25 março 2025

*vizinhos*

Na semana passada, o tema daquele meu famoso grupo de escrita era "vizinhos". Tinha muito para dizer sobre o assunto - de facto, o problema é mesmo saber por qual das pontas pegar, e o que deixar de fora - mas uma pessoa está de férias, e ou não tem internet ou não tem um teclado de jeito ou não tem tempo, ou tudo isso ao mesmo tempo, e fui atrasando. Agora que já devia estar a pensar no tema desta semana, os vizinhos não me saem da cabeça. E por isso escrevo, mais tarde e ainda a mais más horas que de costume. Portanto: aproveitem enquanto ainda faço parte do grupo, porque ando realmente a arriscar-me a ser posta para fora, e era merecido.

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Não sei se é verdade ou uma historieta forjada, e já não me lembro ao certo da frase, mas li algures, há muitos anos, que uma jovem alemã, na época do III Reich, terá comentado: "Todos os judeus são horríveis, excepto o senhor Rosenberg, que é meu vizinho". O fenómeno continua vivo e de boa saúde na Alemanha de hoje: quanto mais estrangeiros há num bairro ou numa região, menor é a percentagem de votos em partidos xenófobos. As pessoas temem o que não conhecem. E não é só na Alemanha.

É por isso que urge criar laços entre pessoas diferentes. O que se pode fazer de muitas maneiras, e uma delas é um projecto em que tenho vindo a pensar há alguns anos. Se passar por aqui alguém que leia e ache boa ideia e queira pôr em prática: esteja à vontade! Até agradeço.

Chamo-lhe "a aldeia da cidade" (em alemão é mais engraçado: das Stadtdorf), e imagino-a como um edifício onde vive uma comunidade em interacção com o seu bairro. Situado numa rua central, tem vários andares de apartamentos e um piso térreo virado para a rua: com uma cantina para almoços baratos que à noite é convertida em salão para os grupos do bairro: teatro, coro, dança, folclore, banda de música, clubes de leitura, yoga, e tudo o mais que houver. Com salinhas onde os moradores dão explicações ou aulas de música às crianças das redondezas, ou tomam conta de alguma criança enquanto os pais vão resolver algum problema urgente, ou fazem sessões de leitura de livros infantis - e não só. Com uma oficina para consertar pequenos electrodomésticos, um centro de aluguer/empréstimo de máquinas e utensílios da cozinha, de bricolage ou de jardinagem. Com uma oficina de sapateiro e outra de arranjos de costura. Com uma pequena salinha de leitura. Com uma horta comunitária. Com um café onde as pessoas podem ficar a conversar umas com as outras enquanto esperam.

Uma boa parte dos apartamentos são reservados para pessoas reformadas, com o objectivo de lhes permitir envelhecer dentro de uma comunidade plena de vida. Outros são reservados a pessoas que têm mais dificuldades em conseguir arrendar casa: refugiados, minorias, mulheres de famílias monoparentais. Condição para poder viver nesse centro comunitario: contribuir generosamente com trabalho, na medida das possibilidades de cada um, para o projecto de boa vizinhança. Quem quiser ficar a viver num dos seus apartamentos tem de responder satisfatoriamente à pergunta: "Quantas horas por semana quer dar a este projecto, e que actividades quer desenvolver?"

E onde arranjar o capital inicial para tudo isto? Parece-me que, tendo em conta o valor estratégico de um projecto como este para dar vida a um bairro e criar laços de humanidade e confiança entre os seus habitantes, transformando moradores isolados em vizinhos integrados, o edifício devia ser disponibilizado pelas autarquias, e sustentado por rendas solidárias (quem tem mais paga mais, quem tem menos paga o que pode).

É esta a cidade onde gostaria de viver: com um porto seguro em cada quarteirão, um lugar de generosa vizinhança, onde as pessoas têm nome e história. Para combater a solidão e o cinismo do mundo.

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