(foto da Bild)
A frase mais divertida da semana:
"O governo alemão tenta retirar ao Sarrazin o domínio do espaço aéreo sobre as mesas de café".
Ouvi em alguns noticiários, não sei quem é o autor, e dá-me sempre vontade de rir.
(Pequena correcção em adenda - já sei quem é o autor: Petra Pau, do partido Die Linke. E não falava do governo alemão, mas dos dois chefes dos partidos de União Cristã, Merkel e Seehofer. Este último tem feito declarações de carácter nacionalista e populista.)
***
Fora de brincadeiras: o problema das provocações do Sarrazin é que ele, não vindo acrescentar mais informação ao que já é há mais de dez anos do conhecimento público e objecto de debate, bem como de programas de correcção, o faz de um modo que se encaixa perfeitamente naquilo que faz funcionar as exaltadas conversas de café: meias-verdades, exageros, generalizações, simplificações idiotas, apelo aos medos - sobretudo ao medo do "outro".
Entretanto já se coloca a questão sobre o modo como os media ajudaram a produzir e amplificar o fenómeno Sarrazin. A sua posição - como alto funcionário do partido socialista e membro da administração do Banco Central (cargo por nomeação política) - e o eco que recebeu na comunicação social tiveram como consequência uma grave descida de nível no debate sobre os problemas de integração.
Até aparecer o fenómeno Sarrazin, não era de bom tom falar dessa maneira, geralmente associada a uma baixa condição social. As pessoas esforçavam-se por articular um discurso informado, diferenciado, livre de preconceitos e conforme aos princípios básicos da constituição alemã. O que dá trabalho, obviamente. Mas havia um certo pudor em pôr-se retoricamente ao nível de um, digamos, operário não-qualificado, desempregado de longa duração, após a terceira cervejinha.
Quando apareceu um alto funcionário do aparelho de Estado a falar nestes termos, foi um bodo aos pobres. Finalmente é possível dizer abertamente o que nos vai nos instintos! Acabaram-se os constrangimentos! De um momento para o outro, um número surpreendente de alemães apoia o Sarrazin e aquela sua maneira desbragada e indigna de se exprimir sobre pessoas de outras culturas e religiões.
O título do livro do Sarrazin ("a Alemanha está a destruir-se") está muito bem achado. E foi o Sarrazin, ele próprio, quem deu uma tremenda machadada naquilo que a Alemanha tinha de melhor. Fez mais pela destruição da Alemanha do que muitos imigrantes não integrados.
Não pondo em causa a liberdade e a obrigação de informar, pergunto: não teriam prestado um melhor serviço à constituição alemã se, ao noticiar sobre o Sarrazin, tivessem imediatamente procedido à desconstrução das suas teses?
Esses suplementos informativos vieram com atraso e num número reduzido de canais de comunicação, num momento em que já era muito mais difícil acalmar os ânimos e apelar à racionalidade nas mesas de café.
Liberdade de informação? Obrigação não apenas de informar, mas também de formar? Censura?
Um episódio que é mais uma achega para continuar o necessário debate sobre a responsabilidade dos mass media.
"O governo alemão tenta retirar ao Sarrazin o domínio do espaço aéreo sobre as mesas de café".
Ouvi em alguns noticiários, não sei quem é o autor, e dá-me sempre vontade de rir.
(Pequena correcção em adenda - já sei quem é o autor: Petra Pau, do partido Die Linke. E não falava do governo alemão, mas dos dois chefes dos partidos de União Cristã, Merkel e Seehofer. Este último tem feito declarações de carácter nacionalista e populista.)
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Fora de brincadeiras: o problema das provocações do Sarrazin é que ele, não vindo acrescentar mais informação ao que já é há mais de dez anos do conhecimento público e objecto de debate, bem como de programas de correcção, o faz de um modo que se encaixa perfeitamente naquilo que faz funcionar as exaltadas conversas de café: meias-verdades, exageros, generalizações, simplificações idiotas, apelo aos medos - sobretudo ao medo do "outro".
Entretanto já se coloca a questão sobre o modo como os media ajudaram a produzir e amplificar o fenómeno Sarrazin. A sua posição - como alto funcionário do partido socialista e membro da administração do Banco Central (cargo por nomeação política) - e o eco que recebeu na comunicação social tiveram como consequência uma grave descida de nível no debate sobre os problemas de integração.
Até aparecer o fenómeno Sarrazin, não era de bom tom falar dessa maneira, geralmente associada a uma baixa condição social. As pessoas esforçavam-se por articular um discurso informado, diferenciado, livre de preconceitos e conforme aos princípios básicos da constituição alemã. O que dá trabalho, obviamente. Mas havia um certo pudor em pôr-se retoricamente ao nível de um, digamos, operário não-qualificado, desempregado de longa duração, após a terceira cervejinha.
Quando apareceu um alto funcionário do aparelho de Estado a falar nestes termos, foi um bodo aos pobres. Finalmente é possível dizer abertamente o que nos vai nos instintos! Acabaram-se os constrangimentos! De um momento para o outro, um número surpreendente de alemães apoia o Sarrazin e aquela sua maneira desbragada e indigna de se exprimir sobre pessoas de outras culturas e religiões.
O título do livro do Sarrazin ("a Alemanha está a destruir-se") está muito bem achado. E foi o Sarrazin, ele próprio, quem deu uma tremenda machadada naquilo que a Alemanha tinha de melhor. Fez mais pela destruição da Alemanha do que muitos imigrantes não integrados.
Não pondo em causa a liberdade e a obrigação de informar, pergunto: não teriam prestado um melhor serviço à constituição alemã se, ao noticiar sobre o Sarrazin, tivessem imediatamente procedido à desconstrução das suas teses?
Esses suplementos informativos vieram com atraso e num número reduzido de canais de comunicação, num momento em que já era muito mais difícil acalmar os ânimos e apelar à racionalidade nas mesas de café.
Liberdade de informação? Obrigação não apenas de informar, mas também de formar? Censura?
Um episódio que é mais uma achega para continuar o necessário debate sobre a responsabilidade dos mass media.
2 comentários:
Vai a Kommunikationskongress.de ver no Live Stream a discussao final, vais gostar muito!
(se nao encontrares resmunga comigo)
Concordo completamente! O mesmo acontece, diáriamente, em Portugal: são os analistas políticos, os comentadores, os politólogos e, de um modo geral, a "élite intelectual" do País - desde o asco Graça Moura ao Vasco Pulido Valente, passando pela fraude Medina Carreira, que nem sequer o curso de Economia acabou! - que rebaixam absurdamente o nível da discussão pública (e, sobretudo, do pensamento da Política) ao nível do táxi, da banca do peixe, ou da bancada do Estádio de Futebol (e nem sequer são precisas cervejinhas, nem copos de três...)!
Quando o "povão" desnorteado e inculto vê os seus supostos "ilustres" a falar descontroladamente, na televisão e nos jornais "de referência", tal qual a sua empregada doméstica, ou o seu mecânico, no café do Bairro, percebe-se melhor o porquê da incongruência e do cheiro a esgoto mental nas páginas de comentários dos jornais e dos blogues populares e nas mensagens abjectas que circulam como projécteis pela "net" fora!
E compreende-se melhor por que é tão difícil, actualmente, problematizar e conversar de forma distendida sobre os principais assuntos colectivos, sejam eles a Escola dos Filhos, ou o novo Orçamento de Estado...
Parabéns pelo tema e pela clareza da escrita.
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