A Teresa e a sem-se-ver querem saber o que li, leio, lerei e até o que leria se fosse para uma ilha deserta. Com quem elas se foram meter...
Bom, é domingo, dia de arejar os disparates ainda mais que de costume, cá vamos nós:
1 - Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
Todos os de Goethe, até finalmente entender. Pensando bem, os de Schiller também. E se fossem só esses... (intervalinho para ir ali chorar um bocadinho, já volto)
Agora, se estavam a falar de voltar a um livro pelo prazer de reencontrar aquela escrita, há os do Eça, os do Gabriel Garcia Marquez...
Pensando bem, que palermice de pergunta é esta? É evidente que apetece reler todos os livros que se colam por dentro de nós.
2 - Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Há vários, mas assim de repente só me ocorre o "Das Obrigações em Geral", por João de Matos e Antunes Varela, que inventaram um truque secreto para me hipnotizar e pôr a dormir profundamente em menos de seis frases.
Ligeiramente mais a sério: bendito o dia em que me libertei da obrigação de ler um livro. Mas ainda guardo alguns desses para mim intragáveis na mesinha de cabeceira, para aqueles momentos em que quero adormecer o mais rapidamente possível. Como compreenderão, não revelo aqui o nome dos autores, porque hoje é o dia do Senhor e convém mantermos um certo espírito cristão.
3 - Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
Passei o verão dos meus oito anos a ler e reler a Princesa dos Sete Castelos, que era o único que levámos para dois meses e meio de campismo na praia. Por isso, bem sei que não há livro que resista a meses e meses de leituras sucessivas, quanto mais ao resto da minha vida. Mas se soubesse que ia morrer daqui a umas semanas, acho que escolhia o - ah, hoje estou tão original! - Eça. Não me queria ir embora sem me despedir dele com calma e fervor.
4 - Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
Todos os que estão na estante Billy à entrada do meu quarto, em filas duplas e cheios de pó. É a estante dos comprados mas ainda não lidos. Postos lado a lado, já dá praí três metros, e eu bem gostava de saber porque é que continuo a comprar livros se já nem tenho sítio na fila de espera para os pôr!
5- Que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?
O Amor nos Tempos de Cólera:
Florentino Ariza tinha a resposta preparada há já cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com todas as suas noites.
- Toda a vida - disse.
6- Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
Tinha, sim senhoras, e era o tipo de leitura compulsiva. Tudo o que apanhava à frente. A enciclopédia Luso-Brasileira nas estadias mais prolongadas na casa de banho. Tudo o que a Biblioteca da minha escola oferecia (sábado era dia de trocar o livro, e lá vinha eu da escola para casa a ler na rua. Se querem mais uma prova da existência de Deus, e do seu amor por mim, aqui têm: nunca fui atropelada). Tudo o que havia na Biblioteca no largo do Marquês, naquele pequeno pavilhão com enormes paredes de vidro sob as árvores (ainda lá estará? ainda terá os Asterix que eu lia?). Livros em francês logo na fase do je m'appelle Robert, je m'appelle Nicole et ça c'est notre chien Patapouf, e eu a achar que se entendia isso seria capaz de entender tudo. O Cataclismo Cósmico, de Júlio Verne, que era um dos poucos livros que havia na casa da minha avó paterna (e eu insistia em ler como "o Autoclismo Cómico") e até o Alexandrina de Balazar que havia na casa da minha avó materna, e era uma seca monumental, mas era o único que havia, pegar ou largar - isso, e a secção infantil do jornal diário que o correio trazia com dois dias de atraso. A colecção inteira da revista Fagulha no verão dos meus nove anos, que passei num solar perto de Cabeceiras de Basto sem electricidade (ler Fagulhas à luz da vela, em lençóis de linho - agarrem-me, que estou quase a dizer que dantes é que era bom). Mas pronto, eu sei que vocês não me deixam em paz enquanto eu não confessar a Enid Blyton (fazia corridas com o meu irmão mais velho aos domingos à tarde: deitados no soalho da "sala do Senhor", na casa da avó, ele um dos Cinco, eu um dos Sete, quem acaba primeiro? Era sempre ele, e alguns anos mais tarde ocorreu-me que poderia ter feito batota), a Condessa de Ségur e até, ai que vou confessar, a Odette de Saint-Maurice.
7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?
Não me lembro. Sei que houve vários, mas tenho tendência a recalcar esses momentos trágicos do meu passado.
