de paizinho que controla, exige e resolve os problemas dos filhos menores.

Também me parece que a Grécia já esteve mais longe de sair do Euro. Espero que a Europa seja capaz de ser solidária também nessa altura, quando os gregos forem obrigados a atravessar um deserto ainda mais terrível que o actual.

Anónimo disse...

A minha opinião é a de que esta discussão já está inquinada desde o princípio, por uma questão de ponto de vista. O problema não é a Grécia, isso é um detalhe, o problema é a Europa. E é precisamente porque, como consequência das duas guerras mundiais, a Europa perdeu a importância que, através dos seus impérios, teve no mundo. Nos tempos vividos desde aí esteve debaixo da protecção de uma super potência imperial, que tinha interesse em manter aqui estados (na Europa ocidental e não toda) com uma boa qualidade de vida, por razões geo-estratégicas. Um contexto que mudou e muito para os EUA, o verdadeiro mentor do milagre económico alemão e europeu em geral no pós-guerra. Deste modo, a UE no seu conjunto e mais ainda cada país em solitário, tem muita pouca ou nenhuma capacidade para competir com gigantes como a China, India, Brasil, ou Rússia. Depois estas polémicas entre comadres, que se odeiam, provocadas neste caso particular pela proverbial arrogância de alguns alemães, é apenas mais um exemplo claro das razões que impedem a UE de funcionar bem. As matérias primas não estão aqui, o Futuro entendido como juventude e força criadora produtiva não estão aqui e nem sequer a solidariedade entre os povos abunda.
Acho que a discussão se deveria colocar desde este ponto de vista. O resto, no meu entender, são cortinas de fumo, areia nos olhos de quem tentar enxergar o que se passa, a avestruz que coloca a cabeça na areia e ignora a realidade. Pode ser uma boa lição para aqueles europeus que, arrogantemente deixavam os refugiados económicos e políticos africanos morrer no mediterrâneo, sentados nesse complexo de superioridade europeu que os nacionalismos e os imperialismos tão bem souberam moldar. Agora que começam a ser eles que têm de procurar trabalho noutros continentes, talvez aprendam.
Boa sorte nessa viagem é o que desejo a todos!

PS: Só para terminar, sem me querer envolver em assuntos nacionais que não me dizem respeito, gostaria de dizer que na minha opinião parece-me verdadeiramente lamentável acusar os russos de espoliarem a pobre Alemanha, depois de terem sido invadidos por estes de maneira tão cruel e bárbara, provocando dezenas de milhões de mortos. É isso que custa a aceitar ainda hoje aos alemães arrogantes: invadiram países que não tinham nada a ver com eles, nem nunca foram uma ameaça para si ao longo história, como os gregos, e depois ainda têm a lata de vir queixar-se de que levaram na tromba. E se fosse uma coisa de uns quantos saudosistas nazis ainda se tolerava. Mas não, é um sentimento bastante difundido entre muitos alemães. Como uma pessoa que conheci que dizia que o seu avô lhe contava que os bárbaros do russos lhe mandavam cães com bombas e obrigavam os seus próprios soldados a lutar sob ameaça de pena de morte, isto depois de terem dizimado a última aldeia de sub-humanos eslavos literalmente até ao último bébé, como foi frequente na frente leste. Enfim, como diz ironicamente um amigo africano: e os civilizados são eles. Passar bem!

Maria Fernandes disse...

Concordo a 100% que o povo não é vítima dos seus governantes, pois os seus governantes são fruto do povo, não vieram de "Marte" e foram eleitos (e muitas vezes reeleitos!) pelo tal povo.

Utilizando uma metáfora, é muito difícil conduzir um autocarro onde o motorista tenta virar para um lado e toda a gente se levanta e vai para o lado oposto. Por melhor motorista que seja não vai conseguir evitar o despiste do autocarro, sem conseguir que a maioria dos passageiros se sente no seu lugar. A Alemanha, Portugal, Grécia, Islândia são os autocarros e por melhores motoristas (governantes) que tenham, se os passageiros não contribuírem e sentarem no seu lugar, ficam desgovernados. O povo da Islândia sentou-se no seu lugar... o da Grécia anda a ver se derruba o autocarro (e depois vem dizer que foi a Alemanha), nós Portugueses ainda não nos decidimos...

A única solução que vejo para sairmos da crise é a responsabilização individual. O "povo" e os "governantes" são entidades genéricas, que estão "longe". Se cada elemento do povo (começando por mim) for consciente, não gastar mais do que ganha, pagar os seus impostos, e não roubar ao Estado (=roubar a mim e a todos os outros que contribuem), rapidamente avançamos.

O problema em Portugal não é apenas os seus governantes (que são um espelho do povo que os elegeu), são todos aqueles que recebem o sub. de desemprego, mas têm simultaneamente um trabalho onde ganham por "baixo do pano", são os que estão a receber baixa da S.Social e estão cheios de saúde, são os que estão reformados por falsas incapacidades, são todos os que não passam factura para não pagar impostos, são todos os que não pedem factura para ter o desconto do IVA, são aqueles que apontam o dedo aos governantes por roubarem tudo o que podem, mas que fazem isso no seu trabalho (levam para casa dossiers, canetas, papel, etc. - como se não fosse exactamente o mesmo que ir à caixa da empresa e tirar dinheiro vivo!), são os que enchem as urgências dos hospitais apenas com uma constipação ou uma obstipação... É por causa de todos esses, que nos roubam todos os dias, é que os outros têm que pagar tantos impostos.

