"O Holandês Voador" é a tradução literal do nome da ópera de Wagner que em português se chama "O Navio Fantasma".
Lembrei-me disso, a propósito de dois temas (isto por aqui, em termos de associações de ideias, está cada vez mais complicado, podem crer):
- Este post que acabei de escrever lá no salão - e não percebo porque é que o mundo ainda parece tão descansado perante este resultado eleitoral catastrófico;
- O Obama está hoje em Buchenwald. Vai-se encontrar com sobreviventes e alguns comuns mortais escolhidos a dedo.
Há alguns anos, tive o privilégio de falar com um judeu que foi transferido de Auschwitz para Buchenwald, e que contou como, aos 15 anos de idade, ouviu a abertura do "Navio Fantasma" transmitida (por engano) pelos altifalantes do campo; dizia ele que esse foi o único momento feliz no meio daqueles anos horrorosos.
O Elie Wiesel, outro sobrevivente desse campo, fará as honras da casa, digamos assim. Pergunto-me se mostrará a cave do crematório, tal como Jorge Semprun fez com alguns jornalistas americanos logo a seguir à libertação. Terá palavras para explicar para que serviam os ganchos junto ao tecto? Ou apontará e dirá apenas, tal como Semprun, "aqui" "aqui" "aqui"? Contará a história do menino escondido dentro de uma mala, esse que foi salvo pelos prisioneiros políticos (os que riscaram o nome dele na lista do transporte para Auschwitz, mandando em sua vez uma criança cigana)? E acrescentará que é um horror ser transformado em ícone da vitória de uma luta política, quando o preço foi pago com o sangue dos outros? Falará dos russos que construíram um monumento para lembrar os horrores perpetrados pelos nazis, enquanto voltavam a encher o campo de prisioneiros, que tratavam com a mesma desumanidade?
Será que a visita durará o suficiente para Obama se dar conta da densidade de tragédias que aquele campo simboliza?
Haverá tempo para o informar ainda que o carvalho de Goethe não é o carvalho de Goethe?
E que importância tem isso? Afinal de contas, muito antes de terem construído o campo de concentração, já em Weimar Goethe não era Goethe. Já a Bauhaus (esse movimento "infiltrado por judeus") tinha sido praticamente expulsa, já o partido dos nacional-socialistas tinha obtido, justamente nessa região!, a sua primeira vitória na Alemanha.
Ora aqui está o mais importante para contar - ao Obama e a nós todos nesta sexta-feira a dois dias das eleições (quando a Holanda meteu no PE quatro deputados que querem impedir a entrada de muçulmanos na Europa): que é quando nos afastamos dos princípios mais elevados, quando o nosso voto já não é inspirado por espíritos como os de Schiller e Goethe, quando crises e medos nos desnorteiam e desmotivam, é aí que o futuro começa a derrapar.
Dirão: são apenas quatro deputados, Helena, não te exaltes.
Mas eu lembro-me do que dizia um professor do ensino secundário alemão: que basta um aluno neo-nazi numa sala, e já é praticamente impossível trabalhar com essa turma.
Dirão: mas não são neo-nazis. E são democraticamente eleitos.
Pois é. Foram democraticamente eleitos deputados a quem é preciso ensinar, letra por letra, o significado e o alcance da declaração dos direitos humanos.
Pobre Europa.
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