06 janeiro 2011

a responsabilidade do Estado e coisas do género

Esta semana houve outra vez reunião de representantes de pais na escola do Matthias. Vou sempre, mas sem grande vontade para aturar três horas de conversa sobre niquices dos regulamentos e siglas que não entendo.
Desta vez, contudo, houve uma discussão interessantíssima sobre valores.
Começou com uma professora a queixar-se da alteração de valores a que se assiste: respeitar o espaço público já não é cool. Deitar para o chão os lenços de papel usados é cool, colar a chiclete sob o tampo da mesa é cool, entupir as sanitas com tangerinas e bananas é cool, sujar propositadamente as paredes é cool. Dizer a um colega "porque é que não pões o teu lixo no caixote ali ao lado?" não é cool. E dizer a um professor que o colega fulano é quem anda a entupir as sanitas é o menos cool de tudo. Meia hora de discussão sobre como reajustar os valores, e se isso é tarefa dos pais ou da escola, ou de todos em conjunto. E que, obviamente (diziam eles, mas tenho as minhas dúvidas), os pais dos miúdos que fazem aquilo não aparecem na escola. Um pai sugeria que se fizesse um concurso "a sala mais limpa da escola" - os representantes dos alunos desatavam a rir. Uma mãe dizia que se o professor encontrava uma sala suja devia obrigar os alunos a limpar antes de começar a aula - os outros pais protestavam "paga o justo pelo pecador". Outra mãe dizia que, apesar de tudo, a nossa escola ainda é muito boa, porque os alunos não entram lá armados...
E num instante se estava a falar de roubos. Que não há cuidado em fechar a sala quando não está lá ninguém - e os representantes dos alunos a contar das horas que perdem à procura de um professor que lhes venha fechar a sala. Que há um número preocupante de roubos naquela escola (sobretudo antes do Natal) e que a escola tem de se responsabilizar por isso (!!!). E um pai a perguntar porque é que os alunos têm de andar com telemóveis caríssimos. E o director a perguntar porque é que têm de levar 100 euros para a escola quando ele próprio nunca anda com tanto dinheiro no bolso. E outra mãe a perguntar quem é que no seu local de trabalho deixa a carteira em cima da mesa enquanto vai à casa de banho. E uma outra a perguntar: viram? viram? estamos aqui a discutir a segurança na escola como se fosse lícito roubar o que se encontra à mão! como é possível incutir valores aos nossos filhos, se nós, os pais, já tomamos por normal que se roube e se estrague o equipamento colectivo?
E por aí fora, até que uma professora contou algo inacreditável: volta e meia passeia pelos corredores e, se vê uma sala deserta cheia de coisas dos alunos, "rouba" alguns objectos como medida pedagógica. Põe-nos na secretaria da escola, e fica à espera da reacção. Os telemóveis, i-phones, vernizes das unhas e assim são imediatamente levantados. Os livros escolares, os capacetes de bicicleta, os estojos de lápis, os compassos, os gorros, tudo isso ficaria meses à espera de ser levantado se ela não se desse ao trabalho de regressar à turma e perguntar o que é que pertence a quem.

***

Eu quase fiz uma sugestão sobre a limpeza na escola, mas temi o pior. Por isso, valente, faço-a aqui: uma vez por mês, numa manhã de sábado, a escola é limpa a preceito pelos pais e pelos alunos (e no dia anterior o serviço de limpeza fica de folga): esfregar o mobiliário e tirar-lhe as chicletes, limpar as paredes, recolher o lixo espalhado por todos os lados, esfregar as sanitas. As coisas são organizadas de modo a que cada família tenha de comparecer uma vez por ano. Só assim se garante que o uso do espaço escolar é tematizado em todas as famílias. Mas já sei qual seria a resposta: paga o justo pelo pecador, e além disso já pagamos muitos impostos para que estes serviços sejam assegurados pelo Estado.
O que me lembra daquela vez que levei a Christina e algumas amigas ao cinema, e no fim mandei uma das miúdas (que teria uns dez anos) recolher as pipocas que deixara cair para todos os lados, e ela me respondeu: "não tenho de fazer isso, o cinema tem empregados de limpeza para fazerem isso". E eu calei-me, que remédio. É muito difícil explicar a diferença entre ser lorpa e respeitar os outros.
Apanhei eu as pipocas, calada e furiosa. Com a ajuda da minha filha, sob o olhar compadecido das outras, que achavam que ela tinha uma megera como mãe.
Então está bem.

1 comentário:

Gi disse...

Ultimamente tenho ouvido muito esse argumento de que não nos compete fazer qualquer coisa porque há empregados pagos para isso - e se fizermos eles vão para o desemprego - e mesmo que não nos compete dar alimentos ou roupas a quem é pobre porque pagamos impostos para que seja o Estado a fazê-lo.

Percebo, têm razão, mas não deixo de sentir que há qualquer coisa errada em tudo isso.