E lamentavelmente, são também aqueles, que mesmo não fazendo nada disso, vêem fazer e se calam, permitindo que os roubos aconteçam, que os criminosos não sejam penalizados e que o país seja saqueado, migalha por migalha, todos os dias (não, não é a Angela Merkel que tem que vir nos fiscalizar - não há auditores nem policias que cheguem para fazer esse trabalho! - somos nós como sociedade que temos que estar atentos e apontar o dedo a quem rouba, envergonhá-lo, em vez de o elogiarmos e dizer que "ele é que é esperto" - ele não esperto é um ladrão!!!). Enquanto eu não deixar de falar ao meu amigo que está a receber sub. de desemprego e a trabalhar sem contrato (não me dou com ladrões!), enquanto não me chatear com o meu tio que tem apenas 50 e tal anos e está bom para trabalhar, mas tinha um médico amigo que o ajudou a conseguir a reforma, e deixar de ir ao sr. onde reparo o carro e até o médico, que me fazem um preço "mais barato" porque não passam factura (obrigada, mas esse "mais barato" sai-me muito caro todos os meses nos impostos que pago)...

Enfim, enquanto não nos deixarmos do "nós contra eles", e de entidades "gigantes" como os países, que nada podemos fazer e virarmos o foco para nós mesmos: O que é que EU posso fazer pelo meu país? Como é que posso produzir mais e duma forma mais eficiente? Como é que posso ajudar a combater a fraude? Como é que posso ajudar a que se cobrem mais impostos? Como é que posso ajudar a poluir menos, a reciclar mais, etc.

Não posso esperar que alguém faça ("porque é que ninguém faz?") enquanto eu não mudar, enquanto não ajudar o meio onde vivo a mudar (família, amigos, colegas, vizinhos) enquanto não assumir a minha quota-parte neste todo, não estou sentado no meu lugar do autocarro... e a maioria tem que se sentar para podermos chegar a algum lado!

Anónimo disse...

Valha-me deus!(e eu nem sou crente)
Isto não tem a ver com o discurso Merkozy nem tão pouco com as lamentações dos PIIGS. É um discurso absolutamente intragável e de uma mediocridade absoluta. Um discurso moralista que chega a ultrapassar o de Bush com o eixo-do-mal: os BONS e os MAUS.

Para além da questão da globalização, do mercado único, das agências de notação, do federalismo dos EUA e Europa, do sistema finaceiro mundial, etc, digam-me um país (talvez com excepção do Brasil) que se livrou do FMI/BM/OMC, ou como lhe chamo, a troika internacional. Digam-me um que se tenha safado da miséria e tenha conseguido pagar a dívida e os juros. E aí sim, podemos começar a discutir seriamente o problema da austeridade.

Caganitas à parte, vamos lá partir da assumpção de que fizemos asneira e gastámos acima das nossa possibilidades. Sim senhora, não só gastámos como achámos que a ida às urnas era o suficiente. Somos feios, porcos e maus.

E é aqui que eu, que não devo nada a ninguém, que nunca vivi acima das minhas possibilidades e sempre geri o meu parco orçamento com austeridade, digo: sim senhora!, fizemos asneira queremos pagar!

Mas COMO vamos pagar se TODOS os meios que poderíamos ter para o fazer, pese embora a questão da moeda única, nos estão a ser RETIRADOS?

Querem que a gente pague? Óptimo, vamos a isso que nós também queremos mas se nos colocarem na miséria, nunca o conseguiremos fazer. A isto chama-se austeridade cega.

É triste ver o estado a que chegou a Europa. Por mais que um povo ou seus governantes errem, acharmos que a miséria é a única forma de expiar este "crime hediondo" só diz uma coisa da humanidade: NÃO APRENDE,NÃO APRENDE E NÃO APRENDE!

E não, não estou a falar de solidariedade mas sim de inteligência.

Patrícia

Izzie disse...

"mantenho que dizer que os povos são vítimas dos seus governos e não têm culpa nenhuma na situação a que o país chegou é uma perspectiva infantilizante e desresponsabilizante"

A sério? Nunca pretendi responsabilizar toda uma geração de alemães pelo que se passou entre 1933 e 1945, mas se calhar tenho de repensar a minha perspectiva. Excepção feita à (pouca) resistência alemã, muitos mortos no cadafalso, claro está.

Helena Araújo disse...

Izzie,
se há país que se sente responsável pelo que fez e se sente responsável por evitar que a História se volte a repetir, é este.
Se quiseres, podes repensar a tua perspectiva, e podes começar a acusar toda uma geração de alemães pelo que aqui se passou.
Só que isso não é nada de novo: os alemães já estão nessa há muitas décadas. É uma herança tão forte, que os mais novos começaram a reagir, porque estão fartos de carregar o terrível peso do que os seus avós fizeram. Mas não vão longe, porque não conseguem escapar a um passado que impõe obrigações e responsabilidades até aos alemães nascidos muito depois da guerra.

