16 janeiro 2010

sinais do nosso mundo na caixa de comentários

A propósito dos sinais do nosso mundo, a Rita escreveu uns comentários que merecem mais visibilidade.
Previno que faltam algumas vírgulas e até palavras (desconfio que ela pensa muito mais depressa do que consegue escrever, por muito ágil que seja no teclado) mas era pena deixar isto esquecido numa mera caixa de comentários.
Ei-la, pois:


Eu tenho bastante alergia ao laicismo forçado e à proibiçao de práticas culturais na esfera pública. Acho que as ruas podiam encher-se de árvores de Natal, candelabros de Hannuka e que era bom que todos soubéssemos só de andar pelas ruas que chegou o Ramadão. Acho que os professores devem poder andar de crucifixo, os colectores de impostos de turbante e a padeira de lenço na cabeça e acho que a solução ideal para os feriados religiosos era a integração de mais um ou dois de outras religiões. Depois podíamos gastá-los a aprender mais uns sobre os outros e, se escolhessemos só os mais importantes de duas ou três mais, nao acabaríamos sequer em Berlim com tantos feriados como na Baviera. No meu mundo ideal os sinos também tocam e os senhores cantam dos minaretes. E as Fernandas Câncios manifestam-se com o apoio de emigrantes giras, manifestação para a qual vão de autocarro ateu.

O problema com a igreja católica é que ela não é apenas uma religião, foi religião dominante na Europa ao longo de séculos e séculos (na verdade, acaba por ser um problema muito semelhante ao da muçulmana, uma vez que o medo se prende com o supostamente sentido perigo da hegemonia). Ser dominante tem vantagens e desvantagens para a Igreja Católica, e uma vantagem muito clara é que, durante séculos, foi parte integrante do tecido social, tornou-se figura legitimadora dos seus rituais e deixou a sua marca nas suas estruturas. Isto é uma vantagem enorme em comparação.

Mas tem, claro, uma desvantagem: depois, a Igreja tem de saber aceitar que a sociedade à qual deu esses rituais, práticas e valores faça com eles o que bem entender e que, em período pós-hegemónico, os mude, descaracterize e adapte. Ela nao tem de aceitar isto de forma indiferente, pode reagir, puxar para si o que é seu e vivê-lo com aquilo que são os seus na forma que julga adequada. Pode até encontrar aqui possibilidades de uma vivência muito mais poderosa da religiosidade.

Mas não pode pedir a todos que o façam, assim da maneira certa, ou abdiquem de viver aquilo que são rituais também seus porque entretecidos (era interwoven) no tecido social. Vai ter de aceitar que haja presépios de renas, lombos de sexta-feira santa, gays que se unem sobre a alçada de uma palavra que ela cunhou e, um dia, baptismos civis de quem quer apresentar o filho mas nao quer filiá-lo na igreja mais próxima.

14 Janeiro, 2010 15:02

PS: Abrunho, não acho nada estranho que o cardeal patriarca tenha 15 minutos na televisão no Natal. O que escolhe fazer com eles não me parece supimpa de esperto, mas isso é outra questão. Porque o que é estranho não é que eu tenha de levar com a mensagem de Natal do representante oficial da religião que convocou aquela festa, mas que todos os outros representantes oficiais do nosso país laico também tenham mensagens oficiais. É como a Festa do Avante: não acho nada esquisito que haja no fim um comício com o Jerónimo de Sousa e os meus amigos que iam só pela festa também não achavam. Iam à festa daquele partido, falava um senhor daquele partido. Mas se a seguir tivéssemos de ouvir Manuela Ferreira Leite, José Sócrates, o Cardeal Patriarca e o Pinto da Costa, íamos todos achar esquisito.

14 Janeiro, 2010 15:07



Já que a Rita falou em "interwoven", repesco também um comentário meu, com um exemplo prático:

A propósito de usar o nome e reinventar o conteúdo: os cristãos alemães têm uma espécie de "ritos de iniciação para a juventude" por volta dos 15 ou 16 anos: Firmung para os católicos, Konfirmation para os protestantes. A cerimónia é antecedida de uma preparação extremamente cuidada: durante seis meses têm encontros semanais para discutir questões éticas, o sentido da vida, o "quem sou, de onde venho, para onde vou" e o "quem somos, de onde vimos, para onde vamos". Inclui trabalho voluntário numa instituição de serviço social (geralmente lares de terceira idade, infantários, centros de apoio a deficientes, etc.)

No século XIX um movimento de protesto saído das Igrejas tentou criar algo alternativo. Mais tarde os movimentos dos operários apropriaram-se da ideia e na RDA, onde se tentou por todos os meios acabar com a religião, generalizou-se essa Jugendweihe, (poderia traduzir-se como "Festa da Juventude", mas é curioso que a palavra "Weihe" tenha uma conotação sobretudo religiosa: sagração, consagração, benção...)

Aos 13 anos a minha filha foi convidada para a Jugendweihe das amigas de Weimar. E foi assim: recepção na Câmara Municipal de Weimar, onde o Presidente lhes deu os parabéns por já serem adultos, almoçarada com a família e os amigos, e depois os pais espetaram com os miúdos na rua, com umas caixas de cerveja, e ordens para regressarem a casa por volta das dez da noite.
Brilhante.

Contudo, não percamos a esperança: pode ser que daqui a 2000 anos comecem a saber fazer bem as coisas...
(estou a brincar, mas também é a sério: estas coisas precisam de muito tempo para afinarem forma e conteúdo)

15 Janeiro, 2010 07:35

2 comentários:

Rita Maria disse...

Bolas, e eu que tinha esperança de que me penteasses o texto...oh, mundo cruel! ;)

Helena Araújo disse...

Às ordens, minha senhora!
De que lado queres a risca?