12 dezembro 2023

culturas radicalmente diferentes de quê?

Acabei de ler no Público: "Semanas antes de morrer, Henry Kissinger disse à Welt TV que as chocantes manifestações em Berlim defendendo a ação terrorista do Hamas demonstrariam que a Alemanha terá deixado entrar demasiados estrangeiros com culturas radicalmente diferentes."

(texto de Carlos Blanco de Morais, Público, 12.12.2023)

Na Alemanha há mais de cinco milhões de muçulmanos. No dia 7 de Outubro, 50 de entre eles (segundo a polícia) vieram para a rua festejar o massacre cometido pelo Hamas - é quanto basta para Kissinger emitir aquela opinião. Semanas antes de morrer, ainda conseguiu deixar mais um bocadinho de veneno no nosso mundo.

Bastam cinquenta pessoas - que pertencem a uma organização radical - para todos os muçulmanos passarem a ser pessoas de "culturas radicalmente diferentes" e portanto indesejadas na Alemanha. Kissinger e os seguidores da sua retórica: zero a estatística.

Dizem estas coisas por aí, e depois eu que ature uma conhecida minha, que me vem com conversas de "Eles têm de se integrar", e eu "Integrar, como, o quê? Têm de deixar de andar de lenço na cabeça?" e ela "Ai isso, os detalhes, não sei. Mas têm de se integrar."

Penso nos alemães neonazis, e nos alemães que trabalham de graça para o bem dos outros, e nos alemães que por vários motivos não entram no mercado de trabalho, e nos alemães que infernizam a vida aos outros com muitas e variadas picuíces, e nos alemães que são de uma extrema decência e generosidade. Penso naquele funcionário da Câmara do Porto que não queria aceitar um projecto do Siza Vieira porque "a casa não combinava com o estilo da rua", e no arquitecto que então perguntou: "mas não combina com o estilo da casa da direita ou com o estilo da casa da esquerda?!"

Penso também na Alemanha e nos EUA, que continuam a apoiar um país (não vamos dizer nomes) que, em nome do seu direito a defender-se, fechou dois milhões de pessoas num gueto, deitou fora a chave da porta, cortou a entrada de água e comida (para além de tudo o mais), e desatou a bombardear prédios de habitação, escolas, e até hospitais.

Há cinco milhões de muçulmanos na Alemanha. O Estado alemão tem deixado bem claro que os muçulmanos têm de ter muito cuidadinho com o que dizem, caso contrário não há lugar para eles neste país. Portanto, cinco milhões de muçulmanos na Alemanha assistem em silêncio ao massacre permanente da população de um gueto à qual fecharam as saídas de emergência, assistem chocados a este flagrante atropelo dos Direitos Humanos, os direitos que o Ocidente tanto gosta de alardear por aí.

E calam. Provavelmente pensarão: "E nós é que somos os tais da cultura radicalmente diferente?!"



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