Ouvimos um barulho assustador na rua, fomos ver: no Ku'damm passava um grupo de várias centenas de pessoas vestidas de preto, a ribombar palavras de ordem. Extrema-direita ou extrema-esquerda?, perguntámo-nos. Ah, bandeiras da Alemanha e do NPD: extrema-direita.
Ao lado deles corriam alguns polícias de capacete e viseira baixa. Admito que este desfile não estivesse previsto, porque é costume haver muitos mais polícias que manifestantes deste género.
Várias carrinhas da polícia passaram ruidosamente, tentando adiantar-se ao grupo.
Esta demonstração de força à porta da minha casa encheu-me de susto e impotência: então era assim, há oitenta anos nas avenidas de Berlim; foi a semelhante manifestação de força que Max Liebermann assistiu da sua janela quando comentou "não consigo comer tanto quanto me apetecia vomitar".
Até que ponto é que uma Democracia se consegue defender?
Wowereit, o Ministerpräsident de Berlim, apelou à não-violência, e lembrou que "o direito a fazer manifestações não é o direito à violência e a desrespeitar as regras".
Lembra bem, mas para ouvidos moucos.
Há vários anos que o primeiro de Maio é um dia de violência desenfreada. Em Kreuzberg é a data marcada para uma orgia de destruição e confronto com a Polícia, numa mistura de gente que dá literalmente o corpo ao manifesto contra o sistema (na sua face visível: os Mercedes estacionados, os polícias) e gente que vem fazer a experiência de um happening de brutalidade. No ano passado foram feridos 500 polícias, e não se sabe quantos manifestantes.
Este ano as coisas complicaram-se ainda mais, porque foi autorizada uma manifestação de neonazis, o que exige uma contra manifestação (na qual participam não apenas cidadãos preocupados com este rumo da Democracia, mas também os agitadores-por-hobby de Kreuzberg, em algum intervalo de incendiar carros...) e, se as coisas correrem mal, pode haver batalhas campais nas ruas da cidade.
Tive pena dos polícias que corriam ao lado dos neonazis do Ku'damm. Hoje estão apanhados entre duas frentes que pouco têm em comum, excepto um enorme potencial de violência e um ódio desmedido a este Estado, do qual os agentes da ordem são o símbolo mais fácil de atacar.
Na rua ouvem-se sirenes da Polícia, no céu sobre Berlim há helicópteros militares.
Vou meter o carro na garagem, e resistir à tentação de ir de autocarro ver os confrontos.
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