23 março 2011

será que há trogloditas em Portugal?


Que seria de nós sem os escandalozinhos de cada dia?

O de hoje até é engraçado, e permite descansar por uns momentos da novela vira-o-disco-e-toca-o-mesmo do Coelhócrates e Sócrelho (a vontade que dá de os fechar a todos num quarto, sem pão nem água, e só os deixar sair quando estiverem dispostos a trabalhar uns com os outros com o único objectivo de servir o país) (não, eu não disse nada, nem "em alguns casos, a tortura justifica-se" nem "governo de salvação nacional" nem "suspender a democracia por seis meses" nem "por onde andas, D. Sebastião?", nem nada).

A propósito: e que me dizem do Idílio, a tentar responder a um colombiano que lhe perguntou se o governo português é conservador ou liberal? Ele há perguntas difíceis!...
(cuidado com esse blogue: uma pessoa tem de se agarrar com muita determinação à cadeira para conseguir resistir ao impulso de fazer a mochila e partir) (partir de mota, claro, que por esse mundo fora há muitas subidas...)

Adiante. O não-escândalo de hoje é sobre o conceito de "sem-abrigo" do INE.
Pondo a questão desta forma, uma pessoa até compreende a crítica:

Ficam assim excluídos do conceito de pessoa sem-abrigo:
• As pessoas a viverem em edifícios abandonados;
• As pessoas que, não tendo um alojamento que possa ser classificado de
residência habitual, no momento censitário estavam presentes em
alojamentos colectivos como hospitais, centros de acolhimento com
valência residencial, casas de abrigo, etc…
• As pessoas que, apesar de não terem uma residência habitual, no
momento censitário se encontravam em alojamentos de amigos ou
familiares;
• As pessoas a viverem em abrigos naturais, por exemplo grutas.


Mas, acrescentando o texto que precede esta lista, já fica mais difícil compreender tanto escândalo:

Considera-se sem-abrigo toda a pessoa que, no momento censitário, se encontra a viver na rua ou outro espaço público como jardins, estações de metro, paragens de autocarro, pontes e viadutos, arcadas de edifícios entre outros, ou aquela que, apesar de pernoitar num centro de acolhimento nocturno (abrigo nocturno) é forçada a passar várias horas do dia num local público. Está nesta última situação a pessoa que, apesar de poder jantar e dormir num abrigo nocturno, é obrigada a sair na manhã seguinte.

Sinceramente, não vejo motivo para tanta zanga. Quem, no momento do censo, não está a viver na rua, não é sem-abrigo. Do mesmo modo que quem, no momento do censo, tem um emprego que vai acabar no dia seguinte, não é desempregado.
A única dúvida é a história das grutas. Há trogloditas em Portugal?
Alguém que veja se se podem incluir nos pacotes de turismo cultural (pois se os tunisinos se fartam de ganhar dinheiro por conta disso!), depois pressiona-se o governo para pôr um IVA de 6% nos autocarros que levam os turistas às casas nas grutas, e está a andar: mais um nicho de mercado.

(Olha... acabei de inventar um projecto para propor no Prémio de Empreendedorismo Inovador na Diáspora Portuguesa, cujo prazo de inscrição termina daqui a 3 dias - quem diria que um não-escândalo como este faria avançar Portugal?... Nem sei de que se queixa a geração à rasca - é que isto é um país cheio de recursos!) (ó Heleninha, não seria melhor ires tratar já daquela tradução? olha que tem de estar pronta amanhã, e assim como assim já escreveste num post só disparates que chegam para uma semana inteira!)

***

Adenda (depois de ler este post): okupas são sem-abrigo?
"Aaaah, insultos é que não, meu! Não confundas pobreza extrema com filosofia de vida, pá!"

(o que me lembra mais uma dúvida: e os eremitas? e os que vivem no deserto e se alimentam de escaravelhos? serão sem-abrigo?) (a tradução, Heleninha, olha o tempo a passar, olha a tradução!)

9 comentários:

Blondewithaphd disse...

O que eu acho é que o momento censitário é muito troglodita...

Ant.º das Neves Castanho disse...

Sim, existem muitos "trogloditas" em Portugal e ninguém duvida disso...


E penso que há mesmo quem ainda resida em grutas, nomeadamente na Ilha da Madeira, onde são chamadas "Furnas". Pelo menos há poucos anos ainda conheci uma pessoa cuja Família vivia numa Furna, no Funchal. Presentemente o fenómeno talvez se tenha circunscrito ao Concelhos rurais da Madeira, não tenho dados sobre isso. Os Censos em curso, a seu tempo (e provávelmente...), esclarecer-nos-ão.

Gi disse...

a pessoa que, apesar de poder jantar e dormir num abrigo nocturno, é obrigada a sair na manhã seguinte

Sou eu! Janto e durmo em casa, mas na manhã seguinte sou obrigada a sair para trabalhar!

(Que parvoíce, este censo...)

Rosário disse...

Helena, já encontrei o comentário na mãe capotada e respondi.
obrigada por tudo!

Helena Araújo disse...

Rosário,
de nada. Espero que ajude!

