08 junho 2011

os de Buchenwald e os de Weimar

A pedidos, aqui vão dois posts velhos de 6 anos sobre a interacção entre a população de Weimar (nomeadamente: eu) e os sobreviventes de Buchenwald, quando se comemoravam 60 anos da libertação daquele campo de concentração.


Difíceis percursos interiores
No dia 11 de Abril de 2005 comemoram-se os 60 anos da libertação de Buchenwald. A cidade de Weimar conta com a visita de cerca de 500 sobreviventes, e fez um apelo para que os munícipes os recebam nas suas casas. Falei com algumas pessoas sobre isso, e as respostas foram sobretudo evasivas: "não, não é comigo" ou "não te metas nisso, são velhotes amargos que às tantas ainda se vão sentar na tua sala a pedir contas pelo que se passou há 70 anos".
O que me inquietava não era abrir a casa a desconhecidos, ou mesmo correr o risco de sofrer uma acusação surda.
O que me inquietava era não saber como falar com alguém que, tendo sido sistematicamente exposto a uma situação de desespero extremo, foi levado a abrir uma espécie de comporta interior das trevas. Como será a vida depois de ter estado na sala de espera da morte, sabendo que, para escapar, foi preciso arranjar maneira de passar para trás dos outros na fila de espera?
E como é que eu comunico com alguém que foi desgraçadamente atirado para este calvário, conseguiu sobreviver, e teve de se reconstruir como ser humano?

Estava neste impasse quando me lembrei de alguns dos mais famosos sobreviventes de Buchenwald: Jorge Semprún e Elie Wiesel. Ah, com esses não seria problema falar, embora tenha sido justamente Elie Wiesel quem me descreveu o modo como a luta pela sobrevivência, sob a acção dessa máquina de horror sistemático, os desumanizava.

Percebi assim que o meu problema não era propriamente o percurso de ida-e-volta do inferno de cada uma dessas pessoas, mas a sensação de desconforto perante essa abstracção que dá pelo nome de "der Jude". E lembrei-me do que uma rapariga da Juventude Hitleriana disse, algo como: "Aprendi no seio da minha família que era possível ser anti-semita sem que isso abalasse a relação com os judeus nossos conhecidos. Era necessário perseguir e neutralizar "o Judeu", sem que isso tivesse alguma consequência para o velho senhor Lewy, ou Rosel Cohn."

Problema resolvido: oferecemos a nossa casa, ofereci os meus serviços de tradutora, e em Abril vou estar muito atenta para fixar bem o nome de cada uma das pessoas com quem falar. Tentarei ignorar as categorias "judeu", "sobrevivente", "preso político", "trabalhador forçado", "vítima de um horror inqualificável", para me concentrar na procura do velho senhor Lewy, de Rosel Cohn.




Buchenwald nas escolas

Muitas escolas secundárias desta região participaram nas comemorações dos 60 anos da libertação de Buchenwald.

Em muitos casos, foram os próprios alunos que tomaram a iniciativa e organizaram tudo autonomamente. Tive oportunidade de ver o dossier que os alunos mais velhos da escola da Christina apresentaram à directora e fiquei surpreendida pela qualidade do trabalho de preparação, desde o enunciado dos objectivos ao nível de detalhe.

Na reunião de pais para preparar a participação da turma da Christina, a maioria entendeu que os alunos ainda eram demasiado novos para serem directamente confrontados com os antigos prisioneiros. Foi nessa reunião, aliás, que me desaconselharam oferecer a nossa
casa para receber alguns dos convidados, porque seriam "uns velhotes amargos" (pois é, há aqui ainda muito trabalho a fazer, e não apenas com as crianças das escolas...). Foram apresentadas várias propostas, como pedir aos alunos que fizessem uma lista do que levariam consigo se fossem obrigados a abandonar para sempre a sua casa, só pudessem carregar um pequeno saco, e tivessem 5 minutos para decidir. Mas é como tudo na vida: a gente fala, fala, e depois a professora decide que cada aluno vai fazer um poster sobre o campo de concentração, e que a turma vai assinalar o dia com uma caminhada por Weimar conduzida pelos próprios alunos, visitando os lugares que de algum modo estão relacionados com Buchenwald.

No domingo em que os ex-prisioneiros regressaram a Buchenwald, encontrámos alguns  alunos de outras cidades que os entrevistavam para publicar no jornal da escola.
As perguntas estavam muito bem elaboradas, e os alunos agiam com seriedade e respeito, acompanhados a uma distância discreta pelo professor.

Uma das pessoas do gabinete de informação de Buchenwald contou-me que o momento mais belo das comemorações passou quase despercebido: "Os alunos de alguns liceus juntaram-se e resolveram lançar papagaios de papel ao fim da tarde; eu dizia-lhes que era melhor soltarem pombas, mas eles fizeram questão de prestar a homenagem com papagaios de papel, e acabaram por ter razão. Um vento frio varria a colina, e os três papagaios em cores diferentes esvoaçavam sobre o campo enquanto alunos liam textos escolhidos para falar do passado, do presente e do futuro."

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