07 outubro 2023

"Mãe! Tive um acidente!"

 

Esta semana fui vítima de um scam por telefone. E quando descobri, soltei gritos de alívio...

O telefone tocou, ouvi uma voz de mulher a chorar completamente à rasca: “Mãe, tive um acidente!” – e chorava, chorava, chorava.

Daí a nada, passou a uma polícia, que me disse que a Christina (elementar: Ao ouvi-la dizer "Mamã!" e desatar a chorar, disse automaticamente “Então, Christina, o que aconteceu? Há feridos?”) não tinha respeitado a prioridade de outra pessoa, e a outra pessoa – uma mulher de 30 anos, com 3 filhos, família monoparental – tinha morrido ali mesmo.

Agora não comecem a cantar de galo, “ai Helena, parece impossível, como é que foste cair nessa? Ai eu cá a mim isso não me acontecia...” – porque se calhar acontece. Só espero que nunca vos aconteça. Porque, sei-o agora, uma pessoa escapa a dúzias de tentativas de phishing no mail e no whatsapp, mas não está preparada para manter a racionalidade quando houve a "filha" a chorar completamente destroçada depois de um acidente horroroso por culpa dela.

Aqui a artista só pensava “que horror, que vai ser daquelas crianças?” e “que horror, que vai ser da minha filha?” e "tenho de a levar imediatamente a um psi" - e foi colaborando com a “polícia”, em estado de choque. Disseram-me que o procurador exigia sigilo absoluto para proteger o anonimato da vítima e da minha filha, e para confirmar que era eu pediram-me o nome, a data de nascimento e a morada. E o nº do telemóvel, caso tivessem de me contactar quando eu estivesse a caminho do tribunal. Sim, eu própria reviro agora os olhos, sim, só vos estou a contar para vos avisar. E depois disseram que era preciso ir entregar uma caução de 50.000 euros no tribunal administrativo. Eu disse que não tinha dinheiro nenhum em casa. “E que coisas de valor tem?”

Pimbas. Já foste.

Não conto mais que isto, porque estou aqui para vos avisar mas escuso de me envergonhar ainda mais.

Disseram que iam falar com o procurador, e ver se ele aceitava uma caução daquele valor, e que ligavam em breve. Como nunca mais ligavam, decidi telefonar à Christina para a esquadra, ou a prisão, ou o hospital psiquiátrico que devia ser o lugar dela no estado em que se encontrava. Atendeu com uma voz muito jovial, que eu – de tal modo embrenhada nesta terrível história – interpretei como sinal de que estava encharcadíssima em calmantes. Só ao fim de duas ou três frases é que perguntei: "não tiveste um acidente hoje?"

Agora estou aqui a temer que me venham assaltar a casa, depois da descrição que fiz, ou que façam roubo de identidade. Mas nem queiram saber o alívio que senti por a minha filha não estar envolvida num acidente horroroso.

O que aprendi com isto: - Vou escrever cem vezes, à mão: "quando te pedirem informações ou dinheiro, desligas o telefone e ligas directamente ao teu familiar/amigo que está envolvido na história". A ver se crio realmente um mecanismo automático suficientemente forte para se sobrepor ao grito lancinante "Mãe! Tive um acidente!" - Vamos criar uma senha na família, para termos a certeza de que quem está a pedir dinheiro é a pessoa que pensamos que é. (Sabendo que isto não funcionaria quando acreditamos que a "filha" do outro lado está muito à beira do ataque de nervos.) - Ajuda imediata é dizer que já pusemos o telefone em alta voz para as pessoas que estão ao nosso lado ouvirem também.

--- Ainda não assaltaram a casa. Se calhar acharam que, sem dinheiro em casa e com tão poucos objectos de valor, não vale a pena. Ou então vieram, espreitaram para dentro, e viram a casa tão desarrumada que devem ter pensado "nããã, isto vai dar muito trabalho, vamos mas é trabalhar noutro sítio de leitura mais fácil."

3 comentários:

Tomé Namora disse...

Cara Helena:
Diz o ditado: À primeira todos caiem, à segunda cai quem quer!
Para que conste:
Estávamos perto Euro 2004 e tenho um encontro com um “amigo” de longa data …
Ao sair do meu barbeiro sou abordado de forma exuberante pelo meu “amigo”, calmeirão, de mão estendida. Correspondo ao cumprimento, esforçando-me por me lembrar quem era o tipo e de onde o conheceria…
Ele - Epá, tás bom, estás na mesma, ótimo aspeto, há que tempos que não te via… já lá vão seguramente mais de 3 anos… patati, patatá … Não te estás a lembrar de mim…?!
E eu fui dando algumas pistas… até que ele apanhou uma que foi explorando e dando conversa que parecia fazer algum sentido…
(eu trabalhei numa Associação onde todos os dias contactava com muita gente telefonicamente. Normalmente eu só estabelecia contacto direto com muitas dessas pessoas nos eventos que realizávamos periodicamente e que chegavam a ter 3 ou mais centenas de pessoas. Obviamente que nessas circunstâncias eu não conseguia fixar a fisionomia de muitos, mas a maior parte deles/delas fixavam a minha, portanto, podia bem ser um desses casos! Nesses tempos, era normal virem ao meu escritório e ser agraciado com pequenas lembranças, uma garrafa de vinho, um acessório de escritório, coisas do género.)
Conversa puxa conversa e o meu “amigo” convida-me a ir até ao carro dele, estacionado próximo, pois queria dar-me uma lembrança…. ao logo dos anos eu tinha sido muito gentil com ele e ele queria agora retribuir! Tentei recusar, mas ele já tinha metido o braço no meu e lá me arrastou e, entretanto, foi dando algumas referências discretas sobre dificuldades por que estaria a passar…
Chegados ao carro, abre o porta bagagens cheio de embrulhos, tira uma caixa, e diz: isto é para ti, vai-te ser útil para veres os jogos do Euro… (por decoro não abri o meu presente...) mas tenho também aqui uma lembrança para a tua mulher … e saca de uma pequena caixa, que abre, onde aparece um relógio e um anel, que vi logo ser do tipo bugiganga chinesa… Eu continuava a esforçar-me para o associar às pessoas e locais que ele (ou eu…) tinha mencionado, mas sentia-me ligeiramente incomodado…
Mais conversas sobre as suas dificuldades e pergunta-me se eu lhe empresto 50€, pois estava sem combustível. Eu tento resistir, digo que não tenho ali esse dinheiro, mostro a carteira, mas ele diz, não há problema(!) e apontou para uma Caixa Multibanco a menos de 50 m…
Conclusão: O meu “amigo” ofereceu-me uns binóculos marados, um relógio e um anel de fantasia, eu fiquei sem 50€ e nunca mais vi este meu “amigo”.
Cerca de 2 ou 3 anos depois, em viagem para o norte parei para almoçar no Manjar do Marquês. Ao sair sou abordado por um outro meu “amigo” de modo em tudo idêntico ao modelo acima. Mas não foi preciso chegar ao fundo das escadas para o recambiar para a mãezinha dele!
P.S. Gosto muito dos seus escritos, todos os dias vou à procura de aprender mais consigo. Bem Haja! Cumprimentos, Tomé

Helena Araújo disse...

Que gentinha, Tomé!
Uma mulher de 22 anos que fazia a sua vida nesta rede de telefonemas de choque foi apanhada. No tribunal ainda se riu, dizendo que era facílimo enganar as pessoas.
O preço é pago por toda a sociedade: o mais valioso que nos roubam não são os nossos bens - é a confiança no mundo.

Lucy disse...

Que histórias horríveis e que triste haver tantas pessoas a enganarem outras!