Izzie disse...

Mas eu não quero repensar, só que perante raciocínios destes quase tenho vontade. Não me sinto minimanente responsável pela situação a que o meu país chegou. Pago os meus impostos, voto (apesar de não crer na nossa classe política, mas é meu dever), felizmente tenho uma situação e hábitos de vida que me permitem não dever o que não posso pagar. Mas, insisto, não sou responsável por uma classe política que nos enganou, e bem. As pessoas sérias, em Portugal, não se podem dar ao luxo de entrar na política: têm de trabalhar para se sustentar, não têm encostos, padrinhos. Se agora me dedicasse à política, com verdadeira e séria vontade de mudar isto, eu e os que me seguissem acabávamos na miséria, porque teríamos de largar trabalho para abraçar essa nova causa.

Portugal não é a Islândia, país rico em recursos e com uma população inferior à da nossa capital. Portugal é um país que não se desenvolveu muito, mas avançou e agora vai ter de retroceder, sacrificando a população. A Europa não existe, e os países grandes que mandam e sempre mandaram na Europa também não se importaram com o nosso destino Europeu e muito menos o nacional dos países mais pobres, pelo menos enquanto ainda comprássemos VW, audi, mercedes, citroen, renault.

E quanto ao sentimento alemão, permito-me duvidar um pouco. Ao menos enquanto tiver de aturar certas atitudes malcriadas e colonialistas de turistas que invadem isto como moscas. Só os conheço daí, mas posso afiançar que são os turistas mais arrogantes, mal educados e impositivos dos que grassam em Lisboa, e lá em casa já o sentimos ao vivo e a cores. Acho que os alemães não aprenderam nada, se continuam a sentir o supra sumo da civilização europeia, e desprezam verdadeiramente os meridionais - incluindo o governante da nova Vichy - e entretanto esqueceram que no pós reunificação muito devem ao euro terem-se tornado uma das maiores economias mundiais. Tenho imensa pena de dizer isto, mas é a experiência que tenho, e que o caso dos pepinos assassinos espanhóis que afinal eram alemães ainda me veio mais demonstrar.
Pronto, assumo: sou germanofóbica, e quanto mais falam, mais medo tenho, e mais depressa faço o canal da mancha a nado que fico aqui á espera deles. Antes Tommy que Kraut. Mas preferia portuguesa.

Helena Araújo disse...

Maria Fernandes,
eu concordo com tudo o que diz, mas falta acrescentar um ponto importante: a sua solução tipo "se cada um varrer a porta da sua casa, o mundo fica limpo", sendo certa, é incompleta. O país também é espoliado em grande escala por negócios obscuros entre políticos e empresas, por especulação financeira, etc.
É importante notar que a maior culpa desta situação provavelmente não é dos pobres que se "aproveitam" e "desenrascam". Quantos portugueses tinham de viver de subsídios indevidos até juntar custos no valor de um submarino? Não digo que ache bem que as pessoas enganem o Estado; só digo que há quem engane o Estado numa escala incomparavelmente maior, e que é importante não pensar que a culpa é só dos "espertinhos", porque é também é dos "espertões" - e não nos podemos esquecer destes quando analisamos o problema.

E depois, na prática há uma dificuldade grave: algum português tem coragem de denunciar o vizinho ou um familiar? Você arrisca-se a perder todos os amigos, e a zangar-se com os parentes.
Essa atitude de apontar o que está errado no comportamento de pessoas concretas só lhe vai grangear inimizades e problemas.

Helena Araújo disse...

Patrícia,
mas quem falou em crime e expiação?

Não tem nada a ver com teologia e moral, mas com factos: há países que andaram a gastar muito mais do que tinham, e em algum momento os credores chegaram à conclusão que corriam o risco de nunca mais verem o seu dinheiro de volta. Agora os países não conseguem que lhes dêem mais crédito para continuar a manter esse nível de vida. Se não têm dinheiro, não podem gastar.

Qual é a sua sugestão para resolver o problema de países cuja economia não está capaz de sustentar o nível de vida a que se habituaram?

Helena Araújo disse...

Izzie,
tu não és responsável, mas a União Europeia é, porque não invadiu o país para o fiscalizar - é isso?
Se Portugal não se importou com o seu futuro, malbaratou fundos europeus para o desenvolvimento, e não pediu ajuda em tempo útil (por exemplo, ao ver que o Euro lhe estava a asfixiar a economia), porque é que deitas as culpas aos outros países europeus, que deviam ter vindo fazer de nossos paizinhos?

Quanto ao que dizes dos alemães: no comments.

Izzie disse...

"tu não és responsável, mas a União Europeia é, porque não invadiu o país para o fiscalizar - é isso?"

