11 agosto 2025

feirão

 

Por estes dias, há Feirão em Viana do Castelo: os ranchos da região alegram algumas praças da cidade com as suas danças, a música e os petiscos minhotos. Pataniscas fritas no momento. Vinho verde na malga. Bolos caseiros daqueles que parecem Páscoa. Rissóis de chouriça de sangue.
(Ide para o Algarve, ide. 😉 )







05 agosto 2025

hoje mesmo, no inferno de Gaza

 

Gaza hoje mesmo, pelos olhos e pelo coração de Raul Manarte.
Ele está a arriscar a vida para ajudar as vítimas daquele horror.
O mínimo que podemos fazer é ler e partilhar o seu testemunho. [ O texto e a foto de Raul Manarte podem ser encontrados aqui ]


Gaza, 5 de Agosto de 2025

Hoje acordamos com bombas (como sempre), mas com a notícia que Netanyahu vai invadir toda a faixa de Gaza. As pessoas estão com muito medo.

Quando as crianças vêm para ser amputadas ou para mudar as ligaduras das queimaduras também estão cheias de medo. Depois vejo os meus colegas: pessoas sem casa, a viver em tendas, com familiares mortos, com fome, sem certeza se vão estar cá amanhã - e vejo-os a serem os seres humanos mais gentis e pacientes que já vi com estas crianças…

A forma meiga como falam com elas, como as preparam, como usam os fantoches, como as deixam brincar com a gaze e o desinfetante para perderem o medo, como as distraem com bolhas de sabão ou vídeo enquanto gritam com a dor da pele queimada… e não entendo… começo a chorar sozinho. É sempre esta gentileza que me arrasa. A luz mexe mais comigo do que a escuridão. E quanto mais perdidos no escuro estamos, mais bonita é a luz deles.

Hoje fiz a estrada para Norte. Neste mundo estranho tenho de dizer que é uma estrada “Mad Max” para que outros possam ter uma ideia do que quero dizer. Não há um prédio inteiro, quase não há carros e os que existem estão adulterados, batidos e baleados.

Há pessoas a queimar pneus à beira da estrada para fazer combustível. Quando cheguei a Gaza city tive de tirar uma foto: vi uma árvore! Já não me lembrava de árvores… E eles? Será que se lembram do toque das flores? Do som das folhas? Do cheiro das marés seguras?

Vamos começar a dar apoio também aos condutores dos camiões de comida que entram. São parados durante até 36 horas na fronteira sem comer, obrigados a despir e a estarem de joelhos por horas, são ameaçados, humilhados e agredidos.
Quando finalmente saem da fronteira têm ordens para andar depressa, se abrandam recebem um tiro de aviso - são obrigados a atropelar as pessoas que tentam parar o camião.

Quando a multidão é imensa, têm de parar. São arrastados para fora e novamente espancados.
São os únicos que não podem levar nenhuma da comida que trazem porque se não são despedidos. São obrigados a levar os corpos cheios de sangue no próprio camião, alguns deles foram eles que atropelaram...
Precisamos de um psicólogo homem porque não vão dizer a uma mulher que defecaram nas calças.

Há gente que tenta convencer-nos que estamos divididos em duas equipas: uma que vê os reféns e outra que vê os palestinianos.

Malditos sejam. Conseguiram.

Se me conseguires ouvir: nós estamos todos do mesmo lado. O da humanidade.
Eles, os que criam esses grupos, eles que se fodam…

Hoje acordámos com a notícia de que Gaza será tomada.
Mas também com a de que 6 dos nossos pacientes vão ser evacuados deste inferno amanhã.

Decidi focar-me na última. 

vá para fora cá dentro

 


Uma das coisas boas de receber amigos em Berlim é sair com eles a redescobrir a cidade. Como por estes dias: uma velha amiga veio visitar-nos, e andámos a dar na boa vida à grande e à francesa (e à alemã, e à cingalesa, e à australiana, e a todas as nacionalidades que calha, que a vida, quanto mais se mistura melhor fica).





Começámos por ir à exposição de Pissarro no Barberini. Excelente, como é habitual neste museu.

