25 fevereiro 2025

o fenómeno Alice Weidel: uma mulher lésbica à frente de um partido homofóbico (1)

 

Em resposta ao pedido de um amigo, que tenta entender as contradições da Alice Weidel no partido AfD, fui investigar algumas publicações em alemão.  Começo com uma tradução rapidíssima e abreviada de uma abordagem académica, que Patrick Wielowiejski, investigador na área da Antropologia Cultural, publicou a 6.11.2021 (aqui, em alemão):


A normalidade alemã: os homossexuais de direita e a AfD A Alternativa para a Alemanha (AfD) fez a sua campanha eleitoral para as eleições federais de 2021 com um simples slogan: "Alemanha. Mas normal". Qualquer pessoa com alguma informação sobre teorias de género e queer reconhece imediatamente que isto também se referia à “normalidade” do patriarcado, bissexualidade e heteronormatividade que os partidos populistas de direita como o AfD defendem. Mas que tipo de comportamento em termos de género e sexualidade é realmente considerado “normal” para o AfD? A campanha eleitoral centrou-se nas famílias nucleares, brancas e heteronormativas, com um modelo de provedor masculino. No entanto, no próprio partido, também há políticos na linha da frente que não correspondem pessoalmente a esta imagem: Jörg Meuthen está no seu terceiro casamento, Beatrix von Storch não tem filhos, Alice Weidel vive em união civil registada e tem dois filhos. Todos “anormais”? Os políticos da AfD cujos estilos de vida se desviam dos valores heteronormativos e de família do seu próprio partido envidam esforços para satisfazer as exigências da norma. Este trabalho centra-se na questão da homossexualidade e da homofobia do partido.

Alice Weidel fez o seu coming out em 2017. Num discurso da campanha eleitoral admitiu ter uma opinião diferente da do seu partido sobre a igualdade jurídica: “Reclamo essa liberdade para mim”. No entanto, argumentou que não só não havia contradição entre ela e o seu partido, como também era lógico que ela fosse ativa na AfD enquanto mulher homossexual: “Recentemente, os bandos muçulmanos têm andado literalmente a fazer caça a homossexuais, mesmo no centro da Alemanha, e isso é um escândalo!” [...] “A AfD é a única verdadeira força protectora dos gays e das lésbicas na Alemanha”.

Este argumento, aparentemente “respeitador dos homossexuais”, baseia-se no racismo anti-muçulmano e ignora simplesmente o facto de os populistas de direita considerarem os homossexuais menos meritórios do que os heterossexuais. Exemplo: o programa da AfD de Hessen para as eleições estaduais de 2018 afirma inequivocamente que rejeita “ensinar às crianças a aceitação de orientações sexuais diversas e, em particular, apresentar a homossexualidade e outras orientações sexuais como manifestações iguais da sexualidade humana, especialmente se exigirem direitos iguais aos do casamento protegido por lei”.

Weidel parece ter percebido entretanto que tem de enfrentar de frente esta discriminação evidente. Numa entrevista, falou longamente sobre a sua família. Por um lado, quando lhe perguntaram se tinha problemas dentro do partido por “não corresponder exatamente ao cliché da AfD de um partido com uma imagem de família conservadora”, respondeu sem rodeios: "Claro que sim. Ainda hoje". Por outro lado, também utilizou narrativas conservadoras e fez com que os seus próprios valores parecessem estar de acordo com os da AfD: "As crianças precisam absolutamente de um pai e de uma mãe. Ou um homem ou uma mulher que desempenhe esse papel. No nosso caso, os miúdos têm contacto com os pais biológicos e também temos amigos homens que, de vez em quando, fazem actividades com eles e cobrem os seus interesses de ‘futebol’ e ‘carros rápidos’ - nós só temos um Skoda... Infelizmente, não podemos oferecer isso".