Isto é deturpar as minhas palavras. Não tenho a competência dos senhores comissários nem ganho o que eles ganham. Se a Comissão e o BCE não fizeram o seu trabalho (tal como não o fizeram os nossos governantes, verdade), sibi imputet.

"porque é que deitas as culpas aos outros países europeus, que deviam ter vindo fazer de nossos paizinhos?"

Não nego que Portugal malbaratou muito, não nego que se adiou o problema. Mas não deito as culpas aos outros países, mas sim à UE, onde nós também estamos, pelo que me parece que a culpa está assim muito bem distribuída (apesar de Portugal ter pouquíssimo poder de decisão). Os nossos governos andam a enganar-nos há anos, é a conclusão que eu e muitos chegámos. Porque tenho eu e os outros 10 milhões que assumir pessoalmente tal culpa? Não tenho, como também não posso apontar o dedo a uma avozinha alemã que ouvia a Gestapo a levar os vizinhos e nada fez. Não pessoalizo nada. Não desresponsabilizo o meu país, mas também não tenho de levar com os ódios eslavos que nos tratam como gente abaixo de cão, nos apontam o dedo e, por si, nos votariam à miséria sem por um momento repensar a sua responsabilidade neste modelo europeu. E dizer que temos um nível de vida que a nossa eonomia não pode suportar, por favor. Isto é uma economia comum, ou uma união de fachada?

Quanto à ideia dos alemães que tenho, é a que me sobrou das palavras de um querido cavaleiro teutónico que disse ao meu marido que eles pagavam por tudo isto (onde é que já ouvi este discurso?), pelo que não lhe cabia reclamar de uma simples falta de educação que é furar uma fila - coisa que por aí talvez sejam demasiado educados para fazer. Lamento, mas os meus contactos com o povo alemão são o que são, e por cá portam-se como selvagens. Também me ficou uma frase, de que para pretos nos faltava uma demão. Pouco simpático nem descreve bem.

Anónimo disse...

A Alemanha ganhou muito com a união europeia, muitos países são pagos e foram pagos para não produzir isto ou aquilo, o banco central europeu foi criado pelo modelo e funciona como a Alemanha deseja,a Alemanha continua a ganhar com os empréstimos, a Alemanha continua a vender aos governos periféricos coisas que eles não precisam( tal como foi noticia material militar), a Alemanha não é a má da fita,mas tem como os outros muita culpa, e além disso no passado deu jeito que fossem solidários com ela, e lhe perdoassem as tais dividas, agora emprestam mas querem ganhar muito com isso, além de não saberem parar de chamar as atenções para eles( já perdi a conta à quantidade de vezes que ouvi responsáveis alemães, Merkel incluída, dizer que isto dos países europeus do sul são um bando de preguiçosos e deviam era despedir os políticos e negociar com tecnocratas, ou pôr um funcionário no pais a controlar, ou transferir a soberania do controlo do orçamento)

Anónimo disse...

Com uma análise tão leviana das coisas mas travestida de intelectualidade nem sei o que dizer. Apenas que o discurso está todo trocado uma vez que favorece um conjunto de regras económicas e formas de estar que já não funcionam e efectivamente têm que se fazer tábua rasa, porque este não é o jogo das pessoas nem dos governos, é o jogo dos interesses privados económicos especulativos e corruptos que mantêm os governos reféns. Perigoso discurso este que aponta a manutenção dos mesmos a controlar tudo e não deixa espaço para as pessoas.

Helena Araújo disse...

Izzie,
quando o comissário alemão disse que era preciso enviar funcionários da UE para ajudar os gregos a recolher impostos, porque eles não estão a ser capazes de o fazer, foi um escândalo. E isto foi muito depois de ser claro que a Grécia tem problemas estruturais graves. Como é que antes disso alguém se atreveria a dizer que a UE tem de mandar funcionários aos países para os fiscalizar e lhes ensinar a saberem governar-se melhor?

Não é o teu governo que te anda a enganar há anos. Não me digas que és a única portuguesa que não sabe do exagero de auto-estradas vazias, do fartar vilanagem com os fundos europeus, dos pseudo-cursos de formação profissional para mascarar o desemprego, etc.
De cada vez que vou a Portugal, contam-me histórias horrorosas de desperdício de dinheiros públicos.
Todos nós sabíamos, mas ninguém se deu ao trabalho de perguntar como é que essas despesas iam ser pagas.

Penso que esta crise nos vai obrigar também a repensar o papel e a responsabilidade dos povos e dos seus governos.

Sobre tirar conclusões sobre todo um povo a partir de meia dúzia de experiências negativas: se eu te contasse o que já ouvi a portugueses... Por exemplo, os argumentos contra o acordo ortográfico dão sinal de um povo arrogante e de mentalidade profundamente colonialista.

Helena Araújo disse...

Anónimo das 20:48,
porque é que tem medo de dizer o seu nome?
A Alemanha ganhou muito com a união europeia, e Portugal perdeu - é? Sabe como é que Portugal era quando entrou para a CEE? Imagina como é que Portugal seria hoje se não tivesse entrado para a CEE?

Já agora: se a Grécia visse hoje as suas dívidas perdoadas, e pudesse começar a partir de uma situação de saldo nulo, como é que lhe parece que ia estar daqui a dez anos?

