Tive o privilégio de acompanhar um grupo de alunos ao Museu Serralves durante uma sessão em que foi projectado o filme de John Ford As vinhas da Ira, inspirado na obra homónima de Steinbeck.
A projecção da película mostrou aos alunos uma problemática que, sendo datada, se mantém nossa contemporânea. Esta evidência veio a constituir o enfoque predominante do debate que se seguiu à projecção, o qual pôs em relevo a intemporalidade da obra de Ford, bem patenteada pelo actual fenómeno do desemprego. Foi por causa deste carácter intemporal que o filme inspirou uma série de célebres canções de intervenção social.
Da troca de impressões com os alunos extraíram-se algumas conclusões pertinentes. Uma delas é a de que a lei do mais forte degenera, por regra, na lei da selva. Uma outra comprovou que é sempre rotulada de subversiva qualquer tentativa de reagir a essa lei, em nome do desejo de uma sociedade mais igualitária. Uma terceira pôs em relevo que a miséria também vem da falta de organização dos explorados e que os mecanismos de opressão, abordados no filme, são os mesmos que persistem nos nossos dias. É disso exemplo o endividamento de povos, de grupos e de pessoas, tornando os pobres cada vez mais dependentes dos poderosos.
Este espaço de palavra à volta do filme foi um exercício prático de uma «escola do espectador», de modo a favorecer um trabalho de memória, contrariando, desta forma, o vórtice do esquecimento que acompanha o actual consumo desmesurado da imagem. De facto, o nosso mundo audiovisual constitui uma avassaladora máquina da amnésia por impedir a assimilação de uma tão caudalosa quantidade de produtos visuais. Não era isso o que acontecia com o cinema dos anos áureos do século passado, com filmes, como As Vinhas da Ira, que proporcionaram um olhar atento sobre a realidade, criando uma estética estreitamente conjugada com a ética: a beleza que nos redime nada tem a ver com a ordem superficial e enganadora que tantas vezes serve de pretexto para as nossas demissões..
Ao contrário do que frequentemente acontece nas construções narrativas da vasta produção audiovisual que inunda a nossa programação televisiva, este filme, apesar de ser a preto e branco, ajudou a ver a vida nas suas colorações mais vivas.
Manuel António Ribeiro
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