8. Indica alguns dos teus livros preferidos.
E depois dizem que a produtividade dos portugueses é baixa. Quantos anos me dão para responder a esta pergunta?
Atão, vá (mas só alguns, ouviram?!)
- Para manter a originalidade: os do Eça, praticamente todos.
- O Camilo, pelo português tão castiço.
- Do Gabriel Garcia Marquez, O Amor nos Tempos de Cólera entre muitos outros (especialmente a Crónica de uma Morte Anunciada, esse prodígio que resiste brilhantemente ao pior dos meus hábitos: ler o primeiro capítulo de um livro, ler o fim, decidir se vale a pena ler o entremeio)
- A Praça do Diamante, da Mercè Rodoreda, e a Cidade dos Prodígios, de Eduardo Mendoza
- Meu Coração Tão Branco, de Javier Marías (ah, e aí está um livro que quase não ia lendo, porque me irritava tropeçar em frases que me pareciam deslocadas, mas ainda bem que li até ao fim, porque nas últimas páginas todas essas frases que me tinham irritado voltaram encadeadas, e faziam sentido em revelação e sublime harmonia)
- Todos os da Amélie Nothomb, que é genialmente louca, mesmo no ponto em que eu gosto. Em especial o Stupeur et Tremblements. E Les Catilinaires. E os outros.
- A trilogia do Éric Emmanuel-Schmitt sobre as religiões monoteístas, com uma menção especial para Oscar et la Dame Rose.
- O enorme gozo que é Miséria e Grandeza do Amor de Benedita, de João Ubaldo Ribeiro, e num registo completamente diferente a delícia das palavras tão bem decantadas da Lavoura Arcaica de Raduan Nassar.
- Do Vergílio Ferreira, especialmente alguns dos últimos: Até ao Fim, Na Tua Face, Em Nome da Terra.
- Os do Saramago, quando consigo abstrair daquela sua relação de amor e ódio com a Igreja Católica; os do Lobo Antunes quando ele não multiplica os delírios (e gosto muito muito das suas crónicas)
Ouçam lá, vocês não terão uma vidinha? A minha já está toda atrasada. Toca a desandar daqui.
9. Que livro estás a ler neste momento?
Neste preciso momento? Um livro muito divertido que daqui a uns meses vai sair em Portugal, e mais não digo. Antes disso, estava a ler - e hei-de lá voltar! - o Ruhm, de Daniel Kehlmann, que alguém havia de traduzir para português. E um guia para acabar com a procrastinação, que me emprestou uma famosa blogueira de Wedding, e que tem ideias geniais tais como "se você adia, é porque não está a fazer a coisa certa para si", e agora, se bem reparo em tudo o que não estou a fazer para responder a este inquérito, aqui pergunto a quem me souber responder se conhecem alguma maneira de ganhar dinheiro respondendo a inquéritos, que parece que, de tudo o que o destino me guardou para fazer hoje, é a minha vocação mais acertada.
10. Indica dez amigos para o Meme Literário:
Era o que faltava. Se fosse para indicar 10 inimigos, vá que não vá, perdida por cem perdida por mil. Mas gosto muito dos meus amigos, e faço tudo para os manter de feição e benevolentes em relaçao a mim.
8 comentários:
O Patapouf! E o que será feito da Nicole e do Robert?
O Patapouf morreu no Um Peixe Chamado Wanda, quando lhe caiu um piano de cauda em cima. A Nicole casou, entrou para o Partido Socialista, teve quatro filhos. Continua linda e muito elegante. Gosta de ir passar os fins de semana à Île d'Yeu. O Robert andou com o Jaroussky, mas depois zangaram-se e desde então tem passado um bocadinho mal.
:-)
Obrigado, Helena. Há tanto tempo que não ouvia falar deles.
a cidade dos prodígios, sim :)
e recolhi como sugestões alguns dos teus livros preferidos, pela forma como deles falaste (javier marías e amélie nothomb)
boa malha!
:-)
Bolas, é mesmo de acabar o Javier Marias? Eu desisti, confesso :(
Rita, não garanto que tenhamos as duas a mesma experiência de reconciliação com aquele "finale grandioso".
a proposito de finale grandioso, lembrei-me do filme tournée, estreado ha pouco por cá. foi mesmo essa a sensaçaõ, que me reconciliou com certas passagens mais frageis.
(alembraduras!)
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