Curiosamente, nunca ouvi nenhum responsável alemão, Merkel incluída, dizer que isto dos países europeus do sul são um bando de preguiçosos e deviam era despedir os políticos e negociar com tecnocratas.
(Aliás: da única vez que a Merkel falou sobre a produtividade desses povos levou críticas tão fortes na Alemanha, inclusivamente do seu próprio partido, que nunca mais se atreveu a repetir a gracinha)
Já os ouvi, sim, dizer que era necessário pôr funcionários de UE a dar uma ajuda para quebrar mecanismos nacionais há muito instalados de clientelismo e corrupção. Curiosamente, há pessoas dos próprios países envolvidos que pedem o mesmo. Abundam neste debate, e por parte de portugueses, as acusações de que a culpa de a situação ter chegado a este estado foi da UE, que não fiscalizou.

Helena Araújo disse...

Anónimo das 21:48,
porque é que tem medo de dizer o seu nome?
Não sei onde é que viu leviandade e intelectualidade. Eu limitei-me a rebater esse fait divers de sugerir que a Alemanha devia pagar dívidas antigas à Grécia, e a lembrar a responsabilidade dos povos na situação a que se chegou.
Sintetizando: enquanto o dinheiro entrou à vontade, ninguém se lembrou de dizer que a UE era má para esses países, que o euro era terrível, ou sequer que estavam a viver muito acima das suas possibilidades e que era preciso fazer mudanças estruturais. Quando os bancos começaram a temer pelo seu dinheiro e deixaram de emprestar é que finalmente as pessoas acordam para as culpas dos outros países...

O conjunto de "regras económicas e formas de estar que já não funcionam e efectivamente têm que se fazer tábua rasa" é simples: um país não pode viver permanentemente acima das suas possibilidades. Alguém, algum dia, vai ter de pagar a conta.

O que eu gostava de saber é qual é a sua sugestão para resolver esta crise. Caso sugira que não se paguem as dívidas, lembro que a solução de não pagar aos bancos talvez não seja boa ideia, porque a falência destes provocaria uma crise económica semelhante à grande depressão.

Tivemos um pequeno ensaio quando o Lehman Brothers faliu: os bancos que tinham activos desse perderam liquidez, e ficaram incapazes de conceder créditos à actividade produtiva, pelo que as empresas tinham encomendas mas não tinham como lhes responder, porque não recebiam crédito para comprar máquinas e matérias para a produção. A crise financeira tornou-se rapidamente uma crise económica.
Foi para evitar este contágio da economia real que os governos foram ajudar os bancos. Não foi por andarem metidos com os banqueiros e esquecidos das pessoas.

Anónimo disse...

Parte I

Helena,

É provável que, vivendo há tanto tempo na Alemanha, não se dê conta da gravidade do discurso Merkozy. Os países periféricos são tratados com desdém, arrogância e maldicência. Cometeram o crime de "viver acima das suas possibilidades" e a única forma de o expiar é através da miséria total. É um discurso moralista muito perigoso que poderá colocar povos contra povos.

Os vários comentários ao seu post, muito mais bem escritos e esclarecedores do que a minha prosa, explicam, cada um à sua maneira o problema do sistema financeiro global. E com os quais, na sua maioria, concordo.

Por isso mesmo parti para a discussão com um outro pressuposto: então está bem, façamos tábua rasa do resto do mundo, façamos tábua rasa das quotas de produção que perdemos com a entrada na UE, imaginemos que o problema é só dos PIIGS e vamos exigir que parem de viver acima das suas possibilidades e que paguem o que devem.

O problema é que nunca conseguiremos pagar nem a dívida nem os juros com este tipo de medidas que nos estão a ser impostas. É impossível*.

A solução? Não sou economista mas talvez uma reestruturação inteligente do país (não com medidas cegas que cortam a eito o parco sector produtivo), o alargamento dos prazos de pagamento e redução das taxas de juros (o BCE empresta aos bancos a 1%) ajudasse... porque a miséria não dá lucro para se pagar o que quer que seja.

Parte II a seguir

Anónimo disse...

Parte II

Imagine que tem a sua vida em ordem. Sabe o que ganha e gasta conforme o que tem. Quando muito faz um empréstimo para comprar uma casa que sabe que consegue pagar a 30 anos. Paga os seus impostos, trabalha afincadamente, tenta oferecer a melhor educação aos seus filhos e de vez em quando até se pode dar ao luxo de passar um fim-de-semana fora com a família. Até aqui tudo bem. Gasta o que tem, paga o empréstimo e ainda consegue poupar um dinheirito.

