28 abril 2023

o regresso de Wladimir Kaminer




Esta semana fui a um sarau literário do Wladimir Kaminer. Ora bem: já assisto a estas sessões há mais de dez anos, estou em condições de dizer que está cada vez melhor. 
Cada vez melhor!
Enquanto ouvia e ria, pensava nos meus amigos portugueses que não entendem alemão, e sentia realmente muita pena deles. Portanto, a quem está na Alemanha e entende alemão com sotaque russo: se o Kaminer passar pela vossa terra, não percam! 

Para quem não fala alemão, repito apenas uma das histórias que contou a entremear a leitura dos seus textos: quando os filhos eram pequenos e começavam a fazer demasiado barulho em casa, ele propunha-lhes brincar à Repartição de Emprego. Cada um deles tirava uma senha, e ficava sentado no corredor, em silêncio, à espera de ser chamado. Entretanto, do lado de lá da porta, no seu escritório, o Kaminer aproveitava o sossego para escrever.
 
Beeem, era para contar só esta, mas as histórias do Kaminer são como as cerejas. Não resisto a falar da história do cosmonauta do Afeganistão. A ver se consigo transmitir alguma da sua piada:

Quando começou a corrida ao universo, e tanto os EUA como a URSS queriam ser os primeiros a chegar a lado nenhum, na União Soviética fizeram questão de integrar nesse projecto representantes de cada república. Quando chegaram ao Afeganistão, tentaram encontrar um afegão para mandar para o espaço. Arranjaram um taxista de Cabul... 
[ interrompe-se, e protesta com o público: ]
Eh, não se riam de mim! estou a contar isto de forma condensada! Claro que não foi tirá-lo do táxi, meter-lhe um capacete na mão e dizer "não toques em nada! faz um sorriso para a fotografia". Primeiro levaram-no para o sítio onde... 
[ pequena pausa, como se estivesse à procura da palavra certa ]
...germinavam cosmonautas, 
[ o público alemão a corrigir: "davam formação!" ]
[ e eu a pensar: "é tão triste ter de explicar piadas, pá!" ]
lá o mandaram para o espaço, e entretanto o exército soviético saiu do Afeganistão. De volta à terra, o afegão achou que não seria muito avisado regressar a Cabul, agora nas mãos dos taliban. Para onde havia de ir? Foi para a Alemanha, ao encontro de um irmão, que era taxista em Wiesbaden. Voltou à antiga profissão. 
[ pára um pouco, olhando para o público, sorri ]
Não sei porque é que esta história me fascina tanto. É assim. Em todo o caso, este homem pode dizer aos seus clientes que, quando não está a trabalhar como taxista, é astrofísico. Não é mentira. 

Começou por falar do seu próximo livro. Parece que se vai chamar "Pequeno-almoço à beira do apocalipse". E fez de rajada inúmeras piadas sobre o fim dos tempos. Puro "humor de cadafalso", como lhe chamam os alemães. Eu ria, enquanto pensava como era estranho e ao mesmo tempo libertador ter uma sala inteira a rir daquilo que mais nos ameaça. Falou, por exemplo, dos filhos, que acusam os nossos hábitos alimentares de contribuir para o fim da sustentabilidade do planeta, e comentou: "bem, entre tantas terríveis possibilidades de dar cabo disto tudo, parece-me que a via culinária é a menos má..."

No intervalo, quando autografava os livros, alguém comentou com ele que a sua foto no cartaz estava melhor que o original. E ele, displicente: "Claro! Photoshop!"

Pode ser, pode ser. Mas photoshop nenhum consegue fazer dele o que ele próprio faz: ao vivo, é ainda melhor do que nos livros. 

E está cada vez melhor. 

 

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