11 junho 2010
Cluny
Quando eu tinha dez anos, li no meu livro de História um relato sobre a Abadia de Cluny. Dizia-se: importantíssimo centro religioso medieval e maior mosteiro da Europa.
A partir daí, e embora viesse num livro escolar, lugar algo propenso a matar curiosidades e fascínios, habituei-me a imaginar a Abadia de Cluny como um lugar mítico, e sonhava um dia poder entrar nela e sorver na sua semi-penumbra o respirar dos séculos.
Qual não foi o meu espanto quando fui a Cluny e dei com o descampado onde ficava a Abadia. Apenas isso, e um torreão, e um moinho ou algo do género. Após a revolução francesa, o conjunto foi vendido e transformado na maior pedreira da Europa. Hoje em dia, os guias turísticos da cidade ganham a vida apelando à capacidade de imaginação dos visitantes.
Como nós cá não precisamos de pagar a ninguém para começar a imaginar coisas, passeámos pela cidade, sem guia turístico, em busca dos vestígios da gatunagem. Olhávamos para as fachadas, e debatíamos, feitos Sherlock Holmes da arquitectura antiga: de onde terão vindo estas pedras? Terão sido da abadia? Serão originais?
Cansados de levantar falsos testemunhos a meia cidade, dirigimo-nos para a antiga estação ferroviária, onde há uma loja que aluga bicicletas. Após a suspensão da linha, converteram a via em estrada para ciclistas, pelo que agora é possível atravessar a Borgonha de bicicleta em caminhos com pouca inclinação e risco nenhum, passando por lugares com nomes que de algum modo nos estão no ADN, como: Charolles, Givry, Beaune (enfim, talvez não seja tanto no ADN como no sangue. Na taxa de álcool no sangue...)
O dono da loja é uma simpatia, e um modelo de confiança. Entregou-nos as bicicletas sem exigir sequer que lhe mostrássemos o cartão crédito, ou algum documento de identificação. "Paga depois, quando entregar as bicicletas", disse ele.
Mesmo antes de a loja fechar, alugámos por uma hora um carro alto movido a pedais, e deu-nos um cadeado para o deixar fechado quando regressássemos.
"Se não está aqui quando regressarmos, como sabe que não vamos andar quatro horas pagando apenas uma?"
Encolheu os ombros. Deve estar habituado a gente honesta, nem lhe passa pela cabeça que alguém faça uma trafulhice. Abençoados clientes que vieram antes de nós!
Agradecemos, e saímos a pedalar paisagem fora. E voltamos ao fim da hora combinada, também por causa dos clientes que virão depois de nós.
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