Mas eis que chega a Troika. Cortam-lhe o ordenado e retiram os subsídios (não sei se sabe mas o 13º e 14º mês são poupanças forçadas). Sobem os impostos, aumenta a electricidade, o gás e a água. É preciso apertar o cinto. Acabam-se os luxos, nada de fins-de-semana, nada de cinema,nada de almoçar perto do emprego ou de jantar fora. Passa a utilizar os transportes públicos, corta o seguro de saúde, passa a ter mais cuidado e compara preços quando compra comida. Retira os filhos das explicações, da natação ou da ginástica e passa a ir ao Centro de Saúde onde espera horas para ser atendida. O patrão não acha piada a que tenha demeter um dia inteiro para ir a uma consulta portanto acaba por meter um dia de férias. Até aqui, vá, pese embora tenha ficado com uma vida menos alegre e já não consiga poupar, ainda consegue pagar todas as despesas.

À sua volta todos apertam o cinto. Começa a ver lojas e lojas que fecham. O número de desempregados aumenta. A empresa onde trabalha começa a despedir pessoas. A Helena suspira de alívio porque foi uma das que teve sorte. Entretanto mais medidas de austeridade. Os transportes públicos aumentam todos os meses perfazendo um total de 20% de aumento, as taxas moderadoras aumentam 50%. Teve sorte mas com estes aumentos já não consegue comprar uns sapatos para a chuva que a sua filha precisa. Como o sapateiro também fechou arranja uma solução alternativa: um saco de plástico por cima das meias para manter os pés secos. A vida começa a ficar mais difícil e mais triste mas tem sorte, ainda consegue pagar as contas e pôr comida na mesa.

Nova vaga de despedimentos na empresa. Começa a ficar angustiada. Já tinha começado à procura de outro emprego mas agora intensifica mais a sua busca só para se aperceber qua pura e simplesmente não há trabalho. Anda cansada e com medo. Já não dorme muito bem. No trabalho esforça-se por manter a produtividade. Os colegas, outrora uma equipa bem disposta, unida e produtiva, começam a dizer mal de si e do seu trabalho. É o salve-se quem puder!

Parte III a seguir

Anónimo disse...

Parte III

Se existe alguém que vai ser despedido não vão ser eles com certeza. Os dias começam a ser cada vez mais difíceis e as noites insones. Já mandou embora a mulher-a-dias. A vaga de despedimentos afecta o seu marido. Já não consegue deduzir despesas no seu IRS. O pagamento da prestação está em causa. Decide mudar os filhos para um só quarto e alugar o que resta para poder pagar o empréstimo. Tem sorte, afinal vivem num T3.
Cortam a carreira onde ía para o emprego. Passa a ter de se levantar duas horas mais cedo para conseguir chegar ao trabalho. Esforça-se por se manter produtiva. A ansiedade cresce, começa a ter dores de cabeça, mas continua a produzir, leva trabalho para casa para que nem perceba que afinal já não consegue fazer o que fazia antes. Lá se vai safando. Nova vaga de despedimentos. Teve azar, foi uma das que despediram. Muda os filhos para o seu quarto e aluga o outro. Tem sorte, apesar de tudo, com a crise que por aí anda ainda consegue alugar o quarto. Vende o carro, paga logo o ano de condomínio e umas contas que estavam em atraso.

O subsído do seu marido já se foi e o seu está a acabar. Neste momento até já nem se importava de ser mulher-a-dias, de estar numa linha de montagem ou de lavar retretes. O seu marido já tentou de tudo mas pura e simplesmente não arranja emprego.

Já não conseguem pagar o empréstimo da casa. O banco fica com ela e vende-a em leilão mas mesmo assim a Helena e o seu marido não se livram de continuar a pagar prestações. É que a diferença entre o empréstimo que fizeram e o preço a que o banco conseguiu vender tem de ser paga.

Mudam-se todos para um quarto alugado. Os filhos passam a ir a pé para a escola e para o almoço têm uma carcaça de pão. Mas eis que chega o dia em que já nem dinheiro têm para pagar essa pequena renda. Ficam na rua. Vão à sopa dos pobres mas nem essa tem comida para vos dar.

Multiplique esta situação por alguns milhões de pessoas e diga-me, com sinceridade, se esta é uma maneira viável de pagar uma dívida.

Eu assinei a petição para a restituição das dívidas da Alemanha para com a Grécia por um único motivo: é a única forma de eles saírem de uma dívida que nunca conseguirão pagar*.


Patrícia

* Não existe um único caso de sucesso de implementação deste tipo de medidas.
Informe-se, por ex., sobre o que aconteceu aos países da América Latina que se submeteram às medidas do FMI/BM/OMC =FMI/BCE/UE. E são países ricos em recursos naturais.

Helena Araújo disse...

Patrícia,

viver acima das suas possibilidades não é um crime que exige castigo, é um problema que exige resolução. Como é que lhe parece que se pode resolver o problema de países que gastam muito mais do que podem pagar?

Já ninguém fala em pagar o que devem. Neste preciso momento negoceia-se com os credores que eles desistam de 50% da dívida da Grécia. Porque é que não fala deste pequeno detalhe?
E as soluções que aponta (alargamento dos prazos de pagamento e redução dos juros) fazem parte das medidas previstas pelo plano de ajuda à Grécia. Convinha que olhasse para o todo, em vez de ver apenas a imposição de a Grécia baixar a dívida de 160% para 145% do PIB (o permitido por Maastricht é 60%).

