09 novembro 2009

noves de novembro

1938

Erich Kästner, jornalista e escritor, gostava de trabalhar num café no Ku'damm, bastante perto do sítio onde moro. Foi nesta rua que testemunhou os acontecimentos da noite de 9 para 10 de Novembro de 1938:
Naquela noite apanhei um táxi para regressar a casa, que me levou pela Taeuntzien e pelo Kurfürstendamm. Dos dois lados da rua havia homens que batiam com barras de metal nas montras das lojas. Por todos os lados o vidro quebrava e espalhava-se em estilhaços. Eram homens da SS, com calças de montar pretas e botas de cano alto, mas com chapéu e casaco à paisana. Faziam o seu trabalho calma e sistematicamente. Dava a impressão que cada um estava encarregado de quatro ou cinco casas. Levantavam a barra de ferro, batiam várias vezes e avançavam depois para a montra seguinte. Não se viam outras pessoas na rua. Só mais tarde, contaram-me no dia seguinte, terão aparecido serventes de bar, empregados de mesa nocturnos e prostitutas, para saquear as lojas.
Três vezes fiz parar o táxi. Três vezes quis sair do carro. Três vezes surgiram de trás de uma árvore agentes da polícia que me deram ordens peremptórias de voltar a entrar no táxi e continuar a viagem. Três vezes lhes retorqui que ainda posso sair de um carro quando me apetece, e particularmente num momento como este, quando em público se praticam - passe o eufemismo - actos impróprios. Três vezes disseram com maus modos "polícia judiciária!". Três vezes bateram a porta do carro. Quando quis parar pela quarta vez, o condutor recusou-se. "Não adianta", disse ele, "e além disso está a resistir à autoridade do Estado!" Só parou quando chegámos à minha casa.


1989
Já contei esta história aqui, mas não a consigo encontrar, de modo que repito, sinteticamente:
Numa conversa de café com algumas mulheres que conheci em Weimar, às tantas começaram a falar da queda do muro. Dois relatos:

- Naquela noite, estava num restaurante com a minha família. Era o jantar de despedida do meu irmão, que tinha conseguido um visto para abandonar o país. Estávamos todos muito tristes, porque não tínhamos a menor ideia do que seria a vida dele na Alemanha Ocidental e quando nos poderíamos voltar a encontrar. Às tantas, um empregado chegou à nossa mesa dizendo "abriram a fronteira!" e nós respondemos-lhe que a última coisa de que precisávamos era de gracinhas de mau gosto.

- Não me dei conta de nada nessa noite. No dia seguinte, na universidade, alguém contou que tinha andado a passear no Ku'damm. Eu ouvia a história, à espera do momento em que viria a frase "e estendi a mão e bati na mesinha de cabeceira", mas nunca mais vinha. Até que me dei conta que era verdade. Corri para uma rua que me tinham indicado, reparei pela primeira vez que nessa parte do muro havia uma porta, e que desta vez estava aberta. Juntei-me ao grupo enorme dos que queriam passar. Eram tantos, que os meus pés quase não tocavam o chão. Os guardas já nem se davam ao trabalho de olhar para os passaportes. Mas o tempo todo eu temia que fechassem a porta mesmo à minha frente. Algo tão fantástico não poderia tornar-se verdade. Finalmente consegui atravessar a fronteira, e passei o resto do dia a entrar em lojas de florista para cheirar todas aquelas flores que não conhecia.

2009
Hoje, no Spiegel Online, há vários comentários a um artigo sobre a queda do muro que são variações sobre este tema: "que chatice, o muro, o muro - já estamos fartos de ouvir falar nessa chatice desse muro".

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