Rita,
a propósito da tua série sobre a Alemanha e o debate da integração (I , II , III) (cuja leitura recomendo a todos), e em especial como resposta a este post:
Uma das coisas que aprendi quando fazia parte do conselho de estrangeiros de Weimar foi o uso actual das expressões multiculti e interculti. Multiculti associa-se a sociedades paralelas, não comunicantes (que não queremos), enquanto que interculti é, afinal, o conceito de multiculti que referes (o objectivo a atingir).
Penso que o multiculti que a Angela Merkel diz ter falhado tem ainda um outro sentido. Aquilo a que ela, mal ou bem, chamou "conceito multiculti" não é a sociedade multiculturista como a defines no início do post, mas - no fundo - essa tal inércia por parte dos alemães perante a realidade da imigração, e os resultados da atitude de deixar andar.
Infelizmente ainda não encontrei o discurso inteiro. Só vi algumas passagens na TV. Terá sido algo do género:
O conceito multikulti, segundo o lema "agora vivemos lado a lado e damo-nos muito bem" falhou redondamente. (...) No passado, exigimos pouco dos nossos imigrantes. Os imigrantes deveriam conhecer as leis e a língua alemãs.
Esta passagem, que parece estar na base das críticas levantadas à Merkel, é em minha opinião absolutamente inócua. E se tomarmos em conta que, um pouco mais à frente, citou aquela frase do Presidente da República que deixou muitos alemães escandalizados ("a Alemanha é terra de cristãos e judeus, mas também de muçulmanos", acrescentando que negar isto é recusar-se a ver a realidade), parece-me que dificilmente a podemos acusar de manobrar para agradar à extrema direita.
(Por azar, o jornal Neues Deutschland - o Avante alemão? - não me dá razão. Aqui, em alemão. Mas não vou traduzir. É muito longo...)
É evidente que a Alemanha cometeu um grande erro quando pensou que não era preciso fazer nada para integrar esses imigrantes turcos, e que eles de qualquer modo ao fim de uns anos regressariam a casa. É verdade que, quando deixaram de ser necessários e a Alemanha iniciou um programa de regresso voluntário, os portugueses, espanhóis, gregos e italianos foram-se embora, mas o número de turcos continuou a crescer. Só há cerca de dez anos os alemães despertaram para a sua realidade de país de imigração, e começaram finalmente a trabalhar para uma sociedade multicultural na acepção que referes. Há obviamente muito trabalho a fazer, de parte a parte, para corrigir constelações perversas entretanto consolidadas e para construir a pouco e pouco uma plataforma comum de entendimento, onde haja espaço para as diferenças.
Gosto do modo como o debate está a decorrer dentro da própria CDU/CSU: as afirmações do Seehofer são rebatidas por ministros do mesmo partido ("é óbvio que precisamos de imigrantes" - e apresentam imediatamente um projecto para atrair à Alemanha bons profissionais estrangeiros) e até pelo Presidente da República (do mesmo partido), que na sua visita à Turquia começa por declarar que é um disparate dizer que há grupos que não são capazes de se integrar. E gosto especialmente do Conselho Judaico a dizer "eh, lá!" ao Seehofer.
4 comentários:
Helena, o problema é que eles chamam "multikulti" ao que fizeram no passado (i.e. rigorosamente nada) e usam isso como argumento numa discussao deológica e política que opoe esse modelo a outros.
Imagina: eu passei os últimos três anos a comer pastéis de nata e hambúrguers, intercalados com golos de coca-cola. E depois dizia: eu tenho estado a fazer uma dieta equilibrada e engordei 20 kg, pelo que uma dieta equilibrada nao funciona. Vou adoptar a dieta de Atkinson.
Como eles nao tentaram nunca ter uma política de acolhimento e muito menos uma política de acolhimento de tal forma concertada que se lhe pudesse dar um nome que corresponde a um modelo etudado, dizer que ele falhou é falso.
Podemos achar que isto é irrelevante, que multikulti é o nome que dao ao que se fez até agora e que para a frente é que é o caminho. Afinal, é só uma palavra. Mas se eles usarem o falhanço do Multikulti para defender outras teorias e para recusar qualquer proposta que tenha esta como base, entao temos de poder discutir conceitos e modelos.
E reduzir o Multikulti à inércia alema e a este assobiar para o lado colectivo é francamente demagógico.
Rita, até certo ponto compreendo a tua perspectiva, mas mesmo assim sustenho que não é tão grave a Merkel usar uma palavra com o sentido que já lhe é dado há vários anos. Tanto mais que ela até explicou bem o que queria dizer: "viver lado a lado, achando que nos vamos dar todos bem".
(E não me venhas com o exemplo das dietas: hei-de-te mostrar umas dietas americanas infalíveis. Incluem bolachinhas, tostas com manteiga e compota, nem queiras saber. ;-) )
Em todo o caso, fico alerta. A ver se eles de facto usam o falhanço do multiculti para defender outras teorias. Mas quais? Como não há um modelo fixo de multiculti, também não se saberá determinar onde há afastamentos do modelo.
Por exemplo, a Leitkultur que voltou ao centro da discussão. É um afastamento, ou uma condição sine qua non?
Ai, esqueci-me do mais importante: sundaes para emagrecer. Aquilo que aqui é um absoluto no-go, para eles é dieta. Inacreditável.
Tenho de encontrar aquela revista!
Condiçoes sao a democracia, o Estado de Direito, o respeito pelos princípios elementares que regem a nossa vivência em conjunto (leste aquela estatística sobre as opinioes dos jovens emigrantes sobre o Estado de Direito?).
Nao condiçoes sao ter lido a constituiçao, saber como se elegem os depputados em quem nunca vao poder votar e por quem nunca serao representados, apreciar o Günter Jauch, o Thomas Gottschalk, o Goethe e o Schiller, ler o FAZ e gostar do Grönemeyer (afinal era? Bolas! Pronto, pronto, vou já fazer as malas!).
Acho Kultur a palavra errada (ou pelo menos uma palavra perigosa) e Leitkultur um termo especialmente perigoso quando dizes que queres partir para o diálogo entre culturas. Soa a democracia musculada, menos a diálogo, mais a educaçao.
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