16 março 2010

manual para funerais

Já estive em vários funerais na Alemanha, mas as circunstâncias deste permitiram-me notar um conjunto de diferenças em relação aos cerimoniais da morte em Portugal.

Alguns apontamentos (e prometo que passo já a outros temas):

Na Alemanha, costuma haver cerca de uma semana entre a morte e o funeral, o que permite à família escrever e enviar participações, em vez de depender de uma rede de amigos para passarem rapidamente a notícia. Enquanto ajudava a pôr selos nos envelopes, lembrava-me com gratidão do afã dos meus amigos portugueses num caso semelhante, e do carinho que acompanha esse gesto.

Nunca vi na Alemanha um velório longo e mudo. A família e os amigos não se reunem em volta do corpo - que, durante a semana de espera, fica numa câmara fria. Esta é também uma grande diferença em relação a Portugal. Dantes, achava esta semana insuportável: como é possível a vida continuar enquanto o corpo daquela pessoa está depositado algures? Ao fim de vinte anos neste país, e de alguns funerais, tive oportunidade de descobrir a vantagem deste hiato: as pessoas têm tempo para se preparar, para irem fazendo o luto, para organizar a cerimónia. Para se organizarem interiormente, para sair do choque.

Na capela funerária, antes do início das exéquias, alguém (geralmente amigos) toca um instrumento musical. Também é reservado algum tempo para elogios fúnebres.
Os melhores amigos têm um lugar central na cerimónia de despedida.

No próprio cemitério há música.
Para o funeral do meu sogro chamaram um trompetista. Havia uma grande simplicidade e poesia naquele homem sozinho, ao fundo do cemitério coberto de neve, e na música que indicava ao cortejo a direcção a seguir.
No funeral de um irmão dele houve um orquestra de jazz de New Orleans (um bocadinho estranho, mas era o seu desejo).

Alguém colocou um grande jarrão com rosas junto à campa. Também havia um balde com terra, que foi ignorado por todos - em vez de terra, deixaram flores sobre o caixão.

Algumas famílias têm a tradição de, depois do funeral, convidar todos os presentes para um restaurante. O nome desta refeição é horrível: Leichenschmauz (= festim do cadáver), que o Porto Editora muito elegantemente traduz para banquete fúnebre.
Banquete não é o nome mais certo para um menu bastante simples. A ideia, essa, é muito boa: reunir-se de novo em memória daquela pessoa, e terminar o dia rodeado de amigos e familiares num ambiente reconfortante.

Uma tradição que não conhecia, e me surpreendeu: as pessoas que vinham dar as condolências à minha sogra entregavam-lhe também um envelope com um cartão e dinheiro. Ora aí está uma óptima ideia: ajudar a família a suportar os custos do funeral!

***

Uma parte que interessa apenas aos cristãos: fazer a missa depois do funeral, e não antes. Porque não é a terra que tem a última palavra, mas a confiança na vida eterna.

4 comentários:

Paulo disse...

Tenho uma amiga e colega que nasceu cá, em 1945, filha de alemães (mãe católica e pai judeu). O irmão morreu num acidente horrível em fim de semana grande e teve de ficar vários dias à espera de quórum para ser sepultado no cemitério judeu de Lisboa. A mãe foi cremada no Alto de São João ao som do Requiem de Mozart, segundo a sua própria vontade. Em ambas as ocasiões houve sopa em casa da H.
Isto só vem ao caso porque foram as minhas experiências mais parecidas com funerais alemães.

P.S. Já os tios paternos da minha amiga não tiveram sorte igual à do seu (dela) pai. Optaram por ficar na Alemanha, não acreditando que as coisas pudessem tomar o rumo que o irmão adivinhou.

Helena Araújo disse...

Paulo,
Mal a gente se distrai um bocadinho, lá tropeça outra vez no Holocausto. Que tragédia a dessa família!

Por causa dos teus posts sobre camélias, ando há dias para te contar de detalhe lindo no funeral do avô de uns amigos: foi no Minho, no Inverno, e pediram a todos que trouxessem camélias dos seus jardins. Não havia coroas, ramos, nada disso. Só um mar de camélias sobre o caixão.

Na família do Joachim há uma florista fabulosa. Dizem que é das melhores de Munique. Uma vez vi as flores para um caixão, preparadas por ela, que me deixaram imensamente comovida: do lugar do coração brotava uma nascente de rosas brancas, que se alargava como uma corrente de água e caía para os lagos em cascata. Um efeito maravilhoso.

Paulo disse...

Só posso dizer que o senhor teve uma grande sorte no momento de dizer adeus à vida. Partir num mar de camélias é bonito, se bem que eu também goste de malmequeres, ficam já os leitores avisados.

Helena Araújo disse...

Duly noted!

;-)

(para daqui a mais ou menos quinhentos anos, entenda-se)