30 setembro 2024

sostra

 

Tenho andado longe deste blogue, desculpem. Muitas férias muito cheias de alegria, e depois muito trabalho, também com bastantes alegrias - o resultado de tanta azáfama está à vista neste pobre blogue esquecido. A ver se me emendo. Começo já hoje, com duas histórias: História nº 1:
Uma vez, em finais dos anos setenta do século passado, estava a ver um programa de variedades da RAI na casa de uma das minhas avós.
- Olha aquelas saias compridas, tão compostinhas, assim é que devia ser! - elogiava ela, muito satisfeita (era a avó que queria que eu andasse de combinação no verão, porque revelar as formas do corpo sob um vestido de tecido leve tinha o seu quê de indecente).
Mas eis que, de repente, no show da RAI alguém começou a cantar, as mulheres começaram a dançar, e as saias maxi afinal tinham rachas maxi pelas quais saíam pernas femininas elegantemente atiradas para o ar.
- Ai que sostras! - exclamou a minha avó, horrorizada, e chamou logo o marido para vir desligar a televisão, porque estava cheia de poucas-vergonhas.

Em 2024, bastou a Ana Moura levar um vestido menos habitual, digamos assim, aos Globos de Ouro, para descobrir que a minha avó, que morreu há 4 décadas, afinal está viva e bem viva dentro de muitas cabecinhas.

História nº 2: Nos anos 60 do século passado, a minha mãe tinha a audácia de entrar no café da aldeia para beber cervejas com uma amiga. Que desplante! E ousou fazer a gravidez do meu irmão mais novo, em 1970, com um fato de calças! Calças! E ainda por cima: grávida! (era um fato bem bonito, por sinal)
Olhavam-na de lado, criticavam, e até havia quem lhe chamasse leviana.
É certamente também por isso que me irrito tanto com esta vaga de achincalhamento de uma mulher que decidiu vestir o que lhe apeteceu num show que, de qualquer modo, precisa deste tipo de encenação para ser mais interessante. Para mim, a zombaria que por aí vai é um assassinato simbólico que não está muito longe da mentalidade dos guardas da revolução iraniana.
(A quem interessar possa: deixo de presente a palavra "sostra", para aplicarem às mulheres cuja liberdade vos incomoda, já que o "puta" está a ficar muito gasto...)

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