(para a mc, que eu sou bem mandada)
No fim do Verão, a Christina disse-me que queria pôr mais cor no quarto dela, porque estava com um ar muito tristonho. Queria comprar latinhas de tinta, convidar os amigos, e fazer um happening. Eu estremeci ao pensar no que poderia acontecer ao quarto, e ao lembrar-me da conta do pintor que pagámos há menos de dois anos. Mas pensei também que daqui a dois anos e meio ela sairá de casa e passará a fazer o que lhe apetece, e pareceu-me que aqui estava uma boa oportunidade para eu me ir treinando no saber largar, já que não posso (e cada vez poderei menos) controlar tudo.
De modo que só perguntei se tinha a certeza que ia ficar satisfeita com o resultado, e deixei por conta dela.
Comprou a tinta, combinou com os amigos, vieram.
A princípio bem foi - iam espalhando sinais de amizade e kitsch: corações, um sol, um friso de pezinhos a avançar ao longo da cama...
Mas depois tomaram o freio nos dentes, e desataram a fazer cartoons de muito mau gosto, a escrever frases palermas, a espalhar manchas de sangue de um corpo a rebentar contra a parede, sinais de dedos ensanguentados a escorrer por ali abaixo...
Quando ouvi a Christina a protestar levemente "já não está a ser engraçado..." resolvi fazer de quem sou, fui perguntar-lhes se tinham consciência de que aquilo era um quarto. A miúda reagiu logo em defesa dos amigos, "é mesmo isto que eu quero", mas pararam todos, e foram-se embora com um ar muito enfiado. No dia seguinte regressaram, mais enfiados ainda, para limpar a porcaria toda que tinham deixado. E prometeram-lhe que a ajudavam caso ela decidisse pintar o quarto inteiro de novo.
Ela estava tão triste que nem me lembrei de aproveitar para uma moral da história. Ajudei-a a escolher posters enormes para tapar a catástrofe. O quarto ficou esquisito, com reproduções de desenhos japoneses da Gulbenkian ao lado de cartazes das festas da Senhora da Agonia. Umas semanas depois comprámos um enorme balde de tinta e ela, com a ajuda de uma amiga, em dois dias pintou o quarto, que ficou como novo - e com uma cor bem mais agradável que a que tínhamos escolhido dois anos antes.
O mais engraçado foi quando, em conversa com outra mãe, eu contei a história do massacre e ela protestou: que eu estava a ser castradora, e que os miúdos precisam de espaços de extroversão para as suas pulsões, talicoisa, e que aqueles desenhos e borrões podiam ser expressão dos medos e da sexualidade...
Pois sim, mas que se vão extroverter para a parede do quarto deles.
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