31 março 2008

"mentira"

No post publicado no blogue Cachimbo de Magritte que comenta a opinião de Pacheco Pereira sobre a "mentira" das armas de destruição maciça do Iraque, fala-se da "evidência factual disponível e [com] os melhores trabalhos de investigação histórica e jornalística entretanto produzidos".
Devo ter andado a dormir nos últimos cinco anos, porque só me lembro de peças jornalísticas a corroborar o que muitos já sabiam em 2002.

Aqui vão duas evidências factuais, a ver se avivamos a memória:

- No verão de 2002 Bush afirmou que o Iraque dispunha de um perigoso arsenal militar, e só depois disso é que a Casa Branca iniciou uma actividade febril de reunir provas. Não foi ao contrário.
Entre esse primeiro discurso de Bush e o início da guerra, Cheney foi várias vezes à sede da CIA - o que não era de modo algum habitual na relações entre o governo e os serviços de informação. Podemos discutir se as suas perguntas se destinavam a esclarecer realmente as dúvidas que tinha, ou se eram uma forma de sugerir as respostas que queria obter. Mas é um facto que o anúncio da Casa Branca sobre o perigo representado pelo Iraque foi anterior a relatórios da CIA a alertar para esse tão grande risco iminente.

- Em Fevereiro de 2002, Joseph Wilson foi enviado à Nigéria para investigar a pista do urânio que o Iraque queria comprar. Em Março de 2002 entregou o seu relatório à CIA, onde explicava porque é que essa tese era "highly doubtful". O relatório foi enviado à Casa Branca. Apesar disso, esta continuou a insistir na tese do urânio da Nigéria. No Outono de 2002 a CIA conseguiu finalmente "convencer" a Casa Branca de que a pista do urânio da Nigéria era falsa, e durante alguns meses, essa menção desapareceu dos discursos oficiais. Em Janeiro de 2003 voltou a aparecer - desta vez baseada em informações dos ingleses.
Um pormenor de menor importância: quatro meses após o início da guerra, Wilson publicou os resultados da sua investigação no New York Times, em 6 de Julho de 2002. Uma semana depois, alguém da Casa Branca revelou aos jornais a identidade secreta da sua mulher, Valerie Palme.

É só perplexidades. Como é possível afirmar que (cito Pacheco Pereira) não houve mentira porque "Bush e Blair estavam convencidos de que as armas de destruição maciça existiam no Iraque", se ElBaradei, o presidente da Agência Internacional de Energia Nuclear, em Março de 2003 afirmou repetidamente perante o Conselho de Segurança que não tinha conseguido qualquer evidência, e que precisava de mais tempo?

Quando a Casa Branca - ou qualquer outro grupo de governantes - trabalha segundo o lema "engana-me, que eu gosto", está a mentir ou não?

Mentiras? Muitas outras seguiram, bem expostas no texto do Cachimbo de Magritte, muitas outras outras seguirão.

Como é que se equaciona a questão da responsabilidade dos políticos?
Basta escolher outros nas eleições seguintes?
No caso da guerra do Iraque: a passagem do poder para o partido democrático é castigo suficiente para os quatro mil mais ninguém-sabe-quantas-centenas-de-milhares de mortos?

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