10 fevereiro 2025

em que nos estamos a tornar?

 


https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/afegao-que-matou-2-pessoas-alemanha-seguia-no-pais-devido-erro-administrativo/

Em finais de Janeiro, uma tragédia atingiu a Alemanha em cheio: um refugiado afegão, conhecido por ser violento e por ter problemas psíquicos, e que já devia ter saído do país há vários meses, atacou um grupo de crianças de uma creche que iam a caminho de um parque. Matou um menino marroquino e feriu uma menina síria. Também matou o homem alemão de 41 anos que tentou defender as crianças.

Três dias mais tarde, numa sessão pública em memória das vítimas, Fátima, uma menina afegã de 12 anos insistiu muito com a organização para a deixarem dizer algumas palavras aos presentes. Tradução do que é dito no filme: Fátima: "Peço desculpa às mães das crianças." Organizadora: "Não tens de pedir desculpa. Não tens culpa." Fátima: "Mas há pessoas que pensam que eu, por ser afegã, sou uma pessoa má." Organizadora: "Tens à tua frente muitas pessoas, e não há uma única que pense isso de ti." Mais tarde, Fátima explica a uma equipa do canal BR (vídeo completo aqui) que depois daquele crime as crianças da escola começaram a olhar para ela de soslaio e a evitá-la, por pensarem que ela era perigosa e má.

A tragédia de Aschaffenburg pôs a questão da migração ainda mais no centro da campanha eleitoral que está em curso. Apesar de ser um resultado directo da ineficiência dos serviços, que naquele caso demoraram demasiado tempo a reagir, a passar informações e a fazer avançar o processo de saída do país que já estava decidido há muito, alguns partidos apressaram-se disparar numa direcção mais conveniente para os seus objectivos de curto prazo, exigindo mais dureza nas regras de entrada de refugiados.

A sociedade vai atrás. Não adianta um Scholz e um Habeck chamarem a atenção para os factos, o erro dos serviços, e a necessidade de melhorar os processos burocráticos para os tornar muito mais velozes e eficientes. O que dá votos é prometer mão forte, portas fechadas, controlo apertadíssimo das fronteiras, centros de refugiados fora da Europa. E os partidos da direita, mais a esquerda radical populista da Sahra Wagenknecht e a direita fascistóide da AfD atiram-se sem quaisquer escrúpulos a esse veio de ouro.

Um pequeno detalhe da hipocrisia: as crianças vítimas, que tanta comoção provocaram, pertenciam ao grupo dos indesejados, dos que é preciso "repatriar". São todos os "perigosos", os "maus" - para usar o vocabulário da jovem Fátima. Nenhuma criança síria ou marroquina se pode sentir em segurança num país que desconfia liminarmente de todos os seus compatriotas. E um dos partidos que mais cavalga o escândalo da morte destes pequeninos não se importa nada que outros pequeninos como estes morram no Mediterrâneo ou que os seus pais sejam assassinados por guardas da fronteira (sim, a Beatrix von Storch já sugeriu que se defendam as fronteiras alemãs a tiro). É nisto que nos estamos a tornar.

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