Quando, há cerca de um quarto de século, constou que iam fechar o troço ferroviário Pocinho/Barca de Alva, fiz com os meus irmãos uma viagem de despedida: a linha do Douro completa, do Porto até à fronteira.
Um belo Sábado saímos bem cedinho, e passámos a manhã num comboio que vagarosamente atravessava paisagens míticas. Procurámos vestígios de Jacinto e Zé Fernandes nas casas e nos caminhos, vestígios da Ferreirinha a boiar nas águas turvas.
Ao princípio da tarde chegámos finalmente ao nosso destino, Barca de Alva no fim do mundo.
Almoçámos no restaurante da estação, onde galinhas e cães passeavam pelo meio das mesas vazias.
(era muita antes do tempo da ASAE)
Que será feito desse troço? Que será feito das suas estações? Haverá ainda, junto à fronteira de sítio nenhum, um restaurante cheio de galinhas que pacatamente debicam a tijoleira do chão?
Nada como a internet para responder a estas e outras questões. Este site faz um levantamento da situação actual. Uma tristeza.
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No fim de semana passado, quando estava em Utrecht, lembrei-me muito destas estações abandonadas, porque seriam um óptimo lugar para organizar festas como aquela em que estávamos. Explico melhor: nessa festa, um casal alemão, residente na Holanda, comemorava 10 anos de casamento e mais 40 anos de vida cada um. Noventa não é um número muito redondo, mas qualquer motivo é bom para comemorar com amigos e família. Para albergar toda aquela gente vinda da Alemanha, encontraram uns antigos barracões convertidos em albergue. O lugar não é muito bonito, convenhamos: um forte feioso, com uns cem ou duzentos anos mas a imitar os quinhentistas, convertido em brasserie; dois barracões arranjados de forma muito bonita; vários barracões militares não arranjados de todo. Tudo espalhado por um terreno fresco de relva e imensas árvores.
Num dos barracões fizeram quartos; no outro, uma grande sala de festas e, sob o telhado, um amplo dormitório, simples e com camas muito confortáveis.
Os aniversariantes e a família levaram toda a comida, as pessoas ajudaram a cozinhar e a lavar a louça, os convidados fizeram eles próprios as camas com a roupa posta à disposição pelo albergue, a brasserie serviu a comida para o lanche com os amigos holandeses, que apareceram na tarde de sábado (lembrem-me depois para vos dar umas receitas de sanduiches de pão com pão).
Gosto desta maneira muito alemã de não pôr a comida no centro das festas, mas a própria festa.
Perguntei-me se em Berlim haverá lugares destes, não muito caros, para nos encontrarmos durante dois ou três dias com os amigos. E há, há: albergues de juventude, junto a lagos (com barquinhos e imensas outras actividades de recreio e desporto), onde pedem uns 27 euros por diária, pensão completa. Já comecei a fazer contas de cabeça quando é que nos calha um aniversário mais ou menos redondo, já me apetece uma festa com espaço e muito tempo para os amigos.
De Berlim a Portugal é um saltinho no coração de uma emigrante, e foi assim que me lembrei das estações da linha do Douro.
Portanto, aqui vai uma ideia fantástica (modéstia à parte):
- recuperar a linha do Douro, articulando-a com a espanhola (parece que já andam a pensar nisso);
- criar percursos especiais para o turismo de qualidade que o Vale do Douro oferece (por mim, nem precisa de ser o comboio a vapor, e muito menos aquela palhaçada do farnel com vinho do Porto e do grupo folclórico por preços astronómicos);
- reconstruir as estações abandonadas como pequenos albergues self-service ou espaço para festas deste tipo;
- criar pequenos equipamentos de lazer de baixo custo: piscina fluvial, aluguer de barcos, etc., bem como uma loja para oferecer os produtos regionais e um restaurante simples de comida tradicional;
- comprar galinhas para espalhar no restaurante, caso as outras já tenham morrido (acreditava e não me admirava, que já lá vão 25 anos) (dizemos à ASAE que aquela parte da vila já é Espanha).
E agora com licencinha, vou ali perguntar à CCDRN se acabei de reinventar a roda, que é uma das minhas maiores especialidades.
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Algumas fotos do Fort aan de Klop, em Utrecht:
entrada para o recinto do forte
dentro do forte a brasserie, à esquerda os barracões tornados albergue
o salão de refeições e festa, com a cozinha industrial ao fundo, ao lado direito
brincar com árvores e simples palettes pintadas
enquanto dentro de casa se conversava e tocava guitarra (canções dos velhotes), os mais novos assavam massa de pão em espetos compridos, e brincavam com o fogo como é habitual nestas idades...
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