Apesar de já estarmos cansadas no fim da exposição temporária, não nos fomos embora sem ver também a colecção de impressionistas de Hasso Plattner. E ainda bem, por todos os motivos, e também porque nos cruzámos com um senhor sentado em frente ao "Chemin Montant", de Caillebotte, mortinho por ter alguém com quem se maravilhar. De modo que ficámos a conversar com ele e a ajudá-lo a matar saudades daquele quadro que andou em digressão dois anos e meio e só agora regressou a casa.


Depois fomos almoçar numa casa de madeira do princípio do século XIX, na colónia russa Alexandrovka (será que já contei a história do czar que ofereceu um coro cossaco ao seu novo cunhado, e simplesmente mandou essa gente toda para a Prússia?).
Antes de regressar a Berlim ainda fomos visitar o palácio do velho Fritz. Continua lindo.







Conhecemos dois novos restaurantes: o alemão Engelbecken e o de inspiração cingalesa Sathutu (muito bom, mas se forem tão pelintras como eu é melhor comerem um kebab ou uma salsicha antes de ir ao restaurante, porque se calha de entrarem lá com fome levam um rombozito nas finanças domésticas). Também nos deram uma lista de outros restaurantes a explorar, que aqui deixo a quem interessar possa: Otto e Wen Cheng.


Ao anoitecer, fomos ao Chamäleon ver A Simple Space, o primeiro show da companhia australiana Gravity and Other Myths, que já caminha para uns 20 anos de existência mas continua fresco e adorável. Gostei muito da abertura: o anúncio "I'm falling!", o deixar-se cair, o confiar que alguém vai parar a queda. Gostei muito do humor do show.




E ainda nos rimos imenso com a nossa amiga, lembrando o dia em que chegámos em cima da hora e nos mandaram ir pelas traseiras, Mal nós sabíamos que nos punham a entrar directamente para o palco: o show passava-se num apartamento, e nós chegámos pela porta do frigorífico. A ideia seria talvez envergonhar os que chegavam por último, mas a nossa amiga não se atrapalhou. É mãe de um artista desses circos, conhecia metade das pessoas que estavam em palco, tudo a postos para começar e ela ali parada a conversar com eles animadamente: "olá, como estás? que giro encontrar-te aqui!"




Depois voltámos para casa, pelo centro da Berlim nocturna, e tirei uma fotografia à torre da televisão à maneira de um quadro que vi no Barberini: com uma ponte a atravessar a imagem separando motivos completamente diferentes. Acho que era uma ideia de Pissarro, mas não tenho a certeza. De modo que agora vou esperar pacientemente por algum outro amigo que nos venha visitar, para voltar lá e confirmar quem é o autor que plagiei. É isto a minha vida... Note to self: nunca, nunca, nunca! sair de casa sem a câmara fotográfica. Estas fotos de telemóvel ficam muito aquém.

04 agosto 2025

ou Deus ou Newton

Apontamento de umas férias do ano passado: Fui a última a entrar no autocarro. O meu lugar à janela estava ocupado por um belo moçoilo muito musculoso, de pernas escanchadas tipo: a ocupar o lugar dele e metade do meu. “Pick your fights”, pensei eu, e sentei-me no lugar do corredor.

Mas depois - não sei se foi Deus, ou Newton - ao deixar cair a mochila pesadíssima para o chão ela resvalou um bocado para cima da coxa dele, e pedi muita desculpa. Agora aqui vou eu no meu lugar inteiro, em vez de ir toda torta em meio lugar, e não sei se agradeça a Deus ou ao Newton.

02 agosto 2025

jeans e genes, publicidade e "wokes"

1. A American Eagle fez um anúncio com o trocadilho jeans/genes. A branquíssima actriz diz: "Os genes passam dos pais à sua descendência e determinam muitas vezes características como a cor do cabelo, a personalidade e até a cor dos olhos. Os meus jeans são azuis." O anúncio termina com a frase: "Sydney Sweeney has great jeans." (Pode ver-se aqui)


2. E pronto: está instalada a polémica (tal como os autores do anúncio desejavam). Uns protestam porque vêem ali um piscar de olhos às ideias da supremacia branca ("Sydney Sweeney has great genes") e à herança ideológica do nazismo, e apelam ao cancelamento da American Eagle. Outros criticam os primeiros. Como não podia deixar de ser, o pessoal da agenda ideológica radical de direita aproveita a situação, chama-lhe um figo. E os choramingas do "já não se pode dizer nada..." vêm dizer que "os woke, fanáticos como são, é que têm a culpa de a direita radical chegar ao poder".