Nesta narrativa, Weidel desloca a fronteira entre o “normal” e o "anormal" de tal forma que ela e a sua família pertencem agora ao grupo dos “completamente normais”. Do outro lado da linha estão as famílias que não reproduzem o dualismo da mãe e do pai. Na entrevista, Weidel descreve explicitamente a sua rejeição da doação anónima de esperma: “Nesse caso, ter filhos torna-se pura auto-realização para os pais, um projeto do ego”.

Na minha dissertação, distingo duas formas diferentes, e parcialmente contraditórias, que os homossexuais encontraram para incorporar os valores da AfD. A primeira, na qual incluo também a narrativa de Weidel, segue uma lógica discursiva de igualdade homonormativa. Aqui, os estilos de vida dos homossexuais parecem ser tão “normais” que basicamente nada os distingue dos heterossexuais: O seu comportamento e estilo são claramente codificados como masculinos ou femininos, vivem em parcerias monogâmicas de longa duração e não querem dar nas vistas como homossexuais. Nestas condições, podem ser tolerados no imaginário político da AfD, porque não põem em causa a normalidade heterossexual de dois sexos. Nas suas práticas e narrativas quotidianas, há, em última análise, apenas uma coisa que distingue os defensores da igualdade homonormativa dos heterossexuais - a relação sexual. Mas, para eles, isso pertence ao espaço não-político da esfera privada. É por isso que também lhes é impossível actuar politicamente com base na sua própria homossexualidade. A maior parte deles recusa-se a envolver-se com o grupo da AfD que dá pelo nome de “Homossexuais Alternativos” (AHO).

Os AHO tentam politizar a sua homossexualidade. Na sua perspectiva, ser diferente, a afirmação simbólica da homossexualidade, a encenação do desvio e a apropriação da posição de outsider são virtudes através das quais a heteronormatividade pode ser estabilizada. É aquilo a que chamo "diferença heteronormativa". Um deputado da Alemanha Ocidental do AfD, que é considerado de direita radical no seu grupo parlamentar, disse-me: “Se não vos tivéssemos a vocês, aves do paraíso, este partido era uma seca.”

Por um lado, o objetivo dos AHO é demonstrar ao público que a AfD não é homofóbica. Por outro lado, também tenta trabalhar a nível interno para convencer o seu partido de que os homossexuais não ameaçam a nação, ou seja, “a continuação da cultura étnico-alemã”. Enquanto os políticos homossexuais da AfD como Alice Weidel se dão conta de haver um conflito com o seu partido (por exemplo: a igualdade jurídica), os AHO tentam alterar as posições do partido.

Um exemplo que trouxe do meu trabalho de campo: Dirk Uhlig, que era o chefe do comité estatal especializado em assuntos familiares da AfD, foi convidado para uma reunião dos AHO. Queria saber qual a posição dos homossexuais da AfD relativamente às exigências do partido em matéria de política familiar. Andreas, cofundador dos AHO, explicou-lhe o objectivo do grupo: "Trata-se também de dar mais visibilidade aos gays conservadores. Sentimo-nos instrumentalizados pela esquerda". Uhlig concordou imediatamente: "O facto de o tema da homossexualidade ser visto como uma questão de esquerda é um problema para nós. Temos um flanco exposto que precisa de ser fechado por vós. É assim que entendo a vossa função". Uhlig tinha trazido um esboço das principais exigências do AfD em matéria de política familiar. Depois de todos terem folheado as três páginas individualmente, Andreas disse: "Os homossexuais concordam definitivamente com tudo. O ponto sobre a integração da perspectiva de género é particularmente importante para nós. É completamente absurdo! Sempre esta compulsão para ‘igualar’ tudo, este igualitarismo. Mas nós não somos todos iguais! A identidade também implica diferenciação: Eu sou assim e não de outra forma."

Um dos anúncios da AfD na campanha para as eleições federais em 2021 começava com as palavras: “Há um partido que não perde tempo com rodriguinhos de género”. Quer os homossexuais da AfD sublinhem a sua “normalidade” ou precisamente o seu desvio da norma - em qualquer dos casos, concordam com o seu partido: a ordem heteronormativa de dois géneros deve ser mantida. E é desta forma que se querem inscrever no imaginário político do seu partido.


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