No post de ontem mencionei a coragem da bispa Mariann Budde, explicando a Trump o essencial da mensagem cristã. Esta manhã, o 7Margens presenteia-nos com a tradução do texto completo, que se revela ainda mais impressionante, acutilante e corajoso que o trecho de que ontem todos falavam. Partilho-o aqui, consciente de que estamos perante um momento de luz nestes tempos sombrios.
(Seguindo o link, encontram mais informação, incluindo vídeos e a gravação áudio da notícia - obrigada, 7Margens!)
Texto integral do sermão da bispa Mariann Edgar Budde
“Como país, reunimo-nos esta manhã para rezar pela unidade, não por um acordo, político ou outro, mas pelo tipo de unidade que promove a comunidade acima da diversidade e da divisão. Uma unidade que sirva o bem comum. A unidade, neste sentido, é um pré-requisito para que as pessoas vivam em liberdade e juntas numa sociedade livre. É a rocha sólida, como disse Jesus, sobre a qual se constrói uma nação.
Não é conformidade. Não é a vitória. Não é o cansaço educado ou a passividade nascida da exaustão. A unidade não é partidária. Pelo contrário, a unidade é uma forma de estarmos uns com os outros que abraça e respeita as nossas diferenças. Ensina-nos a considerar as múltiplas perspetivas e experiências de vida como válidas e dignas de respeito. Permite-nos, nas nossas comunidades e nas esferas de poder, preocuparmo-nos genuinamente uns com os outros, mesmo quando não estamos de acordo.
Aqueles que, por todo o país, dedicam as suas vidas ou se voluntariam para ajudar os outros em situações de catástrofe natural, muitas vezes com grande risco para si próprios, nunca perguntam àqueles que ajudam em quem votaram nas últimas eleições ou qual a sua posição numa determinada questão. O melhor que podemos fazer é seguir o seu exemplo, pois a unidade é, por vezes, sacrificial, tal como o amor: darmo-nos nós próprios para o bem dos outros.
No Sermão da Montanha, Jesus de Nazaré exorta-nos a amar não só o nosso próximo, mas também os nossos inimigos, a rezar por aqueles que nos perseguem, a ser misericordiosos como o nosso Deus é misericordioso, a perdoar aos outros como Deus nos perdoa a nós. Jesus esforçou-se por acolher aqueles que a sua sociedade considerava excluídos.
Agora, reconheço que a unidade, neste sentido amplo e expansivo, é uma aspiração, pela qual urge rezar. É uma grande petição ao nosso Deus, digna do melhor do que somos e do que podemos ser. Mas as nossas orações de pouco servirão se agirmos de forma a aprofundar ainda mais as divisões entre nós. As Escrituras são muito claras a este respeito: Deus nunca se impressiona com as orações quando as nossas ações não são influenciadas por elas. Deus também não nos poupa das consequências das nossas ações, que acabam sempre por ser mais importantes do que as palavras que rezamos.
Aqueles de nós que se encontram aqui reunidos na catedral não são ingénuos em relação às realidades da política – quando o poder, a riqueza e os interesses concorrentes estão em jogo, quando as visões do que a América deve ser estão em conflito, quando existem opiniões fortes num espetro de possibilidades e os entendimentos marcadamente diferentes sobre qual é a linha de ação correta. Haverá vencedores e vencidos quando se vota ou se tomam decisões que definem a direção das políticas públicas e a atribuição de prioridades aos recursos.
“A cultura do desprezo neste país ameaça destruir-nos”
Escusado será dizer que, numa democracia, nem todas as esperanças e sonhos específicos de todos podem ser realizados numa determinada sessão legislativa ou mandato presidencial, ou mesmo numa geração. Ou seja, nem todas as orações específicas de cada um serão atendidas como desejaríamos. Mas, para alguns, a perda das suas esperanças e sonhos será muito mais do que uma derrota política: será uma perda de igualdade e dignidade, e dos seus meios de subsistência.
Tendo isto em conta, será possível uma verdadeira unidade entre nós? E porque é que nos devemos preocupar? Bem, espero que nos preocupemos. Espero que nos preocupemos porque a cultura do desprezo que se normalizou neste país ameaça destruir-nos. Todos nós somos bombardeados diariamente com mensagens daquilo a que os sociólogos chamam atualmente o “complexo industrial da indignação”, algumas delas impulsionadas por forças externas cujos interesses são servidos por uma América polarizada. O desprezo alimenta as campanhas políticas e as redes sociais, e muitos beneficiam com isso, mas é uma forma perturbadora e perigosa de governar um país.
Sou uma pessoa de fé, rodeada de pessoas de fé e, com a ajuda de Deus, acredito que a unidade neste país é possível – não perfeitamente, porque somos pessoas imperfeitas e uma união imperfeita – mas o suficiente para que todos nós continuemos a acreditar nos ideais dos Estados Unidos da América e a trabalhar para os tornar realidade. Ideais expressos na Declaração de Independência, com a sua afirmação da igualdade e dignidade humanas inatas. E temos razão em pedir a ajuda de Deus na nossa busca da unidade, pois precisamos da ajuda de Deus, mas só se nós próprios estivermos dispostos a cuidar dos alicerces de que depende a unidade. Tal como a analogia de Jesus de construir uma casa sobre a areia, os alicerces de que precisamos para a unidade devem ser suficientemente sólidos para resistir às muitas tempestades que a ameaçam.
