15 março 2010

não perguntei

O meu sogro nasceu em 1935.
Quando a cidade onde vivia começou a ser bombardeada (e vejo agora que não perguntei em que ano), a família refugiava-se na cave, com os outros habitantes do prédio (esqueci-me de perguntar se tinham alguma luz). Lembro bem o seu sorriso ao contar que a mãe, uma mulher muito decidida, dizia com a sua voz segura, mais forte que as sirenes e o estrondo das bombas: "a nós não nos vai acontecer nada!" - e ele acreditava, com toda a confiança que um rapazinho põe na sua mãe, e atravessava aquelas noites descansado.

Morreu há uma semana. Repentinamente, ao fim de um dia perfeito, tendo ao seu lado a mulher e o melhor amigo.
Deixou, como todos, muitas histórias inacabadas: agora me vou dando conta de tudo o que não perguntei.
Deixou também muitos exemplos de como uma pessoa simples e sem poder é capaz de tornar o mundo um lugar melhor.

14 comentários:

Gi disse...

É verdade, devíamos perguntar mais, devíamos aentar-nos à beira dos mais velhos e ouvir as histórias deles, e maravilhar-nos com o que não imaginávamos que eles fossem.

Lamento a perda do seu sogro, Helena.

Catarina disse...

Desses exemplos o mundo não fala. Mas a diferença positiva que certas pessoas fazem no seu seio familiar e de amigos é tão grande que se torna abrangente, vai além dos limites da intimidade familiar.

maria disse...

sentidos pêsames, Helena. Para ti e para toda a família.

Um beijo

Helena Araújo disse...

Gi,
o meu sogro não era velho.
Nunca tinha tempo para se sentar a contar histórias. Andava sempre a preparar mais uma viagem em grupo a uma região histórica francesa, ou um debate sobre não-sei-quê não-sei-onde...
O meu marido passou várias horas a telefonar a pessoas diferentes para dizer que o pai tinha morrido e por isso não podia concluir o projecto. Os projectos.

Em suma: não era um velho "como os outros".
Mas é verdade: é muito enriquecedor gastar tempo para sentar-se junto aos mais idosos a ouvir as suas histórias.

Helena Araújo disse...

Catarina,
a gente não sabe mesmo as ondas que podem nascer dos nossos gestos. Ainda hoje falei da generosidade de alguém que mal me conhecia e me ofereceu várias horas para me mostrar San Diego. Quando lhe agradeci, respondeu: "faz a outra pessoa o mesmo que te fiz".

Helena Araújo disse...

MC,
obrigada.

Catarina disse...

Sim, é verdade, Helena.
Dá se queres receber.

António P. disse...

foi também a sensação que tive quando o meu psi morreu ( com 73 anos ): e agora as pergunats que nunca fiz já mnão as posso fazer.
Como que a dizer-me porque não as fiz ?
Desejo que saiba ultrapassar este momento de dor, Helena.

António P. disse...

errata :
onde se lê "psi" deve ler-se "pai"

Helena Araújo disse...

Ainda bem que corrigiu, António.
Estava eu aqui a pensar "muito nos conta..." ;-)

É, também pensei isso em relação ao meu pai. Todas as coisas em que a gente não pensa enquanto estamos todos vivos, e de repente falta-nos um elo e com ele algumas peças da nossa própria história.

Gi disse...

Helena, no meu comentário não chamei velho ao seu sogro, apenas mais velho.

Manuel A. Ribeiro disse...

Aqui ficam os meus sentimentos e o sinal de eu ainda não morri. Vou tentar postar um texto sobre a Páscoa.

Até breve.

Helena Araújo disse...

Gi,
nem que tivesse chamado velho, isso não era problema!
O curioso é eu descobrir que não o achava velho. Nem sequer mais velho.
Porque haveria? Cheio de saúde, e extremamente activo. Era "um dos meus".

Helena Araújo disse...

Manuel António,
mas que bela surpresa!
Sim, por favor, publica o teu texto!
Eu vou sair na quinta-feira da Semana Santa, e volto dez dias depois.
Podemos combinar que manténs tu os serviços mínimos, e apreoveitas para elevar o nível?