02 setembro 2023

Ritchie Girl - Jogo de Espiões

 


Andava há meses à espera desta novidade, e foi hoje: o Ritchie Girl, um livro que me ocupou durante alguns meses de 2022, já está à venda.
Recomendo muito.
Um romance que é um mergulho vertiginoso na Alemanha no final de segunda guerra mundial, na miséria moral e material dessa época, nos jogos de poder e de cintura quando os EUA decidem que afinal os comunistas são um inimigo ainda pior que os nazis.
Andreas Pflüger, o autor de "Ritchie Girl - Jogo de Espiões", nasceu na Alemanha em 1957, e foi testemunha da herança nazi no quotidiano alemão de então: a expressão "até ao gaseamento" para dizer que se vai fazer um trabalho até ao fim, ou "pareces um judeu meio enforcado" quando um aluno aparecia na escola com a camisa mal metida dentro das calças - entre muitos outros exemplos que também eu ouvi, apesar de só ter chegado à Alemanha em 1989. O livro reflecte bem o ódio e a vergonha que o autor sente perante esta página da História do seu país e a profunda hipocrisia que, no pós-guerra, tomou conta do mundo ocidental e em particular da sociedade alemã.
De facto, trata-se de um ajuste de contas com o passado. Uma catarse.
Um ajuste de contas que é, simultaneamente, muito informativo para o leitor, porque é fruto de uma pesquisa meticulosa para nos apresentar esta época e os seus actores: não apenas os maiores criminosos nazis - vários deles reabilitados na nova Alemanha, por serem considerados úteis - mas também muitos que conhecemos de outros contextos: Otto Dix, Oskar Schindler, os irmãos Dulles, Nixon, Kissinger, Stefan Heym, Klaus Mann, e muitos outros.
Somos levados, com bom ritmo e muitas surpresas, a conhecer uma Alemanha faminta e desesperada, entregue ao salve-se quem puder, ao mercado negro e à prostituição para conseguir sobreviver; testemunhamos as execuções de Nuremberga; revisitamos a figura de Eichmann, que – segundo o autor – não corresponde de modo algum à descrição “banalizada” de Hannah Arendt; penetramos nos labirintos brutais dos serviços secretos e nas ligações entre a indústria e os nazis; e voltamos uma e outra vez ao sadismo e à crueldade dos actores do Holocausto.
Dificilmente esquecerei algumas passagens deste Ritchie Girl.
Uma delas é a crítica à definição do presidente Weizsäcker, que chamou ao 8 de Maio de 1945 o "dia da libertação". Libertação de quê e de quem?, pergunta o autor. Então o III Reich não foi obra do povo alemão? Ou será que o país foi invadido por terceiros, que impuseram a sua vontade contra a vontade do povo?
Outra, é um momento que revela de forma chocante o que ia na cabeça dos criminosos nazis: um oficial da SS gaba-se de ter participado num massacre a judeus numa praça de Cracóvia. Quando lhe perguntam se os homens destacados para execuções deste género não iriam, com o passar do tempo, ficar psiquicamente afectados ou de tal modo brutalizados que se tornariam inaptos para qualquer outro tipo de serviço, o homem nega. Diz que é exactamente o contrário. “A tarefa naquela praça em Cracóvia teria tido um cunho rural, algo como, por exemplo, ceifar um campo. Disse que era muitíssimo satisfatório chegar à noite e ver o trabalho executado durante o dia.”


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