11 julho 2008

apontamentos sobre a eutanásia (2)

Gosto do modo como a deputada que escreveu o texto do post anterior desloca a questão da eutanásia da liberdade individual para a nossa responsabilidade em fazer com que os idosos gostem de estar vivos.

Acrescento ainda alguns pontos de uma conversa entre um jornalista que escreveu um livro onde contava o modo como acompanhou o seu irmão até à eutanásia, e um filósofo. Foi publicada há cerca de um ano numa revista alemã (na altura quis traduzir, mas agora já nem sei onde está a revista...).

O jornalista dizia: o meu irmão, em plena consciência, queria morrer. Como poderia eu negar-lhe esse desejo?
E o filósofo respondia: tinha de lhe dizer, e repetir à exaustão, que não concorda com isso, e que a sua ajuda é feita completamente a contragosto. O problema é que, numa sociedade onde há cada vez mais idosos e os seus cuidados ficam cada vez mais caros, legalizar a eutanásia pode significar um subtil convite aos mais velhos e aos doentes para se verem como algo facultativo na nossa sociedade, como um problema que se resolve antecipando a morte.

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Em conversa a propósito da Terri Schiavo, os meus sogros afirmaram que não queriam ficar em coma durante todos aqueles anos, e que nós deveríamos desligar as máquinas. Tudo parecia muito simples, até que a minha sogra disse "e mesmo que eu, por trás de um corpo sem reacções, esteja consciente, não quero continuar a viver vendo como dou trabalho a toda a gente". Aí é que estragou tudo: como é que eu posso desligar uma máquina, sabendo que respondo ao seu desejo de não ser um fardo? Que espécie de relações familiares são essas, se eu mato a avó só porque ela não nos quer dar trabalho? Há aqui um limiar que eu não posso ultrapassar: aceitar a morte de alguém por comodismo meu.

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Contaram-me de um pai de família, nos EUA, que era diabético e a quem foi diagnosticado um cancro incurável. O tratamento prolongaria a sua vida mas não o curaria, e a família seria obrigada a vender a casa para pagar os cuidados hospitalares nos últimos meses de vida do pai. Para não deixar a família na miséria, ele optou por deixar de tomar os medicamentos das diabetes, e morreu.
"A wonderful person", dizia a psicóloga do hospital, que o acompanhou, "we all cried when he died".

Mais um motivo para gostar de morar na nossa Europa solidária. E uma boa história para nos interrogarmos sobre o alcance da nossa solidariedade: quanto é que a sociedade está disposta a investir na dignidade da vida humana, para que as pessoas não façam contas à sua vida como se fossem um mero "centro de custos"?

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A mesma revista que perdi tinha uma série de entrevistas com pessoas que iriam a Zurique para terem uma morte assistida. Numa delas, uma mulher, muito revoltada com a recusa da mãe em chegar ao ponto em que a filha lhe mudaria fraldas, dizia: "Um dia destes terei de fazer a viagem de Berlim a Zurique, para levar a minha mãe a morrer com hora marcada. De que vamos falar no caminho?"

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