31 outubro 2023

vocês querem resolver o problema?

Tenho andado muito calada por aqui. Por excesso absoluto de trabalho, e por excesso absoluto de horror. O que se passou em Israel e o que se está a passar em Gaza deixa-me sem saber o que dizer.

Pouco depois do massacre dos terroristas do Hamas, fiz um apontamento no facebook:

Não tenho palavras para falar do sofrimento dos habitantes da massacrada "Terra Santa". Todos eles. Tantas tragédias - a que se junta o desespero de não ver uma saída para tanto horror.
Não tenho palavrões para insultar os terroristas do Hamas - perante aquela orgia de crueldade calculada, qualquer insulto fica aquém.
Também me faltam palavras para dizer a estupefacção perante o comportamento do Egipto, que mantém a fronteira de Gaza fechada "por motivos de segurança interna". A falta que às vezes faz uma Merkel...

Onde faltam as palavras, ergam-se os gestos de solidariedade. Aqui deixo uma lista de organizações que estão a ajudar no terreno, e precisam do nosso apoio: lista de organizações publicada no Sete Margens.


Tenho debatido bastante com uma amiga, também de Berlim, que me manda textos, filmes (entre eles, um inenarrável do Varoufakis) e apelos para participar em manifestações contra a guerra em Gaza. Tenho-lhe respondido assim: 


Começando pelo Varoufakis: pouco depois do massacre do Hamas, comparou o Hamas ao ANC. Isso é profundamente indecoroso, a vários níveis, e acho que não preciso de explicar porquê. Portanto: o que o Varoufakis diz não me interessa, porque ou é muito ignorante ou é muito desonesto ou está de tal maneira cego pela ideologia que não consegue reparar no sofrimento dos humanos.

Quanto ao Hamas: usa os civis palestinianos como reféns da sua própria estratégia de poder. Quer exterminar Israel, e quer criar naquela terra o seu próprio Estado de terror islâmico. Cometeu esta chacina sabendo perfeitamente que a consequência seria uma chacina muito maior por parte de Israel. Juntaram-se ali os mais terríveis interesses de um e do outro lado, e quem paga são os palestinianos, encurralados entre um Hamas que se serve deles como carne para canhão e um governo israelita na mão de fanáticos e de foragidos à Justiça. Que nos sirva de aviso: aceitar os motivos dos que advogam a violência, por mais justa que a causa nos pareça, conduz mais cedo ou mais tarde à chacina de civis.   

Portanto: quem, na Europa, quiser realmente ajudar os palestinianos, tem de se demarcar de forma muito clara do Hamas e de tudo o que possa ser estratégia favorável ao Hamas. Tem de se demarcar de quem, por exemplo aqui na Alemanha, diz que ficou muito contente com o massacre no festival, e de quem anda a assinalar casas onde moram judeus. A mim é que não apanham numa manifestação onde essas pessoas possam estar. 

Uno-me com toda a convicção aos protestos contra a guerra em Gaza, esse massacre de civis. Mas quero-me bem longe de dinâmicas de "free Palestine", porque infelizmente o Hamas está a usar essa causa em proveito próprio, e não nada está claro se o "free Palestine" significa "paz para o povo palestiniano" ou "fim a Israel". Recuso-me a participar no jogo do Hamas. Este está nos antípodas do interesse do povo palestiniano, como estamos a ver: o Hamas desejou ardentemente a catástrofe que se está a abater sobre os civis palestinianos, segundo o lema "quanto pior, melhor". Se não tivesse havido o 7 de Outubro, hoje era uma segunda-feira normal em Gaza. Bem sei que o "normal" já era péssimo, mas isto aqui é uma tragédia sem fim.

Quanto a todas essas teorias sobre a origem do anti-semitismo, mais a culpa original, etc., só me lembra um advogado que nos ia defender em tribunal e atalhou os nossos argumentos com esta pergunta: "vocês querem resolver o problema, ou só querem provar que têm razão?"