3. Esqueceram-se que um dia é da caça e o outro é do caçador, e que "woke" somos nós todos quando nos pisam os calos. Mais ainda: os conservadores são bem capazes de dar dez a zero ao pessoal de esquerda.

Pelos vistos já ninguém se lembra do escândalo que foi quando a Zippy fez roupa infantil unisexo - a reacção do bloco "menino veste azul, menina veste rosa" foi de tal modo brutal que a Zippy nunca mais se atreveu a repetir a gracinha.

Também não se lembram da fortíssima reacção de sectores da Igreja Católica quando a Benetton fez publicidade com um padre e uma freira a beijarem-se. E que dizer dos protestos quando a IKEA começou a fazer catálogos com casais de etnias/cores diferentes ou do mesmo sexo?

Acontece nos EUA, acontece na Europa, acontece até na Austrália: foi grande o escândalo quando um anúncio sobre doação de órgãos mostrou um filme de Jesus já na cruz a conversar sobre o assunto e a tirar selfies com os soldados romanos. Como sempre, em publicidade, a ideia do filme era pôr as pessoas a falar do assunto.






Em 2022, a Volkswagen apareceu nas redes sociais com uma mensagem de aceitação da homosexualidade para publicitar o novo Polo. Levou com milhares de reacções homofóbicas.

Há tempos, a Budweiser lançou uma campanha de publicidade com uma influenciadora famosa, a trans Dylan Mulvaney. Mais uma vez, os "woke" que se sentem muito ameaçados por aquilo a que chamam "ideologia de género" não se ficaram: conseguiram baixar as vendas da Budweiser em 17%, e o valor de mercado da empresa desceu seis mil milhões de dólares. Alguém me consegue dar um exemplo de campanha de cancelamento, por parte dos "woke" de esquerda, com iguais resultados?

Muitos mais exemplos de episódios de publicidade que lançaram os "woke" conservadores numa fúria de cancelamento haveria para dar. E também os há em grande número para além da publicidade. Só em Portugal, e sem pensar muito, lembro vários casos de a Igreja Católica tentar cancelar filmes ("Je vous salue, Marie", por exemplo: desde ameaças aos cinemas por parte do presidente da Câmara, Nuno Abecassis, até uma multidão a invadir a sala, a gritar e a rezar o terço, que acabou por ser dispersada pela polícia) e penso na vaga de críticas escandalizadas a Herman José devido ao seu humor sem respeitinho pelos valores, pela História e pela cultura do nosso país.


4. A ideia central da publicidade é provocar, para pôr as pessoas a repetir o nome do produto. A American Eagle decidiu fazer esta publicidade assim, justamente agora quando as ideias de supremacia branca estão a reconquistar terreno, porque sabia que era a polémica mais eficaz do momento.

Se me deixassem mandar, preferia que os críticos fossem capazes de algum recuo, e se limitassem a chamar a atenção para os factos: a American Eagle escolheu fazer trocadilhos com genes de miúdas loiras de olhos azuis neste tempo em que estamos cada vez mais polarizados entre apologistas da supremacia branca versus defesa dos direitos humanos. Interessante...


5. O trocadilho jeans/genes não obriga necessariamente a usar uma jovem branca. Se a empresa American Eagle tivesse alguma consciência social e responsabilidade democrática, nesta altura da História podia mostrar mulheres de diferentes nacionalidades e etnias (especialmente aquelas que têm sido raptadas e deportadas por tipos mascarados que dizem ser polícia): "Os genes passam dos pais à sua descendência e determinam muitas vezes características como a cor do cabelo, a personalidade e até a cor dos olhos. Os meus jeans são azuis." - e rematar com a frase: "We all have great jeans".

(Senhores da Levi's, ou outra marca qualquer de jeans: se quiserem aproveitar a ideia, estejam à vontade.)