E por falar em cumprir preceitos religiosos e se tornar pesado para os outros:
Andava na internet à procura de uma receita (em alemão) para carne assada, e encontrei esta frase: "na Sexta-feira Santa vou fazer um jantar para cinco ou seis pessoas; estava a pensar num bom lombo de porco assado..."
Era um chat. As pessoas foram dando sugestões.
Só ao fim de dez ou quinze participantes apareceu alguém a dizer "Sexta-feira Santa é o dia menos apropriado para um lombo de porco assado. Talvez fosse boa ideia averiguar se os convidados se sentirão bem com essa escolha."
Uns dias mais tarde, a pessoa que ia dar o jantar rematou: "gostaram imenso!"
Ora aqui estamos nós: no coração do Ocidente Cristão, num país onde o descanso dominical ainda é levado muitíssimo a sério, aparecem-nos estas pessoas que não respeitam os mínimos...
Para mais, carne de porco - desta vez não posso deitar a culpa para os fundamentalistas islâmicos, que "andam a infiltrar" a nossa cultura.
Isto não é uma queixa, é uma constatação. Tal como no caso do matrimónio, as tradições e os conteúdos actuais do Ocidente Cristão estão a ser transformados a partir do seu próprio interior. O perigo - se se pode falar em perigo - não vem dos "outros".
E cosi la barca va - reinventando mapas e rumos, remos e remadores.
(andava uma pessoa na internet descansadamente à procura de uma receita para carne assada...)
10 comentários:
Eu nunca fui a um jantar na Alemanha em que não perguntassem às pessoas de necessidades específicas. Agora não são só os religiosos. São também os vegetarianos, os vegan e os alérgicos.
A diferença é que, até há não muitos anos, certas questões de tradição religiosa eram conhecidas e respeitadas - como se fizessem parte da nossa cultura. Comer carne na Sexta-feira Santa, não trabalhar ao Domingo, etc.
Este lombo de porco é apenas um incidente. Mas que dizer dos feriados religiosos? Na Alemanha, a Sexta-feira Santa e a Segunda-feira de Páscoa são feriados. Na França, a Sexta-feira Santa é um dia normal de trabalho. E as férias escolares não coincidem necessariamente com a Páscoa.
Quando nós vivíamos na "Alemanha comunista" - ;-) - havia pessoas que pediam tolerância de ponto especial para o Pentecostes, sem fazerem a menor ideia do que isso é.
A sociedade está cada vez mais secular.
O que se está a passar é a apropriação, que já aconteceu no passado. A igreja apropriou-se de datas especiais pagãs para fundar as suas datas especiais.
A questão para pessoas como eu, é de que forma queremos incorporar essas datas nas nossas vidas, ou se as queremos incorporar. Eu vou muitas vezes trabalhar nos feriados.
Abrunho,
trabalhar voluntariamente nos feriados?! Tu és a autêntica "fase superior do capitalismo" em pessoa!
;-)
A minha questão central (a partir de uma inocente posta de lombo...) é esta: qual é a identidade da Europa? O cristianismo está destinado a voltar às catacumbas? Sendo assim, que sentido faz continuar a haver na sociedade hábitos (feriados religiosos, respeito pelo repouso do Domingo) que não têm nada a ver com as convicções e a prática da maioria das pessoas?
Seria, se eu trabalhasse pelo dinheiro. Ninguém me paga horas extraordinárias.
Portanto, o que perguntas é se os cristãos se devem abster dos seus hábitos ainda antes dos outros os forçarem. Pois, não sei. Um ateu é plástico. Nós também precisamos de descansar e de dias de introspecção e/ou animação, pelo que os vamos querer manter, mas não estamos muito preocupados se mudarem mais para a esquerda ou para a direita. Nós damos-lhes um significado ou não.
Para mim a real questão é: os cristãos aceitam dividir a quota de feriados com outros grupos?
Enganei-me no nome: não é "fase superior", é "estádio superior".
Bem, tu és o sonho de qualquer capitalista do "estádio superior" - além de trabalhares aos feriados, não recebes horas extraordinárias!
Se os sindicatos te apanham, estás tramada...
Outra questão: os feriados dividem-se ou somam-se? Desistir do Natal para os muçulmanos terem o seu primeiro dia de Ramadan? Ou os cristãos (os "praticantes") têm o Natal, os trabalhadores sindicalizados têm o primeiro de Maio, e os muçulmanos têm o primeiro de Ramadan? (Claro que são só exemplos) (E ainda falta tirar o primeiro de Dezembro aos autores de blogues chamados "viva Espanha", ;-) para o Miguel)
Ou criam-se mais feriados, e reduz-se os dias de férias?
Eu não trabalho pró capital!!!! Bem...
Isso é uma discussão a fazer. Contudo, penso que separar os grupos por feriados não dá muito jeito. Os ateus vão ficar a perder, porque os dias importantes para nós é para outros e não há o vice-versa. Por mim havia quota, todos tinham dia livre e cada grupo teria de prioritarizar os seus eventos. Esta é a minha opinião.
Essa dos feriados religiosos era simples: adicionavam-se às férias e pronto, cada um tirava quando queria. Claro que os ganhos de produtividade por toda a gente ter os feriados ao mesmo tempo perdiam-se... (ah, pois é, também há disto!) :P
Snowgaze,
durante uns tempos também imaginei essa hipótese. Mas tem um custo muito grande: a sociedade fica cada vez mais dividida em guetos. É muito positivo - e não apenas do ponto de vista da produtividade - que haja ritmos comuns de trabalho e de descanso.
Por outro lado é negativo que as pessoas de outras religiões tenham de tirar um dia de férias para celebrar convenientemente os seus feriados religiosos.
Vai ser sempre muito complicado, claro. Mas eu voto 3+1 dias por cada religiao de expressao maioritária (3 gerais e um a definir individualmente), vamos dizer um top das três maiores e 2 dias extra para pessoas de credos diferentes a tirar para festas religiosas específicas. Os católicos e os protestantes sao os mesmos, ficavam com dois dias de Natal e um de Páscoa, ou o contrário se preferissem.
Nao é mais do que aquilo que existe agora, beneficia a compreensao intercultural e a religiosidade individual e é justo com as religioes mais pequenas, julgo. Mas para isto a Alemanha (acho em Portugal a proporçao é tao avassaladora que a questao nao se coloca demasiado) tinha de mudar a sua definiçao de Igreja, esta versao em que sou protestante o Estado faz o favor de canalizar o meu dinheiro e se sou muçulmano acha as minhas transferências suspeitas.
Enviar um comentário