Em conversa no facebook, surgiu a expressão "subir na horizontal".
A insídia da expressão revolta-me: é uma espécie de pecado original das mulheres. Apenas porque nasceram mulheres, se têm êxito na sua carreira profissional são "naturalmente" alvo de suspeitas e dichotes deste género.
Paralelamente, enfurece-me a ilibação da contraparte. Porque atrás de cada mulher que "sobe na horizontal" está um homem que abusou do poder que lhe foi confiado pela organização para a qual trabalha. Vejamos: um tipo que, numa empresa ou instituição, promove as pessoas às suas ordens em função dos favores sexuais que recebe delas, merece despedimento imediato (ou alguém vai dizer que não?). Mas nunca se fala disso - ao passo que a mulher fica marcada pelo ferrete.
Se me deixassem mandar...
(quando começo assim, já sabem: tive uma ideia fantástica que me apresso a expor antes de pensar mais dois minutinhos e perceber logo os motivos da sua impraticabilidade)
...criava em todas as organizações uma regra simples: sempre que alguém disser que determinada mulher subiu na horizontal, abre-se um processo para investigar os critérios usados pelo chefe dela para a promover. E se os critérios forem à prova de bala, abre-se um processo por difamação (do chefe e da subalterna) à pessoa que fez a acusação.
"Ah, e tal, elas sabem é muito... há tantos casos de mulheres que se artilham todas para conseguir vantagens do professor ou do superior hierárquico...", dirão alguns, e eu sinto logo imensa pena desses superiores hierárquicos que devem sofrer horrores para aguentarem os olhinhos no rosto da pessoa com quem estão a falar. É uma vida muito dura. Nos casos mais difíceis, tenho uma solução relativamente simples: porta do gabinete aberta, e uma pilha de livros em cima da mesa que não permita ver mais do que a cabeça da pessoa sentada à sua frente.
Que me dizem?
2 comentários:
Helena, o teu comentário sobre a subida na horizontal faz-me pensar em que caixote terei uma versão ilustrada do Kama Sutra, porque a ideia que me veio primeiro à cabeça foi a da posição do missionário, com a horizontal comum aos parceiros.
E, precisamente, a minha "tese" é que não se trata de género, mas de poder. E de avaliação de custos/benefícios.
Sobre a mulher ficar marcada com um ferrete, depende tanto do contexto em que se dá o assédio, que ficávamos aqui a tentar ver cada um. Neste caso específico, estamos a falar de homens e mulheres supostamente emancipados. Não sei em que raio de faculdades andei, mas, se não gostasse do orientador, ou se o orientador não gostasse de mim, tinha umas dezenas de outros para escolha, só no país.
Não estou a dizer que me faça sentido aproveitarem as relações laborais para confundir com relações de outro tipo - de muitos outros tipos! Mas não me faz também sentido nenhum ser cobarde neste particular contexto e vir depois, passados vários anos (está bem, a pandemia...), procurar um estatuto de arrependido.
O gabinete ficar de porta aberta, por esta razão, parece-me a pior solução: assume-se que o que acontece atrás de portas fechadas é sempre um convite ao deboche e a exercícios de prepotência, ou que os adultos em causa não sabem resolver problemas de relação (neste caso, com cariz sexual, mas que podem ser de outro tipo) sem o testemunho de quem passe no corredor. Presumo que não tenhas trabalhado muito tempo em open space, para recordares o que te sabia bem não teres de levar com a exposição de cada vaidade, de cada má disposição ou simplesmente de assuntos que te impedem de pensar nos teus. Só para testemunhares que... marcaram uma "ida ao café", para acabarem a conversa nas condições que o predador(a) quiser.
Mete na tua cabecinha, quando conversares comigo: a minha utopia envolve homens e mulheres a precisarem de se entender uns com os outros, não de uns diabolizados pelos outros. A vida custa a todos e há muitos lobos maus nesta floresta do trabalho; o pior que conheci, curiosamente, era uma mulher. Todos diziam da sua ascensão por vias ínvias (vê lá se o livro que me possa ajudar está no mesmo caixote do do Kama Sutra... ou pelo menos no mesmo armazém!). Quem exibia a intimidade perante as colegas era ela. Isso não faz de todas as chefes umas cabras; nem de todos os chefes. Abri um sobrolho a um (sem querer, sem querer! reflexo de legítima defesa!) e não foi por assédio sexual, foi por reação à parvoíce de um gesto a que a resposta habitual das visadas era encolherem-se e esperarem pela próxima vez. Acho que nunca mais se ensaiou.
Há muita pedagogia a fazer no crescimento dos nossos jovens. Os adultos tendem a entender de modos mais agressivos. Este da praça pública não é do meu particular agrado. E tenho de dizer que, do que conheci do homem e menos gostei, foi da vaidade. Vais ver, isto é tudo mais bíblico do que parece.
OK, aceito facilmente que não seja uma questão de género, mas de poder.
Mas como (1) vivemos numa sociedade ainda muito machista e (2) geralmente são os homens quem tem o poder, geralmente só ouves a expressão "subir na horizontal" aplicada à mulher.
Nunca a vi usada como elogio. Mas, mesmo que não seja um ferrete, é sinal de que há ali alguém a abusar do seu poder para fazer promoções em troca de serviços privados. Uma pessoa que está a faltar aos seus deveres perante a entidade que lhe deu um cargo de chefe.
E não, não penso que sejamos assim tão emancipados e livres. Infelizmente.
Incomoda-me imenso que seja sequer uma possibilidade alguém, no ambiente de trabalho, ter de escolher entre "aceitar os avanços do superior" ou ir trabalhar para outro sítio. Não devia - nunca - ser uma hipótese.
Penso nos filmes que não teriam sido feitos se certas actrizes recusassem passar pelo sofá do casting ou pelas condições de abuso impostas pelos produtores. Muitos, pelo que elas dizem. Há tempos, a Salma Hayek relatou o assédio de que foi vítima para fazer o filme Frida Kahlo. Um caso de abuso de poder e sadismo. Pegar ou largar? Devia ter largado? Ia fazer outro filme, outra (menos sensível, digamos assim) faria o Frida Kahlo em vez dela?
Penso que essa pergunta está errada. Prefiro olhar para o gajo que a perseguiu: esse é que tinha de mudar de vida.
No dia em que o risco estiver todo do lado de quem abusa do poder para conseguir favores sexuais, podemos falar em liberdade e emancipação.
Até lá, é ir fazendo de maneira a que as coisas mudem. Seja a conversar, seja a fazer queixa nos lugares próprios, seja na praça pública.
No CES, parece que só começaram a mudar quando as pessoas foram para a praça pública. Também não gosto nada, mas é um sinal forte para as pessoas e as organizações: se não quiserem ver o seu nome na lama, é melhor tratarem de resolver o problema antes de chegar à praça publica.
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