Uma deputada dos Verdes, e vice-presidente do Parlamento Federal alemão, Karin Göring-Eckardt, escreveu num jornal diário berlinense um artigo muito interessante (tradução resumida e rapidinha, como de costume).
VIVER E DEIXAR VIVER
Suicídio e morte assistida não podem ser a solução
(em alemão, aqui)
Até onde vai a minha vida,
e onde começa a noite?
perguntava Rainer Maria Rilke, que sobre a morte nos deixou muitas páginas sombrias, e outras reconfortantes. Por estes dias há na Alemanha um aceso debate sobre a dignidade humana no fim da vida. O que é positivo, porque temos de falar sobre a vida e a morte, em vez de fazermos de conta que não é nada connosco.
O motivo que deu origem ao debate é assustador: uma reformada suicidou-se por medo do lar de terceira idade. De facto, cada vez mais idosos estão sozinhos ou são abandonados. As suas depressões e o seu cansaço de viver não são reconhecidos, ou são ignorados. Poucos idosos recebem tratamento de antidepressivos ou psicoterapia, porque aparentemente se aceita que tristeza, falta de energia e de esperança são características típicas da terceira idade. Muitas das pessoas mais velhas não recebem cuidados adequados. Demasiados moribundos são ainda mandados para os cuidados intensivos, onde o seu sofrimento é prolongado desnecessariamente.
Nenhum destes casos deveria ocorrer. Contudo, é insuportável que o suicídio ou a ajuda para morrer sejam vistos como a solução. Nunca poderemos dizer: se a tua vida te é um fardo, mata-te!
Se alguém formula um desejo de morrer, a pergunta a fazer é: Porquê? O que temos de mudar? O que posso fazer por ti?
Não se trata de um abuso e de uma limitação dos direitos e da liberdade, mas de uma maneira de agir profundamente humana.
Temos de tirar fundamento ao medo de ficar sozinho no fim da vida, ser mandado para um sítio qualquer ou tornar-se um fardo para os outros.
O que há a fazer para que se possa dizer a cada pessoa: tu poderás morrer em casa, ou num lar onde tratarão e cuidarão bem de ti. As tuas dores serão tão poucas quanto a Medicina o permite, e vais poder morrer quando chegar o momento.
Centrar-se nas próprias pessoas, perguntar-lhes o que querem ou precisam - é essa a condição primordial para que a vida tenha dignidade humana até ao fim. Uma pessoa não pode tornar-se num objecto, depositado num lar de terceira idade ou agarrado a máquinas das quais tudo depende. Em cada fase, um ser humano é um "outro", um indivíduo cuja vida pode ser, apesar da doença, uma vida boa. Cuidados geriátricos não podem ser apenas a prestação de um serviço mas a pergunta sempre renovada sobre o que é desejado. Quem aperta os lábios com força está a pronunciar-se de forma clara. Não se lhe pode instalar uma sonda no estômago, só porque isso poupa tempo. Para os que acompanham pessoas gravemente doentes ou em fase terminal, a exigência de estar permanentemente atentos aos seus desejos, com paciência e dedicação, é um difícil desafio. Mas é isto que conta e que desfaz o medo: alguém vai estar lá e vai ter tempo para mim. Alguém com quem poderei rir e chorar, fazer queixas e ficar em silêncio.
Obviamente será necessário criar as condições para isso. A maior parte das pessoas gostaria de poder morrer em casa. Mesmo que isso fique mais caro, tem de ser possível organizar. Os familiares que cuidam dos seus idosos precisam de apoio; os cuidados geriátricos têm de ser conciliáveis com os horários de trabalho. Os profissionais precisam de mais tempo para acompanhar convenientemente os idosos, e precisam de formação adequada. Se necessário, tem de ser possível recorrer a uma estação de cuidados paliativos ou a um hospício. As possibilidades da medicina paliativa ainda não são suficientemente conhecidas por muitos doentes, familiares e médicos. Uma boa terapia da dor permite uma despedida da vida consciente mas, em grande parte, sem dor.
Começa a ser urgente. É agora que temos de definir o rumo no sistema de saúde, nos cuidados geriátricos, no modo como a sociedade se relaciona com a agonia e a morte. No actual contexto, em que há cada vez mais idosos e os membros das famílias vivem cada vez mais distantes uns dos outros, os desafios crescem. No entanto, uma sociedade solidária e humana tem de assumir esta tarefa. Estar presente junto dos outros, mesmo no momento em que a morte se aproxima, é o maior serviço que as pessoas se podem prestar umas às outras.
Até que a noite comece, é vida. Esta vida tem de ser, até ao fim, comunidade, dedicação e comunhão.
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