8 comentários:

jj.amarante disse...

Essa fronteira fechada do Egipto pareceu-me estranha e pouco cooperativa para os habitantes de Gaza. O embaixador Seixas da Costa referiu entretando que a jordânia tem 2,5 milhões de refugiados palestinos, o Líbano 400000 e a Síria 500000. Estes refugiados não voltaram até agora para Israel e quer o Egipto, quer a Jordânia já disseram que não aceitam refugiados palestinos. Eu estou firmemente convencido que se uma multidão de Palestinos saírem de Gaza é para nunca mais voltar. Nos Balcãs um Croata que fizera uma limpeza étnica de Sérvios de um território dizia em privado "ima limpeza étnica é melhor do que um genocídio. Faço assim a conjectura que o Egipto e a Jordânia consideram Israel incapaz de fazer um genocídio mas que Israel seria capaz de fazer uma limpeza étnica de Gaza à semelhança de outros territórios.

helena Andrade disse...

E as crianças Senhor?

Helena Araújo disse...

jj.amarante,
O que ouvi dizer por aqui foi que o Egipto não abria a fronteira por motivos de segurança. Sabe-se lá quantos terroristas viriam misturados com os refugiados...

Helena Araújo disse...

Ah, e já me ia esquecendo: esses refugiados não voltaram para as terras de onde foram expulsos porque a cláusula de não retorno é um elemento central das negociações - e um dos motivos pelos quais elas falham sempre.

Lucy disse...

Um horror, tudo isto

Ana P disse...

Helena, sigo-te há anos e respeito-te muito, por isso não leves a mal a pergunta. Porque é que não concordas com manifestações pela libertação da Palestina? Vejo-as principalmente como um esforço de relembrar a opressão sob a qual os palestinianos vivem há longas décadas, e reforçar a mensagem, de que também os palestinianos merecem viver em liberdade e paz e não num estado de apartheid. Nada no slogan Free Palestine diz que Israel ou que os israelitas devem deixar a Palestina. Porque é que se assume que para a Palestina ser livre Israel não pode ser?
Dos israelitas que tenho lido com muita admiração têm vindo a comunicar que é preciso aceitar o facto que nenhum dos povos sairá de lá, e que por isso precisam de encontrar formas de viver em paz juntos, partilhando aquela terra. A forma política administrativa como isso deverá acontecer competerá idealmente a movimentos conjuntos de ambos os povos. Mas agora estamos ainda no abismo, com as declarações apologistas de genocídio de demasiadas pessoas no governo e parlamento israelita, e ao mesmo tempo com a complacência total da Europa. Como é que o genocídio dos Palestinianos em Gaza vai contribuir para enfraquecer o Hamas? Para além de ser absolutamente imoral. Tal como os ataques do Hamas.
Há algo que me assombra nisto, que é um genocídio estar a acontecer em livestream, sem condenação dos grandes poderes ocidentais, e até o envolvimento financeiro e apoio moral dos EUA e de outros, e ao mesmo tempo o framing da discussão em mts canais ocidentais ser "israel tem o direito a defender-se" e "então, e como se destrói o hamas?", em vez de ser, como parar o genocídio agora?

Helena Araújo disse...

Ana P,
Pensava que estava claro. O que está a acontecer em Gaza é um crime terrível. Israel não devia ter carta branca para se defender a este preço. Tem de haver uma task force internacional para pressionar a sério no sentido de acabar com este massacre e retomar uma via de entendimento entre os dois povos.

