Garanto (e até tenho uma testemunha) que só perguntei "como é que se vai para os lugares no estrado?", e nem tinha um decote até ao umbigo, nem nada, mas o senhor das informações na Filarmonia fez questão de nos levar ele próprio pelo estranho labirinto de escadas. Pelo caminho contou-me de um amigo seu, escritor alemão, que fugiu para a Espanha, vendo-se depois obrigado a seguir para Portugal porque entretanto o Franco entrou em cena, onde aprendeu facilmente português porque "é igual ao espanhol, depois de desossado". Com um truque de ventriloquia pedi à minha testemunha que fosse andando para o lugar, que não era marcado, e resisti com valentia à tentação de pedir ao homem que me contasse mais sobre a anatomia das palavras e já agora de lhe perguntar se no fim do concerto nos abria a porta para o restaurante dos músicos, que fica por trás do palco.
Se fosse o Simon Rattle, talvez tivéssemos ficado o concerto todo naqueles lugares, achando que era um bailado com música de Richard Strauss. Mas era o Christian Thielemann, que mais parece as tais palavras espanholas (tem muitos ossos para o meu gosto), o que tornou aquele ponto de vista um bocado frustrante, porque a gente via que o Thomas Hampson se esforçava, mas praticamente não lhe saía nenhum som do corpo. É que parecia mesmo um cantor em cena de filme mudo, acompanhado por uma orquestra ao vivo! De modo que no intervalo, em vez de ir para a fila do Sekt e da Bretzel, fomos à procura dos lugares do tesouro: as cadeiras vazias nos blocos da frente, que eu tinha guardado num elaboradíssimo mapa mental enquanto o Hampson se agitava em afonia pela ária Pilgers Morgenlied.
A ver se não me esqueço desta regra importante: os outros ocupantes dos bancos de pau também vêem as cadeiras vazias do outro lado do palco, e também têm as suas estratégias de felicidade, por sinal bastante semelhantes às minhas. Aprende, Heleninha: nunca graves no teu mapa secreto os lugares mais fáceis de encontrar. Quando lá chegas, já estão ocupados.
Mas encontrámos dois bons lugares, e não apareceu ninguém mesmo no fim do intervalo a reclamá-los, pelo que aplaudi com especial entusiasmo o maestro quando ele regressou à sala.
Resumindo, foi isto: ontem, na Filarmonia, tive direito a um filme mudo e a uma ária excepcional. Dois em um, que mais posso querer?
Aqui podem ver uma pequena parte do ensaio, onde Renée Fleming e Thomas Hampson cantam "Und Du wirst mein Gebieter sein", da ópera Arabella. Esta ária:
9 comentários:
Aaaaaaaaaaaaai... a paixão que eu tenho por Hermann Prey!
Ainda por cima de perfil lembra o Chico Buarque. Aaaaaaai, Teresa, ó pra nós a uivar em dueto para a lua cheia...
;-)
Uivemos, amiga, uivemos!!!
Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
Diabos, hoje é domingo... ;-)
hahahahaha!
O que me lembra que tenho aí um post prometido, para escrever a um domingo. Ai, vou ter de uivar o resto muito depressa, para me sobrar tempo para o post.
;-)
O vídeo do ensaio é privado???
Gi, eu queria muito armar-me que sim, que fui eu que fiz e tal, mas era uma mentira de pernas curtinhas, curtinhas...
É publicidade que a própria Filarmonia faz. Põe um bocadinho da melhor parte no youtube, e o pessoal vai logo ao Digital Concert Hall comprar o pacote todo. Eles não olham a meios...
Pois, mas desta vez somos nós que não conseguimos ver a Fleming com o Hampson. Um verdadeiro filme mudo.
Provavelmente estava na internet apenas para fazerem publicidade ao momento. Tenho notado que a Filarmonia sabe muito bem como acenar com a cenoura e retirá-la a seguir.
Bom dia, Helena! esta é um mimo: "é igual ao espanhol, depois de desossado".
Beijinhos e até Junho
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