14 novembro 2008

mas que pretos?

Num dos seus livros, Michael Moore faz a apologia dos pretos americanos. Não aqueles que se portam como brancos (a Rice, o Powell), mas os que se mantêm fiéis à sua identidade.
Esses sim, diz ele, são gente realmente interessante - e até declara que vai passar a empregar na sua empresa apenas pretos. Dos verdadeiros, entenda-se.
A intenção pode ser boa, mas é um pouco, digamos, ingénuo querer que as pessoas façam depender o seu comportamento do tom da sua pele e do imaginário do Michael Moore.

Confesso que sou um bocado daltónica.
Se é para descrever um Nelson Mandela ou um Kofi Annan, ocorrem-me muitos adjectivos antes de me lembrar da cor da pele deles. E muito menos de dizer que são "pretos".
Durante a campanha, mal me dei conta que o Obama não era branco - quando muito, um belo moreno. Bem sei que se fartaram de bater no Berlusconi por ter dito o mesmo, mas, que querem?, quando gosto das pessoas acabo a achá-las minhas iguais.
Além disso, e para usar a classificação do Moore, o homem tem presença e comportamento de "branco".

Tudo isto para dizer que talvez haja um equívoco na discussão sobre a América pós-racial.

Foi eleito um homem que soube passar uma mensagem de um modo tão arrebatador que se criou um momento de unidade, ao ponto de as pessoas se esquecerem de reparar no tom da sua pele. O que foi em parte facilitado por ele ser meio branco, ter sido educado no ambiente da classe média branca, e não ter marcados traços (e agora com licença, tenho de ir pesquisar no glossário do racismo, que é o mais adequado para esta conversa) negróides.

Os EUA elegeram para presidente o político que melhor lhes soube mostrar que estava em condições de dar ao país aquilo que é necessário neste momento.
Mas não elegeram - disso tenho a certeza absoluta - um preto.

"Preto", o que se chama "preto", são aqueles que fazem os trabalhos que ninguém quer, os que apanham prisão perpétua por roubarem uma pizza, os que vão morrer longe mesmo que morram no passeio da nossa rua.
"Preto" é o reverendo Jeremiah Wright, de quem Obama oportunamente se demarcou.

E esses continuarão a existir, rodeados de desconfiança e rejeição.

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