Na semana passada aconteceu um pequeno milagre, e poucos
repararam: juntou-se um grupo de resistentes do tempo dos blogues, com o
projecto de escrever todas as semanas sobre um tema predefinido - os mais cuscos, que gostam histórias de bastidores, podem espreitar aqui.
Ainda não
temos casa nem nada, mas já começámos a escrever.
O tema desta semana era “espalhar-se ao comprido”, e eu,
que devia ter publicado ontem, só hoje comecei a escrever. Vou-lhes sugerir que
um dos próximos temas seja “atraso de vida”, sobre esse assunto posso escrever
vários compêndios.
Espalhar ao comprido não é bem a minha especialidade. Eu
sou mais meter o pé na poça. Em termos de quedas, sobretudo metafóricas, na
maior parte dos casos salva-me um estranho reflexo condicionado que me mantém
sempre em pé. Tenho andado a pensar neste fenómeno (na verdade, foi esta manhã,
no duche), e parece-me que começa por isto: não fazer planos sérios para nada.
Deixar que a vida vá decidindo. Se o rumo muda, olha, tanto melhor. Estava a
caminho de Munique quando descobri que o comboio ia para Hamburgo? Ainda bem:
sempre quis ir conhecer Hamburgo, e vai ser hoje!
É por isso que, nas entrevistas para emprego, a pergunta
que mais odeio é “onde se vê daqui a cinco anos?” Uma vez, quando estava a
concorrer a um trabalho na Lufthansa, respondi: “aonde as minhas capacidades me
levarem, sem perder de vista o risco do princípio de Peter”. O entrevistador
riu-se, e deixou-me passar à segunda fase. Nessa, meti o pé na poça e
espalhei-me ao comprido: não consegui aquele emprego. Mas não se perdeu tudo
porque na entrevista seguinte, para a Bosch, quando me perguntaram quanto queria
ganhar (outro tópico que adoro...) respondi desajeitadamente “não sei, mas na
Lufthansa ia receber x”. Os entrevistadores entreolharam-se, surpreendidos, e
acabei a receber esse montante. Para fazer um trabalho desagradável num lugar
horroroso. E ainda bem, porque tornou mais fácil a decisão de ir à minha vida,
e o emprego que encontrei a seguir me pagou tão bem que ao fim de alguns anos
me despedi e fui gastar o superavit em San Francisco com a família toda. Nunca
sonhara viver dois anos em San Francisco, mas fui, e adorei.
Talvez a imagem do sempre-em-pé não seja a adequada: é
mais um saltitar, aceitando alegre e irresponsavelmente os convites
da vida, e servindo-me das contrariedades para mudar de direcção. Mais uma
frase deste género, e vai tornar-se evidente que, neste grupo de escrita sobre
um tema semanal, fiquei com a pasta de life coach. Para o que uma pessoa
está guardada! Mais duas frases do género, e dou comigo no Extremamente
Desagradável, “Helena Araújo: quanto pior, melhor!”
Como ia dizendo: nunca tive medo de me espalhar ao
comprido. Vamos indo e vamos vendo, já dizia o meu instrutor da escola de
condução. Mas ultimamente dou comigo a concentrar-me quando desço escadas. Um
olho nos degraus e outro no corrimão, atenta, tomada por um medo inédito de
cair e de me partir toda e de nunca mais nada voltar a ser o que era.
Envelhecer deve ser isto: temer que o nosso corpo, em crescente parvoeira para
se emancipar de nós, nos ataque à traição.
Se este tema vos interessa, não percam os escritos da
próxima semana. E mais não digo.
E se quiserem ler outras abordagens a este “espalhar-se
ao comprido”, senhoras e senhores, aqui vos deixo: a Maria João, a Carla, a Calita, a Mariana, a Joana.
Enjoy.
Sem comentários:
Enviar um comentário