Para variar, desloca-se o campo da batalha para o corpo das mulheres, em vez de resolver um problema causado pelos homens.
Vejamos: no início, a burqa foi inventada pelos homens para se protegerem de si próprios, e para preservarem a propriedade familiar, digo, o bom nome das "suas" mulheres.
Neste momento, na Europa do século XXI, algumas mulheres alegam que usam a burqa para se protegerem do olhar masculino. Haverá outros motivos, mas fiquemo-nos por este, para já. E agradeço que me expliquem: se o problema é o olhar masculino, porque é que as mulheres usam burqa, em vez de se aplicarem palas de burro aos homens que não se sabem controlar?
Aceitar o uso da burqa como protecção, equivale a aceitar a insinuação de que a simples presença de homens no espaço público representa uma ameaça para as mulheres, ou pior: aceitar que os homens podem ter no espaço público um comportamento tal que obriga as mulheres a esconder-se sob uma burqa. É isto a Europa?
Se vamos por aqui, daqui a nada vamos ter juízes a ralhar com a vítima de violação, perguntando-lhe porque é que foi passear de mini-saia para a coutada do macho latino. Vamos ter bispos a sugerir que se alargue a lei civil à sharia, para respeitar a cultura de outras comunidades que vivem no espaço europeu. E vamos ter juízas de família pouco preocupadas com um caso de violência doméstica, porque já se sabe que em certos contextos culturais esta chega a ser um dever do chefe de família (aliás: fazemos tanto barulho por causa do casamento dos homossexuais, mas não nos preocupamos com casamentos arranjados pela família para pessoas que não se conhecem?! E como é possível que a nossa sociedade permita o casamento civil a pessoas que não têm a menor intenção de respeitar princípios tão básicos como a liberdade real de escolha e a igualdade dos membros do casal?).
Não. Na Europa não se pode aceitar essa desculpa da burqa como protecção. Se há homens que são uma ameaça, eduquem-se.
E que ninguém ouse insinuar que o olhar do meu marido ou do meu filho desonra uma mulher - insultos é que não!
Já contei aqui uma vez: ia eu por uma rua de Weimar atrás de uma adolescente que levava uma super-mini-saia, tão super-mini que deixava metade das nádegas à mostra. Os homens por quem ela passava olhavam muito disfarçadamente; vi que um fez um sinal discreto a outro, que olhou também pelo canto do olho. Andei assim uns trezentos metros, e em momento algum houve um "comia-te toda" ou "kssss" que fosse.
No outro extremo está o ambiente evidenciado no desabafo de um alemão residente num bairro berlinense onde vivem muitos turcos não integrados. Dizia ele que algo está a correr muito mal nesta sociedade se a sua mulher recebe diariamente várias propostas de procriação no caminho entre a casa e o emprego.
E pronto, é isso: se os homens tornam as ruas um lugar inseguro e desagradável para as mulheres, o problema está nos homens. Aceitar a burqa como solução é um insulto inaceitável, e um precedente grave, porque dá um sinal errado sobre a evolução que se pretende para a nossa sociedade.
4 comentários:
Boa noite Helena,
Já vi que as férias brancas foram boas. Regressou em grande forma. Uma abordagem diferente que se junta a outra que vão no mesmo sentido :
"aceitar a burqa como solução é um insulto inaceitável".
Cumprimentos
Obrigada, António.
Pois é: temos muita gente diferente, mas um único espaço público. Era só o que me faltava, ter de pôr um lenço a tapar a cabeça para me sentir mais ou menos segura numa rua de Berlim!
Eu concordo com o que diz, apenas tenho uma conjectura diferente para a origem do trajo: deve ter nascido no deserto, onde as tempestades de areia devem tornar cómodo o uso de uma burqua, ou do nikab, os beduínos também andam no deserto com aqueles panos na cabeça que só lhes deixam ver os olhos. Mas a certa altura essa função útil em circunstâncias específicas (tempestades de areia) derivou para uma tradição aberrante.
Provavelmente tem razão, jj.amarante.
Eu devia ter escrito: "no início, o uso da burqa foi imposto às mulheres etc."
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