Sobre os referendos há que dizer, antes de mais, que questões de direitos humanos não podem ser referendadas.
E se as questões dizem respeito a direitos das minorias, ainda menos.
No caso da Suíça, é o que se vê: o mob aplaude. Larguem o poder nas mesas de café, mas digam-me antes para onde se pode fugir.
Uma outra questão é a da importância dos referendos nacionais como elemento da Democracia.
Traduzi (rapidamente, rapidamente!) o artigo que se segue, publicado ontem pelo Spiegel Online aqui. Dirige-se sobretudo à situação alemã, onde há movimentos para a criação de referendos a nível nacional - de momento existe essa possibilidade a nível local ou estadual -, mas apresenta argumentos válidos para todas as democracias.
Debate sobre os referendos
"Onde está em ebulição"
autor: Christoph Schwennicke
Segundo os populistas, só referendos representam a verdadeira maioria no país. Mas uma votação destas é ganha por quem tiver mais meios para investir na formação da opinião pública. O resultado é política comprada - e menos democracia.
Após a realização do referendo suíço sobre a construção de minaretes, um debate racional sobre o significado dos referendos obriga à separação das questões - o que, no caso, equivale a pegar numa omoleta e separar a gema da clara.
Independentemente dos resultados, há que analisar esta questão: será que o referendo suíço é uma prova de que, na nossa democracia representativa, a opinião da maioria é reprimida pelos partidos, pelo governo e pela oposição, e que chegou o momento de na Alemanha se realizarem referendos à escala nacional?
É um facto que os partidos - die Linke talvez em menor grau - se desligaram de tal modo do eleitorado, que até para eles a situação se tornou desconfortável. Assim se explica que Sigmar Gabriel (SPD) apele ao seu partido para que regresse aonde "as coisas estão em ebulição", e Angela Merkel faça a CDU anunciar que está "próxima das pessoas".
Quem tem de começar por ensinar isso ao seu partido (Gabriel) ou deixar rastos como um slogan de propaganda em cada parede (Merkel), sente claramente que algo se quebrou. A alta taxa de abstenção nas eleições nacionais pode ser não um sinal da erosão da democracia na Alemanha, mas do afastamento entre os partidos populares e o povo.
O Estado como o prémio de um campeonato político
A democracia partidária tornou-se uma espécie de autocracia partidária. Isso pode ser dito, sem que nos coloquem imediatamente na gaveta de Herbert von Arnim. A Constituição alemã, um dos melhores livros que alguma vez foram escritos neste país, atribui aos partidos um papel de serviço: devem "participar" na formação discursiva da vontade. Tem-se cada vez mais a impressão que os partidos vêem este Estado, esta comunidade, como uma espécie de produto de rapina, um troféu, o prémio de um campeonato político que se tenta conquistar de quatro em quatro anos aos adversários, recorrendo a todos os meios que haja à disposição - não importando os problemas que, entretanto, preocupam o eleitorado.
Aqueles lá em cima, nós aqui em baixo - este sentimento nasceu e tornou-se tanto mais forte, quanto mais os de "lá em cima" começaram a tomar decisões difíceis, de cuja necessidade os de "aqui em baixo" ainda não se tinham apercebido, no momento em que elas já eram mais que urgentes. Por exemplo: os acordos bilaterais da Nato, a Agenda-Politik e a guerra dos Balcãs.
E uma confirmação fatal do mal-estar geral pode ser encontrada nas estruturas quase feudais (mesmo após o Tratado de Lisboa) da União Europeia. Talvez as pessoas não analisem com cuidado cada passo do processo político em Bruxelas e Estrasburgo, mas quando na Europa se nomeia um governo (a que se chama comissão), todos se dão conta de que há falhas democráticas - se não antes, o mais tardar quando é "despachado" para comissário alemão um ministro-presidente da CDU que já não interessa ter na política nacional.
Uma "democracia-TED" agrava os problemas
Ver e apontar os erros da nossa democracia partidária não deveria desviar-nos para a busca da salvação numa espécie de "democracia-TED", à base de referendos. A maioria dos problemas estruturais do sistema actual iria piorar em vez de melhorar.
Oskar Lafontaine exige, e com razão, que se proíbam as doações aos partidos, pois estes tornam-se vulneráveis e dispostos a defender os interesses daqueles que os financiaram. Quem pagar mais recebe a política mais favorável.
A possibilidade de comprar decisões favoráveis é um problema que se coloca com ainda mais força no mundo dos media modernos e, na Alemanha, se agravará se os referendos forem elevados à escala federal. Quem tem os meios para iniciar uma campanha acabará por ter mais probabilidades de fazer decidir o referendo a seu favor.
Se quisermos, podemos até usar a repetição de referendos sobre a Constituição da UE na Irlanda e na Holanda para apoiar esta tese: quando os governos, chocados, se deram conta de que, da próxima vez, tinham de ser mais convincentes, abriram os cordões à bolsa e fizeram rodar as impressoras de brochuras. Pode-se criticar, dizendo que é um desvio de dinheiro dos contribuintes para conseguir a aprovação do seu próprio interesse, mas é melhor que seja feito por um governo democraticamente eleito por um período determinado, e, portanto, passível de ser afastado nas eleições seguintes.
O lobbyism - ou seja, a Política comprada - é um problema da democracia representativa, mas seria um problema ainda maior na democracia directa. Desapareceria o filtro: o processo parlamentar, o equilíbrio de forças. Referendos, portanto, não resultam em mais democracia, mas em menos.
Além disso, trata-se de um simples problema de organização. Uma comunidade que tenha ultrapassado um determinado tamanho, precisa de uma forma de organização sem a qual não é possível fazer política. Qualquer clube que chegou a um certo tamanho vê-se obrigado a eleger uma direcção. O mesmo se passa com a democracia parlamentar, uma vez que a comunidade ultrapassou o tamanho do mercado de Atenas, a "polis". A Suíça é uma comunidade ainda suficientemente pequena para permitir o funcionamento da democracia directa. Além disso, não faz parte de espaços supranacionais: não pertence à Nato nem à União Europeia. Por esse mesmo motivo é que na Alemanha só é possível realizar referendos ao nível de cada Estado - e com duas condições: haver um grande quórum prévio ao referendo, e não se tratar de um assunto com relevância para o orçamento de Estado.
(...)
Em vez de propor uma mudança de sistema, da democracia representativa para a directa, seria mais razoável optimizar o sistema actual e obrigar os partidos a mudar. Antes de mais, é preciso acabar com as doações aos partidos. Em segundo lugar, é preciso mudar a forma da escolha dos candidatos. Os arranjinhos nas listas de candidatos deviam dar lugar a candidatos directos, democraticamente legitimados. Em terceiro lugar, é preciso acabar com a confusão entre candidatos e partidos (kumulieren e panaschieren).
Numa palavra: o caminho que leva a mais democracia é o do direito eleitoral, e não o dos referendos nacionais.
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