Trump ameaçou o rei da Jordânia: se não aceitar colaborar na limpeza étnica de Gaza, acolhendo no seu país muitas centenas de milhares de palestinianos (e sabe-se lá quantos membros e simpatizantes do Hamas, que é mesmo o maior sonho de qualquer país...), então adeus apoios da USAID, adeus aos 1.450 milhões de dólares anuais que os contribuintes norte-americanos pagam à Jordânia.
Parece simples. Mas esquece que a ajuda humanitária é mais do que pura generosidade e esmola dos ricos para os pobres: é uma ferramenta importante de soft power. Esquece que um país que "não deve nada" aos EUA está mais à vontade para procurar novos aliados. Esquece que os EUA têm meia dúzia de bases americanas na Jordânia. Esquece que é tão fácil rasgar os acordos de paz entre vários países árabes e Israel como lhe tem sido fácil a ele rasgar os acordos internacionais dos EUA.
Trump só tem força suficiente para tentar mandar nos outros enquanto é da boca para fora. Porque quando for a sério, a China terá o maior prazer em vir ocupar o espaço que os EUA deixam vazio ao recusar dar ajuda humanitária aos países pobres, terá todo o gosto em importar as matérias primas até agora reservadas ao mercado norte-americano. Quando for a sério, talvez a Rússia consiga instalar bases militares em países que até agora eram aliados dos EUA.
Quando for a sério, ver-se-á que o presidente dos EUA ofereceu de bandeja os países da sua esfera de influência aos seus maiores inimigos ou concorrentes.
Por esta altura, o sofá de onde atiro estas ideias ao mundo já começa a fumegar. E sinto uma espécie de empolgamento, aquele momento épico dos filmes quando uma multidão de pessoas sem poder se ergue contra o tirano.
Mas depois caio em mim: isto não é um sofá e não é um filme. Isto é o nosso mundo - tão complexo, em equilíbrio imperfeito e permanentemente precário - a perder todas as amarras e a mergulhar no caos. É a economia dos países (nomeadamente: os nossos) a entrar em recessão profunda, são as convulsões sociais, é o fim da paz social e da Democracia.
Espero que o Trump se aperceba em breve que o mundo é bem diferente do filme que ele vê a partir do seu sofá na Casa Branca.
(Se calhar uma pequena avaria no fornecimento de água ou electricidade a todas as bases militares norte-americanas no Médio Oriente, uma estranha avaria simultânea em todas elas, duas ou três horas apenas, era coisa para fazer mudar ligeiramente os contornos do mundo que se avista a partir do sofá do Trump.)
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