Agora: "Imagine que tem a sua vida em ordem. Sabe o que ganha e gasta conforme o que tem. Quando muito faz um empréstimo para comprar uma casa que sabe que consegue pagar a 30 anos. Paga os seus impostos, trabalha afincadamente, tenta oferecer a melhor educação aos seus filhos e de vez em quando até se pode dar ao luxo de passar um fim-de-semana fora com a família. Até aqui tudo bem. Gasta o que tem, paga o empréstimo e ainda consegue poupar um dinheirito."

...Mas eis que chega a Grécia a revelar que tem as suas contas todas desgovernadas, e pede ajuda. Para ajudar a Grécia, recorre ao dinheirito que tinha poupado, e ainda vai à conta-poupança dos seus filhos e dos seus netos. Etc.
Também se pode ver um filme assim.

A Grécia tem problemas graves de corrupção e nepotismo que só ela pode resolver. Só para lhe dar um exemplo: os armadores gregos, um grupo empresarial muito forte da economia grega, pagaram em 2010 (salvo erro) menos impostos que o que os emigrantes na Grécia tiveram de pagar para regularizarem a sua situação nesse ano. Se os armadores gregos pagassem os impostos como é devido, o Estado não estava tão endividado.

Quanto aos casos de insucesso do FMI: o que me diz de Portugal em 1977 e 1983? E é um país pobre em recursos naturais.

Helena Araújo disse...

Quanto a assinar petições para os alemães pagarem as dívidas de guerra aos gregos, porque é a única solução para eles saírem desta crise: que acha de Portugal indemnizar os países africanos de onde levou escravos? Olhe que era um dinheirinho que fazia muito jeito a países que vivem em situação de indescritível pobreza.

Anónimo disse...

Se um tribunal internacional assim o considerasse (que foi o que aconteceu com a Alemanha) seria a primeira a assinar ou pensa que não tenho consciência de que todos nós (EUA e Europa) vivemos às custa do terceiro-mundo que pilhámos e continuamos a pilhar?

Do FMI em Portugal? Se não tivessemos entrado na UE ainda estavamos a pedir empréstimos. É que nem duvide!

E desde a entrada que digo e redigo que os fundos foram muitíssimo mal aplicados.

Patrícia

Helena Araújo disse...

Que tribunal internacional e que julgamento foi esse, Patrícia?

Quanto ao FMI em Portugal, lembro-me muito bem: não havia dinheiro para roupa, havia mulheres que viviam de apanhar malhas nos collants, tínhamos apenas um par de sapatos, que volta e meia passavam pelo sapateiro para pôr meias solas, comíamos moelas, bifes de coração e carapaus. As férias eram em casa dos avós, ou campismo na praia.
Falava-se muito em apertar o cinto.
Mas o que dizem os ministros dessa época é que o esforço valeu a pena: http://economico.sapo.pt/noticias/ministros-de-soares-recordam-intervencao-do-fmi_109092.html

Não me parece que os fundos tenham sido muitíssimo mal aplicados. Houve coisas muito boas, como as estradas (quando entramos para a CEE, nem auto-estrada Porto-Lisboa havia), as ETAR (lembro-me de no rio Ave os peixes saltarem para fora do rio), o apoio ao turismo de habitação e rural (preservando património e criando pequenas empresas na regiões rurais) ou, muito mais tarde, a Autoeuropa com os seus efeitos multiplicadores numa região industrial que na altura estava muito mal.

É certo que houve muito aproveitamento, muita corrupção, mas temos de olhar também para o que foi bem feito - e foi muito. Portugal é hoje um país completamente diferente do que era em 1986.

Ricardo disse...

Sou o anónimo de dia 21 20:48
Sim a Alemanha ganhou muito com a união europeia e Portugal também ganhou, mas também perdeu algumas coisas, deixamos de produzir aliás fomos pagos para não produzir algumas coisas, não estávamos melhor se não tivéssemos entrado mas o que estou a dizer é que a nossa entrada foi muito mal negociada, também não peço que as dividas da grécia sejam perdoadas tal como estão a ser apenas estou a pedir que tal como a Grécia já perdoou e foi solidaria, a Alemanha e os restantes países sejam solidários e não digam tão facilmente que a Grécia são um bando de preguiçosos que não se souberam controlar, nem que a palavra de ordem seja "Nós não somos a Grécia" sempre que um país queira mostrar que é responsável como se a grécia fosse o modelo do MAL, quanto á Merkel não ter dito que preferia negociar com tecnocratas, não foi ela mas sim se não me engano um dirigente do FMI, mas ela, tal como outros alemães, já disse as suas asneiras, quer exemplos aqui vai alguns poucos dos muitos mais que havia e com link para não haver dúvidas:

http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/comissao-europeia-rui-tavares-ue-defice-bandeiras-austeridade/1280190-1730.html

http://aeiou.visao.pt/merkel-agita-alemanha-com-declaracoes-sobre-falhanco-do-multiculturalismo=f576008

http://www.esquerda.net/artigo/declara%C3%A7%C3%B5es-xen%C3%B3fobas-de-%C3%A2ngela-merkel

http://aeiou.expresso.pt/grecia-alemanha-quer-controlo-direto-do-orcamento-de-atenas=f701811

Mas mais uma eu não culpo a Alemanha, mas eles realmente estão-se a comportar como se fossem os donos da verdade única, quando têm tanta culpa como outros visto que além dos problemas europeus, é a Europa que está a falhar.