Não sou contra manifestações pela libertação da Palestina, se "libertação" significa pôr um fim às condições de absoluta injustiça em que o povo palestiniano tem vivido há tantas décadas.
Mas preocupa-me que pessoas com as melhores intenções se deixem manipular pela agenda dos que querem eliminar Israel e estabelecer um regime bárbaro naquela região.
Pode ser distracção minha, mas nessas manifs há demasiados "Palestina will be free from the river to the sea!" mas nenhuns "libertação imediata dos reféns do Hamas!"
Não quero dar força a essa agenda, e por isso ninguém me apanha numa manif onde posso estar a marchar ao lado de pessoas que mostram cartazes onde a estrela de David está no caixote do lixo. Há dias, aqui na Alemanha, apareceram grupos a defender o Califado numa manifestação de solidariedade para com os palestinianos.
Ainda bem que o fizeram: ficou muito evidente o que (também) está por trás destas manifs.

Mais ainda: hoje li alguns detalhes escabrosos do que os terroristas do Hamas fizeram em algumas casas. A menina a quem cortaram um braço, e deixaram ali a esvair-se em sangue. O bebé assado vivo no forno. Porque é que não há manifestações a condenar isto? Porque é que tantas pessoas me respondem "sim, mas..."?
Não participo em manifestações onde houver pessoas que dizem "sim, o ataque do Hamas foi um horror, mas..."


Uma pergunta que me tem inquietado ultimamente: porque é que não fomos para a rua quando Assad e Putin bombardearam cidades sírias? Quando Saddam Hussein usou bombas químicas contra civis? Porque é que não fomos para a rua quando se multiplicaram notícias sobre a catástrofe do Yemen?
O que é diferente desta vez? Será que há uma enorme máquina por trás destas manifestações, e que estamos a ser manipulados? E será que os apelos desta vez recebem uma ampla resposta porque no fundo, no fundo, o nosso problema não são realmente as crianças, mas Israel?



Helena Araújo disse...

ADENDA - Sim, bem sei que desta vez há uma diferença enorme para os ocidentais: Israel tem o apoio dos nossos países. Mas será que isso explica tudo? Será?

Mais algumas questões para reflectir sobre a possibilidade de termos em nós muito mais anti-semitismo do que pensávamos:

- Na altura da carnificina síria, quando Obama esteve prestes a entrar na guerra, saímos para a rua igualmente preocupados com a destruição das cidades sírias?

- Quantas pessoas vieram para a rua, logo após o ataque do Hamas, para exigir a libertação dos reféns israelitas, para condenar o ataque em si, e, para além dele, o sadismo desenfreado dos terroristas?

- Quantas pessoas, nessas manifs, justificam o ataque do Hamas como parte do combate para a libertação da Palestina? Podemos levar a sério pessoas que gritam "crime de guerra!" contra Israel, mas desculpam como "luta de libertação" o ataque do Hamas, mesmo sabendo que o Hamas matou civis num festival e dentro das habitações, violou, torturou, profanou cadáveres, decepou crianças vivas?

- Porque é que não há manifestações de solidariedade aos judeus que vivem no mundo ocidental, e de afirmação do seu direito a viver entre nós sem medo? E, quando as há: porque é que têm tão poucos manifestantes?

Voltando à questão da hipótese de estarmos a ser manipulados: porque é que em todo o mundo árabe há manifestações de repúdio ao ataque aos civis de Gaza, mas não se viu essa justa fúria quando Saddam usou armas químicas contra o seu povo, nem se vê nada disso perante as crianças do Iémen que morrem de fome, e muito menos contra os crimes de guerra que aconteceram na Síria? Será que os organizadores das manifs no mundo árabe só se incomodam com as crianças mortas quando o agressor é Israel?

Dito isto, repito: o que está a acontecer em Gaza é crime de guerra. Mas os inimigos de um criminoso de guerra não são automaticamente meus amigos. Nem pensar em permitir que o meu protesto contra este crime de guerra possa dar força ao Hamas e a todos os que querem acabar com Israel e instalar naquela região um regime de fanatismo e violência contra a própria população. O Hamas já mostrou claramente que não está nada preocupado com o sofrimento das crianças palestinianas e da população em geral.