Parece que o Papa foi convidado para ir falar sobre a pena de morte (e o director esperava protestos da China e dos EUA, mas não da sua própria Universidade), parece que o Papa queria falar sobre a Verdade (e quem, como eu, nem sabe o que é a matriz epistemológica, quanto mais a Verdade, não se mete por essas discussões), parece que foram ao baú buscar um trabalho do Ratzinger para contestar a sua visita (e nem me dou ao trabalho de o ler, porque nunca consigo entender se este homem está a afirmar uma coisa ou o seu contrário), parece que deu uma febre em alguns estudantes que lhes abalou consideravelmente os neurónios.
Parece que foi assim.
Poderia ter sido assim: a visita do Papa a uma Universidade poderia ter sido uma óptima oportunidade para discussão. Quer na forma de diálogo com a Igreja (por exemplo, uma publicação dedicada ao tema Ciência e Religião, com contribuições da Universidade e do Vaticano, debates, etc.) quer na forma de confrontação (uma publicação que até se podia chamar, já que estamos todos muito originais, "Se questo è un dialogo", confrontando o Papa com as afirmações que tem feito sobre a Ciência - e se lhes faltasse pedalada, fossem pedir ajuda ao Vasco Barreto).
Lamentavelmente, perdeu-se esta oportunidade. Em vez disso, a futura elite do país resolveu contestar a visita do Papa, chegando a ameaçar profanar a capela da Universidade com vin santo em sinal de protesto. Isto sim, é uma retórica imbatível.
Lamentavelmente, também, o Papa (ou talvez seja mais apropriado dizer: o Ratzinger) virou o jogo a seu favor. Ganhou esta batalha, mas traiu o espírito de Jesus Cristo. Fosse eu a dona da empresa, e passava-o já de presidente para consultor.
Vejamos: não temos de pensar todos da mesma maneira, mas temos de construir maneiras de nos entendermos. Temos de criar condições para uma coexistência mutuamente interpeladora, mas pacífica e plena de respeito.
Exige-se da Universidade e da Igreja que sejam actores pioneiros da construção deste diálogo.
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Há uma semana, o jornal Süddeutsche Zeitung trazia um artigo sobre este assunto, de que traduzo uma parte:
O grupo dos 67 refere uma intervenção de Joseph Ratzinger ocorrida há largos anos, na qual ele terá defendido a justeza do processo contra Galileu Galilei. Os professores argumentam que essas afirmações são humilhantes para as pessoas da Ciência. Na realidade, é óbvio que este conflito não se refere ao velho caso Galileu. Na Itália moderna, os defensores do laicismo e os críticos da Igreja sentem-se cada vez mais na defensiva. Este Papa está a cumprir o seu anúncio de iniciar uma acção decidida para levar os valores cristãos, segundo a interpretação católica, à sociedade. Quer se trate da pena de morte, da moral sexual, da política de família ou da bioética - o Vaticano parece estar sempre na ofensiva. Ainda na semana passada causou sensação no país que Bento XVI tenha exortado publicamente o presidente da Câmara de Roma, Walter Veltroni, para que trave a degradação social da cidade.
Os defensores do laicismo suspeitam que por trás do habitus simpático do Papa se esconda um reaccionário. O pontífice pretende comprimir de novo Igreja e Estado num estado religioso, fazer triunfar a Fé sobre a Razão Científica. Numa sociedade livre pode discutir-se sobre isso, bem como sobre a fronteira a partir da qual a Igreja se imiscui de forma ilícita em assuntos do Estado. Contudo, esta tentativa, por parte dos professores, de impedir o discurso de Bento XVI, não aparece como um contributo para a luta de ideias mas como um sinal de insegurança.
(Autor: Stefan Ulrich)
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