No próximo fim-de-semana, dias 12 e 13 de Julho, vai haver em Berlim um concerto de importância simbólica: junta um coro alemão (o meu) e um coro turco berlinense. O projecto tem "Heimat" no nome, e gosto especialmente desse detalhe. Porque "Heimat há muitas, seu palerma", e era bom que todos questionassem a sua e a que atribuem aos outros. Os turcos, que começaram a chegar em grande número à Alemanha nos anos sessenta, nunca tiveram uma vida fácil neste país, e ainda agora não têm. Foi preciso mais de trinta anos para os alemães se darem conta de que a "mão de obra" de que a sua economia precisava era, na realidade, seres humanos: com toda a sua complexidade, com toda a sua dignidade.
Ao racismo, à indiferença e à desconfiança da sociedade em geral juntou-se o ódio dos neonazis: entre muitos outros atentados terroristas, as casas incendiadas em Mölln, o massacre de Hanau, a célula neonazi NSU que andou uma década a matar aleatoriamente turcos no país inteiro, enquanto a polícia desconfiava de alguma espécie de "redes mafiosas dessa gente" e chamava ao caso "os homicídios kebab".
Como pano de fundo destes horrores, um racismo institucional daqueles que cega profundamente, flagrante no comportamento da polícia, flagrante no terrível episódio das cartas de Mölln: só trinta anos mais tarde, e por mero acaso, é que as famílias das vítimas vieram a saber que de todo o país lhes tinham sido enviadas cartas a exprimir choque e solidariedade. Porque, à falta de nome e endereço concreto, as cartas foram todas entregues à Câmara Municipal, onde alguém as leu, chegou a responder (às que perguntavam para onde enviar algum dinheiro para ajudar), e arquivou. A ninguém dessa instituição ocorreu que as cartas eram dirigidas às vítimas, e que havia uma obrigação legal de as entregar ao destinatário.
O racismo cega. E nem as pessoas que pensam o melhor de si próprias conseguem escapar a essa cegueira.
No concerto do próximo fim-de-semana serão cantadas peças turcas e alemãs, por ambos os coros. Confesso que me foi mais fácil aprender todo o repertório alemão que aprender a cantar bem uma peça popular turca.
Mas parece que a música está a conseguir abrir caminhos novos dentro de nós: nas peças turcas, já nenhum dos cantores alemães consegue permanecer sentado.
Do programa do concerto também faz parte uma canção de um autor judeu alemão, que me comove sempre. Fala do desejo de ser feliz, e do sonho de encontrar a felicidade de algum modo, algures, em algum momento. Irgendwie, irgendwo, irgendwann. Não é, afinal, o que todos nós queremos, independentemente da nacionalidade, da cor da pele, da religião?
Não é, afinal, aquilo a que todos temos direito?
Não é, afinal, aquilo a que todos temos direito?
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