Helena Araújo disse...

Olá Ricardo,
não me diga que estamos de acordo?!
;-)
O meu post inicial foi uma reacção à chantagem que padece de anacronismo e falta de respeito por regras básicas do direito internacional.
Pelo caminho, tenho-me dado conta que estou a ser muito severa com a Grécia, quando o que queria era ser severa com quem chama nazis aos alemães e tira coelhos da cartola como este das dívidas da guerra.

Agora, tentando recuperar o equilíbrio:

Portugal ganhou e perdeu com a entrada na União. Devia era ter reagido bem mais cedo, devia ter-se unido aos outros países "piigs" para avisar a Europa que o euro não estava a funcionar, deviam todos ter proposto uma solução alternativa antes da bomba explodir. Penso que houve aqui uma falha grave dos governos da última década.

Não tenho ouvido por aqui que na Grécia são um bando de preguiçosos. Mas é verdade que se diz abertamente que há demasiada corrupção e nepotismo, fuga aos impostos, falta de solidariedade entre os gregos (o costume: os ricos safam-se à custa dos pobres). Também muitos gregos o dizem, e pedem que a UE envie fiscais para controlar a situação.

"Nós não somos a Grécia": acertou em cheio!

Sobre os seus links:

- Oettinger sobre a bandeira a meia haste: ele estava a dizer, a propósito de obrigar a Grécia a pagar multas se não cumprisse os acordos, que é impossível tirar dinheiro do bolso a um país que está nu. Nesse caso, obrigar esses países a pagar multas é uma estupidez, e era preciso pensar em penalizações alternativas. Deu o infeliz exemplo da bandeira a meia haste, que é infeliz mas se entende no contexto. Afinal de contas: se um país não cumpre os acordos, como deve ser obrigado/forçado a cumprir?

Merkel e o falhanço do multiculturalismo: o que ela disse foi algo do género: "o multiculturalismo, ou seja, cada cultura por si e ninguém cuida para que as coisas corram bem, falhou". Há quem veja nisto uma intenção perversa. Eu, dos meus tempos de conselho de estrangeiros, aprendi que se distingue o multiculti (os tais mundos culturais paralelos que não se tocam) do interculti (as culturas tocam-se e interagem, enriquecendo-se mutuamente). Penso que a Merkel estava a dizer que é um erro grave deixar os estrangeiros neste país entregues a si próprios, sem lhes ensinar alemão, sem lhes dizer que direitos e deveres têm neste país, sem dar aos seus filhos acompanhamento escolar muito cuidado. etc.

O seu terceiro link, sobre o mesmo discurso, tem um grave erro de tradução. Ela não disse "a perspectiva de que poderíamos construir uma sociedade multicultural, vivendo lado a lado e gozando da companhia uns dos outros, falhou. Falhou completamente."
Agora não tenho tempo para ir à procura do discurso original, mas tenho a certeza que não era "gozando da companhia uns dos outros", era algo do género "ignorando-nos mutuamente".
Sobre esse discurso, escrevi aqui um post: http://conversa2.blogspot.com/2010/10/aviso-navegacao.html

Controlo directo sobre o orçamento de Atenas: é gravíssimo, concordo. Compreendo os motivos (na realidade, a zona Euro está refém dos PIIGS), mas é gravíssimo.

Contudo, ultimamente dou comigo a pensar que é preciso criar também um plano de apoio ao desenvolvimento sustentado da economia grega: não apenas ajudar a Grécia a resolver o problema da dívida, mas dar-lhe condições para que se sustente a si própria. Mas o dinheiro tinha de ir acompanhado por executores da UE, porque o que foi da primeira vez se perdeu em estranhos destinos e não deu grandes resultados.
É uma arrogância da minha parte exigir que a participação solidária da UE seja também controlada por gente da UE?

Anónimo disse...

A questão da dívida alemã à Grécia não é tão anacrónica assim, dado que a questão que realmente está sobre a mesa é o fim da ordem que se impôs após a 2ª GM. Desse processo é que a UE depende e não de se o gregos são preguiçosos ou não, e os alemães trabalhadores ou não. Porque o problema não é a Grécia, o problema é a Europa. E é isso que cidadãos alemães como a Merkel parecem não querer ver ou pretendem ocultar. E é isso que lhes vai rebentar na cara no dia em que os russos lhes cortarem o gás e sentirem o frio subir-lhes pela espinha. Mas isso, é lá com eles. Agora, impossível ignorar é o fim de uma ordem e a afirmação de uma outra e, com ela, o nascimento de novas potências. Ora, a Europa e, menos ainda, qualquer um dos seus antigos impérios não é uma nova potência. É a velha Europa. E a reforma, mesmo a das velhas glórias, nem sempre é uma idade dourada, que o digam os pensionistas portugueses.