Fundamentos da unidade: dignidade, verdade e humildade
Quais são os fundamentos da unidade? Com base nas nossas tradições e textos sagrados, permitam-me que sugira que há pelo menos três. O primeiro fundamento da unidade é honrar a dignidade inerente a cada ser humano, que, como todas as religiões aqui representadas afirmam, é o direito inato de todas as pessoas como filhos do nosso único Deus. No discurso público, honrar a dignidade dos outros significa recusar-se a ridicularizar, rejeitar ou demonizar aqueles de quem discordamos, optando, em vez disso, por debater respeitosamente as nossas diferenças e, sempre que possível, procurar um terreno comum. E quando não é possível chegar a um consenso, a dignidade exige que nos mantenhamos fiéis às nossas convicções sem desprezar aqueles que têm as suas próprias convicções.
O segundo fundamento da unidade é a honestidade, tanto nas conversas privadas como no discurso público. Se não estivermos dispostos a ser honestos, não vale a pena rezar pela unidade, porque as nossas ações vão contra as nossas orações. Podemos, durante algum tempo, experimentar uma falsa sensação de unidade entre alguns, mas não será a unidade mais forte e mais ampla de que precisamos para enfrentar os desafios que temos pela frente. Agora, para sermos justos, nem sempre sabemos onde está a verdade, e há agora muitas coisas que vão contra a verdade. Mas quando sabemos o que é verdade, cabe-nos dizer a verdade, mesmo quando, especialmente quando, isso nos custa.
O terceiro e último fundamento da unidade que mencionarei hoje é a humildade, de que todos precisamos porque somos todos seres humanos falíveis. Cometemos erros, dizemos e fazemos coisas de que mais tarde nos arrependemos, temos os nossos pontos cegos e os nossos preconceitos, e somos talvez mais perigosos para nós próprios e para os outros quando estamos convencidos, sem sombra de dúvida, de que estamos absolutamente certos e que os outros estão totalmente errados. Porque então estamos a um passo de nos rotularmos como as pessoas boas frente às pessoas más. E a verdade é que todos somos pessoas: somos capazes de fazer o bem e o mal. Como Alexander Solzhenitsyn observou astutamente: “A linha que separa o bem do mal não passa por Estados, nem por classes, nem por partidos políticos, mas sim por cada coração humano, por todos os corações humanos”.
E quanto mais nos apercebermos deste facto, mais espaço teremos dentro de nós para a humildade e a abertura mútua entre as nossas diferenças. Porque, de facto, somos mais parecidos do que imaginamos, e precisamos uns dos outros.
É relativamente fácil rezar pela unidade em ocasiões de grande solenidade. É muito mais difícil consegui-lo quando nos confrontamos com diferenças reais na nossa vida privada e na esfera pública. Mas sem unidade, estamos a construir a casa da nossa nação sobre a areia. E com um empenhamento na unidade que incorpore a diversidade e transcenda o desacordo, e com a base sólida de dignidade, honestidade e humildade que a unidade exige, podemos fazer a nossa parte, no nosso tempo, para concretizar os ideais e o sonho da América.
“Coragem para honrar a dignidade de cada ser humano”
Permitam-me que faça um último apelo. Senhor Presidente, milhões de pessoas depositaram a sua confiança em si e, como disse ontem [no discurso de posse] à nação, sentiu a mão providencial de um Deus amoroso. Em nome do nosso Deus, peço-lhe que tenha piedade das pessoas do nosso país que agora têm medo. Há crianças gays, lésbicas e transgénero em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas das quais temem pelas suas vidas. E as pessoas que apanham as nossas colheitas, limpam os nossos edifícios de escritórios, trabalham nas explorações avícolas e nos frigoríficos, lavam a loiça depois das refeições nos restaurantes e fazem turnos de noite nos hospitais: podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos imigrantes não são criminosos. Pagam impostos e são bons vizinhos. São membros fiéis das nossas igrejas, mesquitas, sinagogas, viaras e templos.
Peço-lhe que tenha piedade, Senhor Presidente, daqueles que, nas nossas comunidades, têm filhos que receiam que os pais lhes sejam retirados, e que ajude os que fogem de zonas de guerra e de perseguição nas suas próprias terras a encontrar compaixão e acolhimento aqui. O nosso Deus ensina-nos que devemos ser misericordiosos para com o estrangeiro, pois todos nós fomos estrangeiros nesta terra.
Que Deus nos dê a força e a coragem para honrar a dignidade de cada ser humano, para dizer a verdade uns aos outros em amor e para caminhar humildemente uns com os outros e com o nosso Deus para o bem de todas as pessoas nesta nação e no mundo.
Amen”.
Sem comentários:
Enviar um comentário