Gi,
talvez noutros casos seja uma parvoíce, mas neste dos sem-abrigo parece-me que estão a criticar só pelo prazer de deitar abaixo.
Na Alemanha há uma expressão para isso: gente que consegue encontrar cabelos na sopa mesmo quando o cozinheiro é careca.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Muito bem, Helena. Ou mesmo quando o Cozinheiro já foi decapitado...


Prazer mórbido, que aliás em alguns casos, mais patológicos, já degenerou numa espécie de "necessidade fisiológica" de criticar tudo (vidé o artigo de Pedro Vieira, no «Arrastão», sobre o tema dos Sem-abrigo na Gare do Oriente, sem ponta de verdade, e também os respectivos e pavlovianos comentários - excepto um, que diz o óbvio: se o artista-escritor tivesse lido o formulário do I. N. E., nem sequer teria feito a triste figura que fez...)!


Mas que importa? Dizer mal é o verdadeiro Desporto nacional, mais popular (e alienante) ainda do que o próprio Futebol...

Ant.º das Neves Castanho disse...

Olha e já agora, quanto à tua visão da Política, que me parece demasiado idílica, não concordo nada que os dois principais Partidos devam "entender-se" quanto ao modo de ultrapassar a crise em Portugal. As coisas não se resolvem anulando as difierenças de opinião e com cínicas palmadas nas costas!


Há dois modelos de governar em causa. Um é o do Centro-esquerda (PS mais nada, pelo menos por enquanto), outro o do Centro-direita (PSD mais CDS). Se se entendessem, estariam a defraudar quem neles acredita.


A Democracia serve para escolher. O Povo é que é o Soberano. É ele, mais ninguém, que deveria ficar fechado num quarto, a pão e água, até se decidir a: a) escolher quem quer ver ao leme da Nação; b) aprender a respeitar a escolha da maioria; c) deixar de fazer queixinhas pueris e manifestações estéreis e puxar do fato-macaco e da ferramenta. Em termos colectivos, que é muito complicado.


Mas há bons e muito bons exemplos a seguir. Olha, a Alemanha em primeiro lugar, mas também a Escandinávia, o Reino Unido, a França.


Agora, se continuarmos apenas a suspirar pelo Lenine, pelo Salazar, ou pelo D. Sebastião, esta nossa conversa prolongar-se-á, com novos protagonistas, talvez por mais algumas décadas, ou mesmo Séculos...

Helena Araújo disse...

Mas o PS e o PSD têm diferenças de opinião?!
A única diferença que lhes vejo é no nome. De resto...

A Alemanha tem um respeito pela Democracia e pelos valores democráticos que em Portugal não há - e não sei como vai ser possível recuperar/criar.
Não tarda nada, temos o Paulinho dos submarinos (como é que é mesmo essa história que o Spiegel denunciou?) e das fotocópias (isso nunca foi esclarecido?) a ocupar outra vez uma cadeira ministerial.

Mas na Alemanha também vão acontecendo coisas que não dignificam o sistema, como esta recente defesa de um ministro que tudo indica ser um trafulha, ou o modo como mandaram fechar as centrais nucleares até ao fim das eleições...

A França escolheu um presidente muito esquisito (v. ciganos romenos, v. guerra da Líbia, só para falar de dois exemplos recentes), e está a dar sinais de guinar ainda mais à direita.

Quanto aos outros: não tenho acompanhado tanto.

Parece-me que antes do Povo, o que devia ser soberano era a Democracia. Quer dizer: o Povo só pode ser soberano se a Democracia for saudável, e assentar sobre regras e práticas muito claras e transparentes. O que o PS e o PSD andam a fazer à Democracia portuguesa é uma vergonha. Já a começar por isto: o Povo, o tal soberano, não sabe em quem votar. Não acredita em nenhum deles, quando muito vota contra o menos mau. É isto a Democracia?

Ant.º das Neves Castanho disse...

É. Isto mesmo, o governo da maioria. A ilusão da Meritocracia é que é o governo supostamente dos "melhores", mas é uma pura falácia. Não há, aliás, um único País em que ela esteja "implantada", como sabes.


E sim, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, existem diferenças substanciais entre o PS e o PSD, que se encontram filiados em correntes políticas europeias opostas.


O PSD é de Centro-direita e o PS de Centro-esquerda, para simplificar. E na essência, o primeiro acredita na iniciativa privada e na concorrência individualista, como solução para os problemas colectivos, e o segundo acredita na Democracia e no Estado Social. Se isto não são diferenças abissais...


Para além de que as pessoas que simpatizam com o PS e com o PSD têm de facto maneiras de ver bastante distintas, diria mesmo inconciliáveis em alguns aspectos.


Não vejo nenhum mal nisso. O mal está, como dizes, nas imperfeições do próprio sistema, não só nos agentes políticos.


A verdade é que, em termos de aprendizagem da Democracia, a Alemanha já leva três décadas de avanço sobre Portugal, a Escandinávia pelo menos cem anos, a França e os Estados Unidos mais de dois Séculos e a Inglaterra cerca de três e meio, pelo menos...